Khamenei joga duro com Obama

E o Irã vai cozinhando a “única” potência...

Irã cozinhando...

Foi semana excepcional para a política do Oriente Médio e acabou, adequadamente, com um choque de realidade: que as imaginações não saiam de curso.

Três grandes acontecimentos, numa semana, têm de ser alinhados e considerados como inevitável confluência de desenvolvimentos e processos: a oposição síria ofereceu diálogo bilateral ao regime de Bashar al-Assad; o presidente do Irã fez visita histórica ao Egito; e os EUA ofereceram conversações diretas ao Irã – que o Irã aceitou prontamente.

Não há dúvida de que são eventos interconectados. Primeiro, o caleidoscópio sírio está mudando de configuração muito dramaticamente, embora continue o banho de sangue. A menos que os países europeus levantem o embargo de armas que impuseram à Síria (o qual, seja como for, expirará dia 1º de março) e decida armar os rebeldes, o impasse continuará.

O humor nas capitais ocidentais mudou, na direção de mais cautela e circunspecção, ante o fantasma de grupos afiliados à al-Qaeda que se estão beneficiando do caos reinante. Se mais não fosse, bastaria o furacão de islamistas militantes armados que varre o Mali, para aumentar as preocupações e a relutância.

O que levou o líder islamista da Coalizão Nacional Síria, Moaz al-Khatib, semana passada, a manifestar disposição para construir conversações diretas com representantes do regime sírio – e empurrou-o ao encontro dos Ministros de Relações Exteriores de Rússia e Irã – foi tanto a confusão reinante dentro da oposição síria e o fracasso na tentativa de formar algo semelhante a um verossímil “governo-no-exílio”, quanto a aguda certeza de que o humor ocidental já dá sinais de extrema cautela em relação à Síria.

Não há dúvidas de que o Irã, já há alguns meses, desempenha papel crucial na dura batalha de nervos em torno da Síria. Curiosamente, é o Irã quem, hoje, está “do lado certo da história”, ao clamar por diálogo e negociações urgentes e por eleições democráticas, como chaves indispensáveis para reformar e promover mudanças na Síria – e, também, no que tenha a ver com isso, no Bahrain.

A mudança que se vê na Síria realmente deu instrumentos ao Irã para derrubar as barreiras entre sunitas e xiitas, que tão tenazmente foram criadas e impostas para isolar o Irã. Por isso, a visita histórica do Presidente Mahmud Ahmedinejad ao Egito, essa semana, tem dimensão muito mais ampla em termos regionais para o Irã, que apenas a restauração de relações bilaterais entre Irã e Egito. O encontro trilateral que houve entre Ahmedinejad e os presidentes do Egito e da Turquia, Mohamed Mursi e Abdullah Gul mostra muito mais sobejamente a crescente relevância do Irã como interlocutor, que qualquer inimizade implacável que houvesse entre o Irã xiita e os dois grandes países sunitas.

Interessante o que acrescentou Mursi:

A revolução egípcia passa agora por condições similares às da Revolução Iraniana. Dado que o Egito não tem condições de progresso rápido, como o Irã teve, acreditamos que expandir os laços e a cooperação entre Egito e Irã é movimento crucialmente importante e necessário.

Desnecessário dizer que a diplomacia iraniana jogou magistralmente em tudo que teve a ver até agora com o regime da Fraternidade Muçulmana no Cairo: nem bajulou nem diminuiu, empurrou ou pressionou: apenas deixou que os Irmãos definissem o ritmo dos eventos. Fator básico nessa abordagem é a confiança, em Teerã, de que a avançada do islamismo no Oriente Médio por vias democráticas, sem especial preocupação com algum “islamismo sunita”, operará sempre, e ao final das contas, a favor dos interesses do Irã.

A recepção cordial que Sheikh Ahmed al-Tayyeb, líder da mesquita egícia Al-Azhar do Egito, ofereceu a Ahmedinejad e a alta probabilidade de que visite Teerã em futuro bem próximo manifestam muito claramente o desejo comum de estreitar laços e afinidades.

Dito em termos simples, a crise síria vai aos poucos saindo do espaço das questões difíceis entre Irã e Egito. É verdade que a Coalizão Nacional Síria (CNS), que tem base na Turquia, continua a rejeitar qualquer negociação com o regime sírio, e a Fraternidade Muçulmana controla a CNS. Mas aí pode estar também uma janela de oportunidades para que Turquia, Egito e Irã forcem-se mutuamente a melhor afinação.

De fato, a CNS não tem qualquer influência real sobre os rebeldes em luta; e Ancara irrita-se cada dia mais com o rumo geral da crise síria.

Foi afinal nesse contexto complexo, que o vice-presidente Joe Biden dos EUA disse em Munique, no último fim de semana, que Washington está pronta para iniciar conversações diretas com o Irã sobre o programa iraniano de energia nuclear. A resposta imediata do Irã foi otimista cautelosa. O Ministro das Relações Exteriores do Irã, Ali Akbar Salehi disse que:

Estou otimista. Sinto que o novo governo dos EUA, dessa vez, tenta, pelo menos, afastar-se do modo como vinha tratando o meu país.

Mas já no dia seguinte, começou a modular o entusiasmo:

Vemos positivamente esse movimento. Parece-me uma boa abertura... Mas temos de esperar um pouco mais, para ver se, dessa vez, o gesto deles é gesto real... E tomaremos nossas decisões de acordo com a real configuração.

Adiante, Salehi explicou que:

A análise do passado mostra que sempre que mantivemos conversações com os norte-americanos, inclusive com esforços para estabilizar o Afeganistão, o outro lado, infelizmente, jamais cumpriu plenamente as obrigações que assumiu. Não se negocia em tom de ameaça, dizendo que todas as opções estão sobre a mesa [porque] vê-s aí, bem aparente, uma contradição (...) Pressionar e convidar para conversar são atitudes incompatíveis. Se as intenções se comprovarem honestas, podemos, sim, incluir negociações sérias em nossa agenda.

Obviamente, Salehi falou por duas bocas; a retração final é a “autêntica” voz de Teerã.

Na 5ª-feira, quando o Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei afinal quebrou seu silêncio, rejeitou a possibilidade de conversações diretas com os EUA. Disse ele:

Vocês [norte-americanos] apontam a pistola contra o Irã e dizem que é “ou negociação ou bala”. A nação iraniana não se deixará intimidar por essas ameaças (...) Alguns ingênuos gostam da ideia de negociar com os EUA, [mas] nenhuma negociação resolverá os problemas. Quem tente estabelecer novamente o poder da América no Irã, verá que a nação se erguerá contra eles.

Um modo de interpretar a dura declaração de Khamenei na 5ª-feira é pô-la no contexto do anúncio de novas sanções contra o Irã, anunciadas na véspera, em Washington, as quais foram explicadas pelo governo dos EUA como “mais um aperto significativo no parafuso” que “aumentará significativamente a pressão econômica contra o Irã”.

Mas nem assim se explica o manifesto endurecimento e a total rejeição que se vê nas palavras de Khamenei. Três outros fatores têm de ser considerados. Primeiro, a política doméstica está esquentando no Irã; a dramática irrupção pública de discordância e desarmonia entre Ahmedinejad e o presidente do Parlamento, Ali Larijani, semana passada, é prova de que há tempos difíceis à frente, quando Khamenei, como o grande timoneiro, estará mergulhado em problemas.

Verdade é que terá muito a joquear, à medida que se aproximarem as eleições presidenciais marcadas para maio. Khamenei pode bem entender que conversações com os EUA serão mais oportunas depois das eleições. (Diga-se de passagem, essa pode ser também a preferência de Obama).

Em segundo lugar, Khamenei disse, nas entrelinhas, que Teerã espera algum sério gesto de boa vontade, dos EUA, antes de iniciar quaisquer conversações. Lembrou que os EUA já várias vezes no passado não agiram de boa fé – como quando o Irã ajudou os EUA a derrubar o regime dos Talibã no Afeganistão.

Um terceiro fator é que Khamenei vê, profunda e genuinamente, que o Irã está, sim, “do lado certo da história”, no que tenha a ver com os levantes regionais no Oriente Médio; ao mesmo tempo em que as estratégias regionais dos EUA mostram-se cada dia mais sem rumo e sem sentido.

Em resumo, por mais que a propaganda norte-americana repita que as sanções “mordem fundo na carne do Irã” e que o regime no Irã estaria sitiado, o que se tem é uma bizarra situação, na qual só Washington acredita na própria propaganda, por mais que as realidades em campo sejam amplamente diferentes do que diga a propaganda.

Por mais que a propaganda nos faça crer que o regime em Teerã viva temeroso de que irrompa em Teerã um levante como o da Praça Tahrir, as palavras de Khamenei não mostram qualquer vestígio de medo ou timidez. Simultaneamente, Khamenei avalia atentamente a capacidade (ou a falta de capacidade) de Obama para controlar os cães do lobby israelense e iniciar processo genuíno de normalização das relações com o Irã.

Quando Richard Nixon trabalhou com a China, no início dos anos 1970s, beneficiou-se de um amplo consenso favorável de opiniões dentro do establishment político nos EUA. Ao contrário, no que tenha a ver com o Irã, o pensamento e os discursos de muitos norte-americanos influentes ainda são regidos por orgulho e preconceito.

A mensagem de Khamenei a Obama é que trabalhe com seriedade e decida com clareza o que deseja, em vez de mandar recado por Biden, sem qualquer elo de conexão e sem se comprometer a coisa alguma.

Khamenei já enfrentou vários presidentes dos EUA ao longo de 22 anos; dessa vez, apenas devolveu a bola para a quadra adversária. Agora, Khamenei esperará a próxima jogada de Obama, que visitará Israel, mês que vem.


8/2/2013, M K BhadrakumarAsia Times Online
Khamenei plays hardball with Obama

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Times Online eo Blog Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.


http://redecastorphoto.blogspot.com.br

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