"A violência vem se tornando uma forma de comunicação entre jovens"

Entrevista especial com Kathie Njaine

Recentemente, a professora Kathie Njaine divulgou o resultado da sua pesquisa intitulada Violência entre namorados adolescentes: um estudo em dez capitais brasileiras. No estudo, Kathie relatou dados como: nove em cada dez jovens entre 15 e 19 anos sofrem ou praticam diversas formas de violência. Além disso, os espaços virtuais foram ambientes mais utilizados para humilhar as vítimas. Segundo a pesquisa, as mulheres continuam sendo as principais vítimas, mas passaram também a agredir. “Muitas meninas revelaram que agridem para ‘pagar na mesma moeda’, reproduzindo assim muitas atitudes masculinas para revidar as agressões sofridas”, revelou Kathie durante a entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Ela falou sobre o aumento da violência entre jovens casais, a influência da Internet e o caráter virtual das agressões.

Kathie Njaine é jornalista, mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em Ciências da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz. É autora de Impactos da Violência na Saúde (Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009), Por que é Importante Ajudar os Filhos a "Dar a Volta" por cima? (Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ENSP/CLAVES/CNPq, 2006), entre outras obras.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a principal razão para o aumento da violência entre casais jovens, atualmente?

Kathie Njaine – Acredito que ainda faltam mais pesquisas com foco na questão de gênero para compreendermos melhor as causas dessas agressões, mas penso que a violência vem se tornando uma forma de comunicação entre muitos jovens, e isso se reflete nos relacionamentos afetivos. Em muitas situações, esses atos estão tão banalizados que acabam por ser incorporados naturalmente na convivência, sem reflexão alguma sobre o que isso pode significar para a vida afetiva-sexual.
 
IHU On-Line – O que mudou para que os jovens de hoje vivam com mais frequência a violência em seus relacionamentos?

Kathie Njaine – Atualmente, há uma supervalorização de alguns modelos de consumo, beleza, competitividade e poder, em detrimento de outros modelos, incrementada em grande parte pela mídia. E isso tem provocado uma crise de valores na sociedade. Precisamos pensar nisso, pois a juventude reflete de muitos modos esses valores.

IHU On-Line – Como essa violência obteve um caráter mais virtual?

Kathie Njaine – As tecnologias de comunicação são partes de nossas vidas, e para os adolescentes e jovens que já nasceram nessa era tecnológica é muito natural usá-las sob diversas formas. Com isso, conhecer e namorar no espaço virtual é comum, assim como terminar os relacionamentos via Internet também. Entretanto, temos tido cada vez mais informações sobre agressões e humilhações via Internet. Isso vem demandando um amplo debate entre os próprios jovens, professores, pais e a sociedade de modo geral, pois esses atos não são separados da vida social, o que muda é a via para a prática da violência, impactando da mesma forma na saúde de muitos adolescentes e jovens.

IHU On-Line – Quais as diferenças entre as violências praticadas pelos garotos em relação às violências praticadas pelas meninas?

Kathie Njaine – Não encontramos diferenças significativas em relação a isso. O fato das meninas revelarem que estão agredindo mais os meninos, pelos menos verbalmente, é justificado como uma resposta às agressões que sofrem. Porém, como várias pesquisas já constataram, quando se trata de agressões físicas mais graves, as meninas podem sofrer mais e até necessitar mais de ajuda médica.

IHU On-Line – O que mudou para que os homens se tornassem mais vítimas do que as mulheres?

Kathie Njaine – Acho que faltam de novo mais estudos sobre isso, mas, na pesquisa, muitas meninas revelaram que agridem para "pagar na mesma moeda", reproduzindo assim muitas atitudes masculinas para revidar as agressões sofridas.

IHU On-Line – Como o machismo se manifesta hoje? Isso é muito diferente de algumas décadas atrás?

Kathie Njaine – O machismo está entranhado na nossa cultura e é reproduzido a cada tempo sob novas roupagens. Mas acredito que esse aspecto tem sido objeto de reflexão cada vez maior na nossa sociedade. As leis, os movimentos feministas e todos os avanços alcançados nesse sentido têm transformado bastante a percepção sobre o comportamento machista e suas manifestações. Porém, ainda vivenciamos muitas situações, que variam de gravidade, onde a violência é justificada em defesa da honra e da moral dos homens.

IHU On-Line – Uma vez que os relacionamentos e as agressões virtuais se tornaram uma realidade, que novas respostas em termos de prevenção são necessárias?

Kathie Njaine – O caminho para a prevenção tem que ser um foco sempre em todas as formas de violência. Precisamos valorizar a convivência com diálogo e o respeito entre todos. Para isso, precisamos olhar para nós mesmos, para a cultura e para a sociedade, e, com a ajuda de estudos e outras ações, procurar transformar as relações violentas em relações saudáveis, de solidariedade. Ainda faltam estratégias de intervenção que contemplem diferentes aspectos das violências que envolvem adolescentes e jovens, como nos relacionamentos afetivo-sexuais. É com objetivo de promover a saúde dos adolescentes que consideramos esse tema relevante como objeto de investigação, pois não podemos ignorar as experiências amorosas vividas por esse grupo, sejam elas positivas ou negativas, como experiências importantes e que podem influenciar na vida adulta.

(Envolverde/IHU-OnLine)
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