Os palestinos avançam

DAMASCO. Houve e há vários passos importantes para o que se tem chamado de “Terceira Intifada [levante] Palestina”, e que começou dia
15 de maio, data que marcou os 63 anos da criação do estado de Israel.

Para designar o mesmo dia, o importante historiador sírio Constantine Zureik usou pela primeira vez a palavra  Nakba [“desastre”, “catástrofe”, em árabe]. Desde então, o nome manteve-se.

Naquele dia, em 1948, os exércitos da Síria, Jordânia, Líbano, Iraque e Egito (no total, 25 mil soldados) entraram em guerra contra Israel – que resultou em dolorosa derrota coletiva para os árabes. Em 2011, uma massa humana desarmada, sem soldados, marchou contra Israel.

Carregavam bandeiras palestinas e as chaves das casas de pais e avós – símbolos sagrados da identidade palestina, passados de mão em mão, de geração a geração, desde 1948.

No front sírio, centenas de sírios e palestinos romperam a cerca de arame farpado, enfrentaram a pedradas os soldados, rumo ao Golan Sírio, ocupado por Israel desde 1967. Chegaram até a cidade ocupada de Majdal Shams, onde o exército israelense abriu fogo contra a multidão e matou quatro civis. 170 pessoas foram feridas próximo à fronteira síria.

No Líbano, houve confronto semelhante, quando libaneses e palestinos alcançaram a cidade fronteiriça de Maroun al-Ras, onde o exército de Israel atirou e matou dez e feriu mais de 110 manifestantes. Na Cisjordânia, jovens palestinos tentaram assumir o comando do posto de controle de Qalandiya, entre Ramallah e Jerusalém. Também ali, o exército de Israel abriu fogo, ferindo 40 manifestantes. E as manifestações chegaram até Jerusalém. No Egito, o exército impediu que manifestantes chegassem ao muro que demarca a fronteira com Gaza, ação que gerou confrontos que fizeram mais de 120 feridos.

É a guerra? Ainda não. Mas, como disse Eran Makov, do ministério da Defesa de Israel, o 15 de maio “foi como o ensaio geral para setembro”. Em setembro, os palestinos estarão ante a Assembleia Geral das Nações Unidas, para exigir que a ONU reconheça seu estado palestino, já reconhecido por mais de 100 estados. Israel dirá não e, então, sim, estará declarada a Terceira Intifada.

O chefe do Shin Bet de Israel, Yuval Diskin, disse recentemente que estava “muito preocupado” com a Palestina ser reconhecida como estado independente, em setembro. Segundo várias estimativas, os palestinos receberão 140 votos favoráveis na Assembleia Geral da ONU; para o reconhecimento oficial, bastam 128 votos.

Ehud Barak, ministro da Defesa, também está preocupado. Para ele, Israel enfrentará “um tsunami político”, se até setembro não houver, bem delineado, um plano de paz. “Há 43 anos Israel governa outro povo.

Nunca houve tal coisa no mundo contemporâneo. De nenhum modo o mundo continuará a aceitar isso.”

Israel não conseguiu criar qualquer plano de paz alternativo, depois do fracasso das negociações no final de outubro de 2010. O presidente Mahmoud Abbas, que esse mês assinou acordo de unificação com o Hamás, disse que aceitaria reiniciar conversações de paz imediatamente, no momento em que o primeiro ministro Benjamin Netanyahu ordenar o fim de qualquer tipo de construção nos territórios ocupados na Cisjordânia e em Jerusalém Leste.

Netanyahu, que estará nos EUA dia 20 de maio, tem-se recusado a aceitar qualquer alteração no ritmo de construção nos territórios ocupados. E seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Liebermann, já respondeu que “Aceitaremos conversar, mas sem qualquer precondição”. E acrescentou que não haverá qualquer congelamento das construções em territórios ocupados “nem por três meses, nem por três dias, nem por três horas”.

O levante dos palestinos, é preciso considerar, não pode ser surpresa para Israel. Há uma página no Facebook já há semanas, convocando os palestinos para as manifestações do 15 de maio. Mas, muito estranhamente, Israel esperava levante interno, semelhante aos que houve em 1987 e 2000; e foi surpreendida pelas manifestações nas fronteiras com países árabes. Mesmo os que já esperavam hostilidade, nunca supuseram que algo acontecesse na fronteira entre Síria e Israel, que não conhece qualquer agitação desde 1973.

Segundo os organizadores da Terceira Intifada, a Fase I estava prevista para ser “manifestação pacífica, com os manifestantes sentados” no domingo, quando refugiados palestinos que vivem na Síria, Jordânia, Egito e nos Territórios Palestinos Ocupados se reuniriam em diferentes pontos próximos das respectivas fronteiras com Israel. A Fase II seria “A Avançada”, quando os manifestantes caminhariam em marcha pacífica, desarmados, saindo cada grupo do ponto onde estivesse, em direção à fronteira, avançando o mais que o terreno permitisse. A Fase III seria “O Retorno”, quando os refugiados entrariam na Palestina, com um único objetivo em mente: a libertação.

E a última fase, Fase IV, quando cada refugiado alcançasse sua cidade ou vila de origem, ou o ponto mais próximo possível; ali aconteceria uma segunda “manifestação”, com os manifestantes permanecendo cada um no local onde estiver, até ver reconhecido seu “direito de retorno”.

No domingo, teve início a Fase I, que imediatamente atraiu a atenção de todo o mundo árabe e da mídia, afastando-os do que acontecia na Líbia, Iêmen, Bahrain, Egito e Síria. Por mais que os árabes estejam furiosos com os respectivos governos e ditadores, todos, sem dúvida, dispõem-se a superar diferenças locais que os separem, para unir-se numa única frente de luta, contra Israel.

Desnecessário dizer que vários governos árabes veem com interesse a possibilidade de uma Terceira Intifada. Ao longo da história, sempre que a popularidade de algum regime árabe vê-se ameaçada, monarcas e presidentes imediatamente jogam “a carta palestina”. Foi o que fez Yasser Arafat, da OLP, em 2000, quando usou o dia da Nakba para reconquistar a popularidade que estava perdendo nos Territórios Ocupados. Hasan Nasrallah, do Hezbollah no Líbano, disse, em fala no domingo à noite: “Vocês, os mais honrados, deram novo significado à Nakba!”

Até o primeiro-ministro interino Saad al-Hariri, sempre aliado do ocidente, foi obrigado a criticar o ataque de Israel contra palestinos como “violência intolerável”.

Mais importantes, ouviram-se algumas vozes de condenação aos ataques israelenses também dentro de Israel. Daphne Richmond-Barak do Herzilya Interdisciplinary Center, por exemplo, reconheceu que os tiros contra manifestantes desarmados constituem violação de leis internacionais.
(...)

Se as manifestações iniciadas dia 15 de maio repetirem-se regularmente, até se converterem em prática regular pelos próximos quatro meses, Israel ver-se-á isolada na comunidade internacional, e os palestinos conquistarão corações, mentes e telas de televisão em todo o mundo [no Brasil, infelizmente, não conquistarão nenhuma tela de televisão (NTs)].

Depois de assassinar Osama bin Laden e de ter declarado que os EUA não estão em guerra contra o mundo muçulmano, o presidente Barack Obama dos EUA tem de manifestar-se na questão mais sagrada para os árabes: terra e justiça para os palestinos. Há mais de dois anos, os israelenses só fazem criar dificuldades para Obama, recusando-se a parar de construir em território palestino ocupado, recusando-se a participar de conversações de paz, atacando barco turco e agredindo pacifistas de vários países em junho passado e, mais recentemente, quando os israelenses recusaram-se a reconhecer o acordo histórico que reaproximou os partidos palestinos Fatah e Hamás.

A última coisa que Obama quer é mais problemas com Israel em questões de fronteiras com países árabes – e Obama sabe que Israel, como faz sempre, engolirá a isca, atirará contra manifestantes pacíficos e envolverá os EUA em nova grave questão internacional.

No domingo, os palestinos deram a Netanyahu toda a corda de que precisa para enforcar-se, antes da Assembleia Geral da ONU, em setembro.

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