O pico do petróleo: Laherrère responde a Yergin

Laherrère, co-fundador da Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e ex-especialista da Total, desmonta a última análise do campeão dos "otimistas", o americano Daniel Yergin.

Daniel Yergin está de volta. O autor de "O Prêmio", uma história do petróleo que hoje é referência dedicada à glória de toda a indústria, publicou, na semana passada, um artigo no Wall Street Journal, uma prévia do lançamento de seu novo livro, "The Quest" ( A busca).

Daniel Yergin é o vice-presidente da IHS, poderosa agência de inteligência econômica, considerada muito próxima das grandes empresas petrolíferas dos EUA. O argumento que este analista desenvolve no Wall Street Journal é um contra-ataque, há muito aguardado, contra a proliferação das previsões alarmistas sobre o futuro da produção mundial de petróleo.

Daniel Yergin admite que conseguir atender à demanda futura por petróleo será um "desafio". Mas ele lança severas dúvidas sobre a credibilidade dos membros da ASPO, a Associação para o Estudo do Pico do Petróleo, que afirmam que tal desafio já está perdido por falta de reservas suficientes de petróleo ainda explotáveis.

Na situação atual que ele apresenta, o vice-presidente da IHS não se lembra de um fato essencial: o pico absoluto atingido em 2006 pela produção de petróleo convencional (petróleo líquido convencional ou seja, 80% da oferta atual de petróleo). Esta data de 2006 é a que Colin Campbell e Jean Laherrere, os dois petrogeólogos que deram origem à ASPO, haviam previsto desde 1998.

Solicitei então a Jean Laherrère, ex-chefe de técnicas de exploração do Grupo Total, para que respondesse às afirmações mais importantes contidas na análise otimista apresentada por Daniel Yergin.

Daniel Yergin: "Sem problemas no decorrer dos anos  2007 a 2009 ; para cada barril produzido no mundo, 1,6 barris de novas descobertas foi acrescentado. "

Laherrère - Daniel Yergin apela para os números políticos e declaratórios publicados pelo Jornal Oil & Gas e pela BP. Com base nesses dados, as reservas globais eram de 1.253.000 milhões de barris (Gb) em 2007 e 1.333 Gb em 2009, incluindo a adição de 72 Gb de petróleo extra-pesado do Orinoco, descobertos na Venezuela ... no final dos anos trinta. O que é, digamos, incrível é que o Sr. Yergin ignore os números confidenciais de sua própria associação, a IHS.

Aqui estão os números. Note que eles não levam em conta o óleo extra-pesado:

Ano

Descobertas (Gb)

Produção (Gb)

2007

10,0

26,0

2008

13,0

26,3

2009

12,4

25,8

Total

35,4

78,1

A realidade é, portanto, que para cada barril produzido, descobriu-se menos do que 0,5 e não 1,6 barril! O petróleo continua a ser consumido mais rapidamente do que é descoberto. Uma situação que continua agora depois um quarto de século ...

Daniel Yergin: "Exemplo de (tecnologia revolucionária): o "campo de petróleo digital", que utiliza sensores espalhados dentro do campo, para melhorar os dados e a comunicação entre ele e os centros de tecnologia de uma empresa. Se fosse amplamente difundida, esta técnica poderia ajudar a explorar uma enorme quantidade de óleo extra ao redor do mundo -  de acordo com uma estimativa, isso representaria 125 bilhões de barris em reservas adicionais, o equivalente à estimativa atual de reservas do Iraque."

Laherrère - Atualmente está muito na moda falar de "campo de petróleo digital" para impressionar os acionistas. Mas até agora, que eu saiba, nenhum campo que atingiu a maturidade viu sua produção crescer significativamente com o uso desta técnica. Reivindicar um aumento das reservas de 125 Gb com ela não passa de pensamento positivo e não guarda qualquer relação com um estudo sério.

Como se faz para aumentar o tamanho das reservas recuperáveis ​​de um campo? Inicialmente, temos a recuperação "secundária": trata-se da utilização de injeção de água ou gás para manter a pressão do campo. É a prática atualmente utilizada, desde o início, em todos os novos campos.

A "recuperação terciária" (em Inglês, EOR - "recuperação ampliada de petróleo") faz uso de técnicas que alteram as propriedades dos fluidos: técnicas térmica (vapor), química ou usar injeção de um gás miscível, como CO2. É nos Estados Unidos que as  atividades EOR estão mais desenvolvidas. No entanto, o número de projetos de EOR passou de quase 500 em 1986 para apenas 200 em 2010. Sua produção foi 600 mil barris por dia (b/d) em 1986. De 1992 a 2000, permaneceram em um patamar de cerca de 750.000 b/d. Em 2010, eles não produziram mais do que 650 mil b/d, apesar dos preços elevados do petróleo e do generoso relaxamento da regulamentação ambiental durante a era Bush.

A tecnologia não pode alterar qualquer coisa na geologia de um reservatório! Ele simplesmente permite produzir mais rapidamente, acelerando assim o declínio dos campos maduros ... Um exemplo é a atual desaceleração muito acentuada do campo gigante de Cantarell no México, no qual já foi utilizada uma maciça injeção de nitrogênio.

A taxa de recuperação do campo depende principalmente das propriedades do reservatório e do fluido que ele contém. Esta taxa pode chegar a 80% para arenito ou calcário muito poroso e não ultrapassa 1% para um reservatório compacto e fraturado.

Daniel Yergin: "Um estudo produzido pelo United States Geological Survey (Serviço de Pesquisa Geológica dos EUA) mostrou que 86% das reservas de petróleo nos Estados Unidos não correspondem ao que se acreditava no momento da descoberta (dos campos), mas a revisões e a adições originárias de desenvolvimentos posteriores."

Laherrère - A prova de que as reservas provadas dos Estados Unidos não aumentam mais: na última década, segundo o Departamento de Energia dos EUA, a quantidade de revisões para cima das reservas dos EUA é aproximadamente igual ao montante de revisões para baixo baixo [pdf, consulte a coluna 2: "net revisions Net"].

O que faz o Sr. Yergin a acreditar que ele é diferente? Nos Estados Unidos, as reservas são relatadas de acordo com as regras impostas pela SEC, o fiscal de Wall Street. De 1977 a 2010, estas regras exigiram que as empresas de petróleo relatassem apenas as reservas chamadas "provadas", diretamente acessíveis pelos poços já em produção. A SEC proibiu a divulgação do montante de reservas chamadas de "prováveis" identificadas nas proximidades desses poços, mesmo que a probabilidade fosse muito elevada.
Esta regra enganosa foi concebida para proteger os banqueiros que, em caso de falência de um produtor, pudessem decidir por assumir apenas os poços produtores. Esta definição tão estreita não era nada confiável, porque levava a uma subestimação das reservas reais de campos de petróleo americanos no início da produção e à sua reavaliação sistemática para cima no futuro.

Tomemos como exemplo o campo de Kern River, localizado na Califórnia. Desde 2000, a produção deste antigo campo tem diminuído de maneira regular. No entanto, o montante de reservas relatadas para Kern River pode crescer de 318 milhões de barris em 2000 para 542.000.000 barris em 2010. Esse crescimento surpreendente é devido ao fato de que, entre 2000 e 2010, 560 novos poços foram colocados em produção (sem conseguirem, entretanto, barrar o declínio da Kern River)!

Somente a adição das quantidades de reservas provadas e prováveis ​​permite avaliar um campo corretamente. Este método, conhecido como EPS, é atualmente usado em todo o mundo - eu, diga-se de passagem, participei de seu desenvolvimento em 1997. Em todos os lugares ... exceto nos Estados Unidos. O crescimento das reservas dos EUA pelo qual o Sr. Yergin se alegra não deve nada ao avanço da tecnologia: é apenas resultado do método incorreto preconizado pela SEC até 2010.

Mas ainda há mais. Desde 2010, a SEC passou de um extremo a outro. Ele agora permite a estimativa das reservas provadas não só com base nos poços produtores, mas também de acordo com um modelo de avaliação de todo o campo que as empresas podem manter em sigilo! Este novo método favorece todos os tipos de excessos e abusos, como denunciou francamente o New York Times.

O crescimento considerável das reservas de gás de xisto dos EUA é um resultado desta nova regra da SEC. Mais uma vez, não há nada a ver com a implementação das chamadas tecnologias "novas", mas na realidade controladas há trinta anos, tais como a perfuração horizontal e o fraturamento hidráulico de rochas. (Nota do editor: a especulação fundiária sobre as reservas questionáveis ​​de reservas de gás de xisto vai alimentar uma grande bolha nos EUA, segundo uma pesquisa de Ian Urbina, do New York Times, também autor do artigo citado acima).

Daniel Yergin mente sobre as reservas, como a Grécia mentiu sobre seus déficits. Atenção: no mundo da energia, não há regras - a não ser ganhar dinheiro e não há árbitro nem cartão vermelho!

Finalmente, um breve retorno ao passado. Em 2005, em um artigo publicado pelo Washington Post em que ele já zombava dos pessimistas, Daniel Yergin previu que até 2010, a capacidade de produção global poderia aumentar em 16 milhões de barris por dia (mb/d), passando de 85 para101 Mb/d. Desde então, a capacidade global de produção permaneceu estável em um patamar de cerca de 86 Mb/d. .. Você deve reler isto, Yergin.

(A galeria de Daniel Yergin tem atraído outras reações fortes entre aqueles que apoiam a hipótese de um declínio próximo da produção mundial de combustíveis líquidos. Podemos citar o artigo on-line do professor Kjell Aleklett, presidente da ASPO International.

Em 2008, Glenn Morton, um geofísico e investidor americano, publicou o que ele classificou como um inventário das previsões otimistas erradas apresentadas no passado por Daniel Yergin e pelo IHS sobre o estado do mercado de petróleo).

Tradução : Argemiro Pertence

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