Rumo a uma economia de baixo carbono

Em entrevista à Carta Maior, Eduardo Viola, professor de Política Ambiental Internacional da Universidade de Brasília, fala sobre as tendências globais envolvidas no processo de transição para uma economia de baixo carbono. "O eixo da sustentabilidade passa por essa transição. Para isso nós precisamos de um acordo internacional que ponha um preço ao carbono, que constrinja as emissões gradualmente. Isto favorecerá toda a saída da matriz energética fóssil, particularmente do carbono, em primeira instância, seguido do petróleo e do gás natural", diz Viola.

Respeitado por suas ideias e profundo conhecimento acerca de sustentabilidade, o professor de Política Ambiental Internacional no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UnB, Eduardo Viola, fala à Carta Maior sobre os desafios que o Brasil terá de enfrentar para se tornar um país ambientalmente limpo:

Quais são os novos modelos necessários à adaptação da governança global às exigências do mundo atual?

Eduardo Viola - Basicamente, o que é decisivo em toda a questão tem a ver com a transição para uma economia de baixo carbono. O eixo da sustentabilidade hoje, claramente passa por essa transição. Para isso nós precisamos, por um lado, de um acordo internacional que ponha um preço ao carbono, que constrinja as emissões gradualmente. Isto favorecerá toda a saída da matriz energética fóssil, particularmente do carbono, em primeira instância, seguido do petróleo e do gás natural. Em seguida, vem a substituição por todas as energias renováveis, ou seja, hidrelétrica, biocombustível, eólica, solar e novas energias importantes como a das marés e a geotérmica, por exemplo.

Esse acordo é um componente fundamental e está no horizonte porque existe um consenso de que ele é necessário, tanto na opinião pública quanto nas elites do mundo. Sua realização, no entanto, é muito difícil na engenharia internacional. Penso que este seja o maior desafio que a humanidade já enfrentou. Então, nesse sentido, ele ainda está distante.

Por outro lado, os países já iniciaram políticas nacionais de “descarbonização” de sua economia. A Europa já trabalha com isso há algumas décadas. Mas não há um modelo único de aplicação dessas políticas porque os problemas dos países são distintos. Assim, nos Estados Unidos, por exemplo, a principal questão é diminuir a produção de eletricidade oriunda de termoelétricas de carbono e passar a produzi-la como energia renovável, como a nuclear, por exemplo, assim como passar a ter carros mais eficientes – menores, elétricos, de biocombustível ou híbridos – além do aumento dos transportes coletivos. Esse é um problema dos EUA. Agora, se formos para a China, veremos que as necessidades são outras: lá, a grande questão é deixar de construir termoelétricas como as que eles tem, que consomem muito carvão e são muito atrasadas. Então a China deve avançar com a energia eólica, a solar fotovoltaica, coisa que já vem fazendo de forma extraordinária nos últimos anos. Isso vai causar grande impacto no mundo. No entanto, o ritmo em que isso se processa é outra questão muito importante.

Aqui no Brasil, o decisivo é fazer o que em parte já vem sendo feito, que é reduzir o desmatamento até conseguir chegar ao limite zero. Isso não apenas sob o ponto de vista legal, pois grande parte do desmatamento no Brasil era e é ilegal. Outro ponto é não expandir a parte de produção de eletricidade que venha de energias sujas, como as termoelétricas. É importante também diversificar a matriz para não se ficar totalmente dependente de hidrelétricas, porque isso é perigoso do ponto de vista climático. Isso requer uma presença maior de energia eólica – que embora esteja aumentando, ainda é baixíssima no país – da fotovoltaica, que está totalmente parada neste momento porque comparada à energia elétrica derivada de hidroeletricidade tem seu quilowatt três vezes mais caro. Só não ficará atrás da energia que é a mais importante do futuro de descarbonização, que é a solar fotovoltaica. Mas nós estamos fora disso, por enquanto.

Existe a hipótese desse quadro mudar em curto prazo?

EV - No Brasil, em curto prazo não existe essa possibilidade, pelo que eu percebo na opinião das elites que vão formando o processo decisório e locativo de recursos energéticos. O importante é que duas coisas mudaram a partir do ano passado: voltou-se atrás na expansão de termoelétricas a óleo diesel e as de carbono não serão mais licenciadas. Com isso se dá um novo incentivo à energia eólica – coisa que não havia antes – como se viu no último leilão de dezembro do ano passado. Isso é o novo. Agora, em relação à solar fotovoltaica não.

A meu ver isto é preocupante, porque o Brasil pode-se dizer, está muito bem em tecnologias de energias renováveis descarbonizadas que são de gerações já consolidadas, como hidrelétrica ou biocombustível, mas que ainda são de primeira geração. No entanto o país está muito mais atrasado nas novas energias renováveis, que tendem a ser fundamentais no século XXI, que são, em primeiro lugar, a solar fotovoltaica, em segundo lugar, o biocombustível de segunda geração, de celulose, e, em terceiro lugar, a energia eólica.

As emissões brasileiras hoje são, basicamente, oriundas de desmatamentos – que já caíram, mas continuam sendo importantes –, as emissões do ponto de vista agropecuário porque usam muitos fertilizantes, e as emissões de metano derivadas da pecuária.

Como podemos perceber, o padrão brasileiro é atípico, totalmente diferente do resto do mundo. Não é um padrão de país pobre, florestal, que é de desmatamento, mas também não tem uma estrutura estabelecida de produção de energia renovável como o Brasil tem. No país, 85% da eletricidade é de origem hidrelétrica e grande parte dessas usinas foram construídas em condições que não emitem metanos. As hidrelétricas da Amazônia, até agora, foram ruins: Samuel, Balbina e Tucuruí, foram construídas em condições erradas. Mas agora, em princípio no papel, são construídas de modo muito diferente e terão uma emissão de gases do efeito estufa muito pequena. Uma coisa muito importante para o Brasil é o investimento em tecnologia de transmissão, redes elétricas inteligentes, de última geração. A China, por exemplo, faz isso. E nós precisamos porque como a energia hidrelétrica está na Amazônia, temos que transmiti-la a longas distâncias e esta transmissão deve ser muito eficiente. Nisso também estamos um pouco atrasados.

Do seu ponto de vista, qual é a dificuldade para o Brasil se atualizar nessas novas tecnologias?

EV - A dificuldade está em parte no cálculo de custo/benefício para curto e longo prazo. No primeiro caso, há a questão da quantidade: se vamos fazer mais hidrelétricas não as faremos fotovoltaicas porque serão muito mais caras. Então, o preço para uma tecnologia limpa ainda é alto. Mas, com o tempo ele tende a cair. O preço da energia eólica, por exemplo, já caiu consideravelmente e hoje já é competitivo com a hidrelétrica. Então, o mais importante é a capacidade de alocação de recursos que seja mais estratégica em longo prazo. Neste ponto nos confrontamos com uma característica da governabilidade brasileira: o presidencialismo de coalizão. Ele torna o gasto público essencialmente baseado no curto – e no máximo – no médio prazo. O longo prazo não é considerado. Essa é, sem dúvida, uma das dificuldades que se tem.

Outra necessidade que se apresenta é o aumento de investimentos em ciência e tecnologia. Estamos melhores do que há alguns anos, mas ainda estamos longe do necessário. Para se ter uma ideia, o Brasil investe na área 1% do seu PIB. A Coreia do Sul, um dos países que hoje estão na vanguarda da transição, investe 4%. Este, então, é um indicador claro do que falta. A Coreia do Sul tem toda uma política de investimento em longo prazo que é muito estratégica. Daí concluímos que tem uma governabilidade muito mais eficiente. Assim, para mudar esta realidade brasileira, o primeiro passo seria fazer uma reforma política, porque ela tem a ver com tudo. Ela permitirá um custo de transição muito menor da atividade política e um aumento da eficiência a médio e longo prazos da política pública.

Recentemente o economista indiano Pavan Sukhdev, coordenador do estudo ‘A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade’ , afirmou durante um seminário em SP que seria de suma importância estabelecer preços de mercado para os produtos naturais, baseado na perspectiva de que as pessoas acham que como a natureza oferece tudo de graça, tudo parece infinito. Qual a sua opinião?

EV - Isto é muito necessário. Não apenas taxar. Porque alguns recursos naturais tem como problema a sua real finitude. Um exemplo é a água. Cada vez mais vamos cobrando por ela o preço que custa, dependendo do país. Mas, em alguns casos, o problema é a escassez. Em outros casos, o problema é o impacto negativo que certos elementos tem.

Por exemplo, qual é uma necessidade fundamental da civilização na atualidade? A estabilidade do clima. Então, queimar combustível fóssil gera esta desestabilização. Assim, neste caso, já não se trata de escassez porque carvão nós temos para queimar pelos próximos 800 anos, mas aí a Terra não resistiria este tempo. O ponto-chave será por um preço no carbono que vá sendo cada vez mais caro, que desestimule a produção de energia a partir do carbono. Ou seja, a ideia de se precificar o carbono está associada a limitar sua utilização. Todos os países terão que adotar um preço para o carbono. Este imposto terá que ser especificamente baseado no seu caráter poluente, do ponto de vista da mudança climática. Isto porque hoje muitos países tem o imposto ao carbono indireto, que é o imposto que muitos Estados põem sobre a gasolina, que é uma fonte de arrecadação de recursos. Ele existe no Brasil e em todo o mundo, menos nos EUA. Mas este não é um imposto ao carbono. Ele é simplesmente um baixo custo de transação de modo a se obter receita fiscal.

Como o senhor percebe a posição dos EUA em relação à crise climática global e qual a grande dificuldade existente no mundo para se enfrentar o problema de frente?

EV - O fato dos EUA não ter assinado o Protocolo de Kyoto criou as condições para o fracasso do mesmo. O Protocolo de Kyoto só tinha uma das três grandes potências participantes com um real compromisso assumido. Outro teria e não ratificou e o terceiro, que era a China, não tinha compromisso.

Hoje a dificuldade não está tanto em perceber a dimensão do problema. As elites perceberam a necessidade da sustentabilidade no horizonte geral e em longo prazo. Atualmente qualquer pessoa fala sobre isso e todos estão de acordo. O baixo carbono também avançou extraordinariamente como manifestação específica da sustentabilidade. A grande questão é que tudo isso tem perdedores e ganhadores além do custo da transição.

Na transição para o baixo carbono, no longo prazo, ganha toda a humanidade, mas no curto prazo tem alguns perdedores. Por exemplo, todas as cadeias produtivas intensivas com forte carga de carbono, quando se taxa este elemento, se tornam perdedores. Aí são perdedores os empresários, os trabalhadores de uma determinada região, os habitantes dos locais onde estas fábricas estão estabelecidas etc. Tudo isso cria uma resistência. O caso do lobby do carbono e do petróleo é um exemplo: ele é fortíssimo no mundo e foi fundamental no apoio ao governo Bush, inclusive. Veja a capacidade de financiamento que tem consenso entre os climatólogos: mais de 95% são favoráveis ao IPCC, sendo que 40% acham que o IPCC é muito moderado na gravidade da situação. Porém, menos de 5% dos climatólogos céticos são extraordinariamente financiados pelo lobby do carbono e do petróleo. Não apenas o lobby americano, mas também o europeu, russo, chinês, indiano... Aqui não temos o lobby do carbono, mas temos o do petróleo. A Petrobras tem um discurso mais amigável e acessível, mas, não se engane: é uma empresa de petróleo.

E o pré-sal? O Brasil vai na contramão de tudo?

EV - Pode ir, depende. Por exemplo, se houver um grande investimento de recursos no pré-sal, isso será um erro significativo. A tecnologia com que se faz também é importante. Se ocorre com tecnologia avançada, que envolve captura e seqüestro de carbono, como fazem os noruegueses, ótimo. Mas se é feito com tecnologia convencional, que é mais barata, aí vai na contramão.

Isso inclusive é arriscado porque pode-se estar investindo recursos gigantescos em uma área em que pouco tempo depois este capital será defletido, porque se o mundo constrange o carbono o valor isso tudo vira rapidamente sucata.

Nós ainda não temos um debate nacional consistente sobre os dilemas do pré-sal. Tem várias coisas envolvidas que precisam ser discutidas e não são. Isso não significa dizer não ao pré-sal, mas é fazer uma avaliação muito completa, em várias dimensões. Não tem a ver com emissões de carbono, tem a ver com o risco de acidentes em grande escala. Este tipo de processo envolve a possibilidade real de acidentes catastróficos. Nesse caso seria uma situação muito mais difícil do que o que se passou no Golfo do México. Falamos de algo muito mais profundo e que envolve situações novas, que ainda não foram bem dimensionadas.

(Envolverde/Carta Maior )

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