Cinco dias depois, os magistrados dessa corte determinaram que o casamento entre pessoas do mesmo sexo realizados no Distrito Federal sejam reconhecidos nas outras 31 entidades federativas do país. Além disso, no dia 16, o Tribunal declarou constitucional a reforma do artigo 391 do Código Civil do Distrito Federal, que permite aos casais homossexuais a adoção de crianças, por nove votos a favor e dois contra.
"Nossas famílias não são reconhecidas e os argumentos dos ministros falam no direito fundamental à não discriminação. Isso é uma vitória enorme para a democracia, que veremos refletida nas gerações futuras", disse à IPS a ativista Lol-Kin Castañeda. Ela e Judith Vázquez, sua companheira, formam um dos 320 casais homossexuais que foram ao Registro Civil da capital contrair matrimônio desde que a lei foi promulgada, no dia 29 de dezembro do ano passado.
A lei é parte de uma série de legislações progressistas promovidas pelo governo esquerdista do Distrito Federal, que inclui a despenalização do aborto e faz parte de movimentos similares em outros países da região. A Argentina foi a primeira nação latino-americana a aprovar uma ampla lei de casamento homossexual, no mês passado.
Contudo, o pacote legislativo da capital mexicana sofre uma forte contraofensiva de parte da influente Igreja Católica e do conservador Partido Ação Nacional (PAN), ao qual pertence o presidente Felipe Calderón. Em janeiro, o procurador-geral, Arturo Chávez, impugnou a lei junto ao Supremo Tribunal, argumentando que violava preceitos constitucionais que protegem a família e preservam o interesse superior dos menores. À impugnação aderiram os governadores dos Estados de Baixa Califórnia, fronteiriço com os Estados Unidos, e Jalisco, no Pacífico, ambos do PAN.
"É um problema ter um governo federal contrário à agenda dos direitos humanos, mas, felizmente, o Tribunal foi consequente nestes casos", afirmou à IPS o deputado da capital David Razu, promotor da iniciativa do casamento homossexual. Segundo o Centro Nacional para Prevenção e Controle do HIV/aids, os que se declaram homossexuais constituem 5% de uma população de mais de 107 milhões de pessoas. Organizações não governamentais estimam que a proporção real pode ser o dobro.
O magistrado Sergio Valls, encarregado de elaborar o projeto de sentença do Supremo Tribunal, disse que rejeitar a possibilidade de homossexuais se casarem e poderem adotar "seria constitucionalizar a discriminação, qualquer que seja seu tipo ou origem, evitando a existência de famílias homoparentais ou fazendo com que não existam".
Ao fixarem sua postura, nove dos 11 magistrados do Supremo Tribunal consideraram que o interesse superior de meninos e meninas está salvaguardado quando recebem amor, carinho, educação, recursos econômicos e atenção, e que os homossexuais são tão aptos para serem pais quanto os heterossexuais.
"Não há nem mesmo elementos que façam pensar, ao menos uma dúvida razoável", que se coloque em risco o interesse superior do menor, destacou Sergio. No entanto, estes avanços ainda não são plenamente aplicados. A Assembleia Legislativa do Distrito Federal documentou seis casos nos quais as instituições de assistência social do governo negaram-se a atender casais homossexuais.
"Já fizemos solicitações às instâncias, e a resposta, após quatro meses de espera, é que não podem prestar o serviço", informou Lol-Kin. Além disso, diferentes pesquisas divulgadas na imprensa indicam que mais da metade dos entrevistados concordam com casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas não que tenham o direito de adoção.
"Os direitos humanos não são matéria de popularidade, porque os argumentos apresentados não afetam o direito de ninguém mais", explicou o deputado David. "Não se pode consultar as maiorias sobre um direito fundamental, e neste caso são muitos os direitos fundamentais envolvidos: à não discriminação, à livre associação, de se casar, à livre expressão, e estes direitos não são matéria de plebiscito", completou.
Lol-Kin disse que a comunidade de gays e lésbicas tem confiança em que a decisão do Supremo Tribunal permitirá estender os direitos estabelecidos na capital a outros Estados. "O que defendemos é a homologação de direitos como os das pessoas heterossexuais. Não são direitos novos, nem uma figura de exceção. Trata-se de apenas sermos tratados como iguais", disse.
Entretanto, a oposição extrema da Igreja não faz prever um caminho fácil para esta homologação. Antes da sessão do Tribunal, no dia 16, o cardeal Juan Sandoval Íñiguez, segundo na hierarquia católica mexicana, afirmou que os magistrados receberam dinheiro para ratificar a lei de casamento homossexual do Distrito Federal. "Não duvido que estejam muito ‘maicenados' (corrompidos) por Marcelo Ebrard (prefeito da capital). Estão muito ‘maicenados' por organismos internacionais", disse o prelado aos jornalistas. "O caso das adoções é uma aberração... Você gostaria de ser adotado por um casal de veados ou de lésbicas?", perguntou. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)