"Políticos judeus estão usando o nome de Jerusalém em vão"

Cinquenta anos atrás, para marcar o aniversário de 3000 anos de Jerusalém (e a conferência anual da AIPAC), lobistas estadunidenses apresentaram um projeto de lei reconhecendo Jerusalém como a capital indivisível de Israel. Bill Clinton e mais tarde George W. Bush e Barack Obama usaram seu poder de influência para suspender a tramitação do projeto, alegando questões de segurança nacional. O atual governo dos EUA também entende as implicações políticas e de segurança em larga escala de uma mudança no status quo de Jerusalém. O artigo é de Akiva Eldar.

Mesmo em conversas ligeiras os políticos transformam Jerusalém na cidade que nunca pára (de construir), a linha “uma Jerusalém unificada, o coração de Israel para toda a eternidade” permanece o vencedor certo em qualquer convenção judaica. É aposta certa que toda vez em que Benjamin Netanyahu pronuncia a palavra mágica “Jerusalém” na conferência anual da AIPAC, nesta segunda à noite, os aplausos farão a sala tremer.

A questão da construção do assentamento Ramat Shlomo abriu as portas para o retorno de velhos clichês. No domingo, o primeiro ministro, na véspera de seu vôo para falar com o lobby pró-Israel, disse que “construir em Jerusalém é o mesmo que construir em Tel Aviv”. Na semana passada, o Presidente Shimon Peres disse que “só Israel” pode garantir a liberdade de credo nos sítios sagrados de Jerusalém.

Está claro que esses líderes não fazem a menor idéia do que está se passando na maior cidade de Israel. Quarenta e três anos depois de o governo de Levi Eshkol ter anexado Jerusalém Oriental às expensas dos seus residentes palestinos, “uma Jerusalém unitária” é pouco mais do que um slogan vazio. Por 17 anos, desde que os dias da administração de Peres-Ytzhak Rabin, lugares sagrados na Cidade Velha foram fechados para os credos muçulmano e cristão pelos territórios ocupados. Os únicos residentes de Jerusalém oriental têm permissão para entrar no Monte do Templo são mulheres e idosos.

A administração Netanyahu é pesadamente singular em todas as coisas relacionadas a Jerusalém. Todo governo israelense construiu nas colinas da parte oriental da cidade e escavou nos sítios históricos do Vale Sagrado. Todos discriminaram a população natural de Jerusalém. E todos operaram com a mesma falta de tato, repetidamente, no tratamento das sensibilidades das várias religiões. É verdade que construir em Jerusalém não é diferente de construir em Tel Aviv. - contanto que se construa para judeus. Por acaso o Estado israelense pôs um bairro árabe sequer na parte leste da cidade?

Em 21 de março de 1999, o primeiro governo Netanyahu anunciou que iria “fortalecer Jerusalém como uma cidade unitária, com igualdade nos serviços e infraestrutura entre as partes oeste e leste da cidade. Onze anos depois, o Jerusalém leste carece de mais de 1000 salas de aula. É mais barato aplicar as leis israelenses nas terras árabes do aplicar a Lei da Educação Compulsória às crianças árabes. É mais fácil fazer o Knesset aprovar a vigência do Direito Básico em Jerusalém do que dedicar fundos para o pagamento de calçadas nos povoados árabes que Israel converteu em “bairros de Jerusalém”. É muitíssimo mais simples pronunciar palavras sábias sobre uma cidade unitária, do que derrubar muros de discriminação e isolamento.

Mas nada disso preocupa os ativistas judeus-estadunidenses, a maioria liberais que se alegraram com a eleição de um presidente negro. Como muitos israelenses, a maioria nunca chegou perto do campo de refugiado de Shoafat, na “Jerusalém unitária”. Cinquenta anos atrás, para marcar o aniversário de 3000 anos de Jerusalém (e a conferência anual da AIPAC), os lobistas estadunidenses apresentaram um projeto de lei reconhecendo Jerusalém como a capital indivisível de Israel. Bill Clinton e mais tarde George W. Bush e Barack Obama usaram seu poder de influência para suspender a tramitação do projeto, alegando questões de segurança nacional.

O atual governo dos EUA também entende que as implicações de larga escala na política e na segurança, de uma mudança no status quo de Jerusalém. De acordo com Washington e com toda a comunidade internacional, a construção judaica falém da Linha Verde permanece sendo uma violação da lei internacional. Israel continua a ser o único país no mundo cuja capital ninguém mais no mundo reconhece.

Em janeiro de 1937, poucos meses depois da Comissão Peel (1) apresentar suas recomendações ao governo britânico, David Ben-Gurion disse que “Jerusalém e Belém devem postas fora das equações – elas devem ser zonas internacionais sob autoridade britânica, com uma administração local árabe-judaica”. Embora tenha mudado sua opinião depois, Ben-Gurion foi presciente. Por 19 anos a monarquia hashemita da Jordânia tratou os sítios sagrados israelenses com indiferença. Ao longo dos últimos 43 anos, porém, os políticos judeus estão usando o nome de Jerusalém em vão, apoiando o lado leste da cidade só da boca para fora.

O leste de Jerusalém é maior do que os dois povos que lá vivem. Esta cidade única requer um governo único – generoso, contido e justo.


(1) A Comissão Peel foi criada em 1936 pelo governo britânico para avaliar a viabilidade da partilha do território da Palestina entre judeus e árabes. O relatório produzido pela comissão foi publicado em 37 e recomendava a seguinte partilha: o Estado Judeu abarcaria a planície costeira, incluindo o Vale de Jezreel e a maior parte da Galiléia; o Estado Árabe ficaria com a maioria das áreas restantes e com a Transjordânia. Um corredor entre Jerusalém e o Porto de Jafa seria administrado e controlado pelos britânicos. Os árabes rejeitaram essa recomendação, com exceção do Rei Abdullah da Transjordânia.

Tradução: Katarina Peixoto

(Envolverde/Agência Carta Maior)

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