De Napoleão III a Franco: os “Vermelhos”, os “árabes do norte”

“Nenhuma piedade pelos beduínos!”

Acabo de descobrir, ao ler o excelente artigo de John Brown sobre Baltasar Garzón e as arapucas da transição democrática na Espanha [endereço acima], que os oficiais franquistas do exército da África que esmagou a República espanhola chamavam os Republicanos de “os mouros do norte”, os árabes do norte. O que leva Gustau Nerín, em seu livro La guerra que vino de África [A guerra que veio da África], citado por Brown, a qualificar o extermínio dos “Vermelhos”, pelos fascistas, como “matança colonial”.

Imediatamente me ocorreu um paralelo histórico rico de analogias.

O Duque de Orléans deixa o Palácio Real (Louvre) e vai para o Hotel de Ville (Vernet)

Em fevereiro de 1848, a população de Paris levantou-se contra a monarquia instaurada em julho de 1830 e proclamou a Segunda República. A burguesia aterrorizada apelou às tropas de África vitoriosas na conquista sangrenta da Argélia, de 1830 a 1847, quando o Emir Abdelkader, chefe da insurreição argelina, rendeu-se às tropas francesas de ocupação comandadas pelo general Bugeaud, massacrador de operários parisienses em 1834.

Governador da Argélia desde 1840, Bugeaud foi convocado de volta a Paris para enfrentar a Revolução. Nomeado comandante militar de Paris, Bugeaud declara: “Terei o prazer de matar muitos dessa canalha.” O encarregado do comando operacional das tropas é o General de Saint-Arnaud, ao qual François Maspéro consagrou um livro notável, L'honneur de Saint-Arnaud [A honra de Saint-Arnaud] (éd. Seuil, coll. Points, 1997, 448 p.).

Saint-Arnaud, protótipo do conquistador colonial aplicará tudo que aprendeu na conquista da  Argélia – dentre outras, a tática de sufocar com fumaça os civis que se refugiavam em cavernas – a serviço da contrarrevolução na metrópole. O homem que escrevia na Argélia “Arrebentamos, queimamos, pilhamos, incendiamos colheitas e árvores” era odiado pelo povo parisiense, que lhe jogou lama e derrubou-o do cavalo nas jornadas de fevereiro. Saint-Arnaud teria sua vingança, e seria sangrenta.

A cavalaria nas ruas de Paris em 2 dedezembro de 1851 (Autor desconhecido)

Depois do banho de sangue de junho de 1848, Louis-Napoléon Bonaparte prepara seu golpe de Estado. Nomeia Saint-Arnaud General-de-Divisão, depois Ministro da Guerra. Nos dias que se seguiram ao golpe de força de 2/12/1851 (o famoso 18 brumário de Louis-Napoléon Bonaparte, para lembrar o título da brochura de Karl Marx) as tropas de Saint-Arnaud, que se tornara ministro do Interior, lançaram-se contra os quarteirões operários de Paris, aos gritos de “Nenhuma piedade pelos beduínos!”

40 mil Republicanos seriam presos e condenados por “comissões mistas” criadas por Saint-Arnaud e seu colega da Justiça, Abbatucci. Uma parte deles seria banida para Lambèze, na Argélia e Caiena, na Guiana. Esses Republicanos, embora chamados de “beduínos”, nem por isso deixaram de ser franceses. A maioria deles, depois de deixados em Lambèze, tornaram-se colonos na Argélia francesa (os condenados a pena de banimento não podiam retornar à metrópole depois de cumprida a pena) e, na primavera de 1871, proclamaram a Comuna de Argel, ainda mais efêmera que a Comuna de Paris.

Detalhe perturbador: os “indígenas” judeus e muçulmanos eram proibidos de entrar nessa “comuna”...

Sempre alguém é “o árabe” de alguém.


Ilustração virtual
-- Ernest Dargent, Illustration pour “Histoire d'un crime” - Quatrième journée: La victoire. © Photo RMN – Bulloz.

11/2/2012, Fausto Giudice, Túnis [enviado por e-mail]
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu

http://redecastorphoto.blogspot.com

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