O Egito cerca fronteiras, ou afasta-se da questão palestina?

Às vésperas do primeiro aniversário da operação “Chumbo Derretido”, ataque de Israel contra Gaza, o Egito volta a alimentar a revolta na fronteira leste com a Faixa de Gaza sob duro boicote por Israel. Cairo tem negado acesso a comboios nacionais e internacionais, de organizações não-governamentais que querem chegar à Faixa de Gaza pela fronteira egípcia.

 

O ministério do Exterior divulgou duas decisões consecutivas, na 2ª e 3ª feiras, em que se rejeitam pedidos formulados por organizações humanitárias para entrar em Gaza. Segundo o ministério, os pedidos foram rejeitados porque as organizações não satisfizeram as exigências legais vigentes para a concessão do visto de entrada.

Fontes ligadas à segurança, que concordaram em falar a Al-Ahram Weekly sob condição de serem mantidas anônimas, atribuem a negativa ao fato de o governo egípcio não querer qualquer contato ou associação com algumas das referidas organizações nacionais e internacionais, que teriam ligações com a Fraternidade Muçulmana e com o Hamás. “Estamos dispostos a aceitar o pedido de entrada de organizações humanitárias, mas não nos interessa facilitar qualquer tentativa da Fraternidade Muçulmana ou do Hamás de usarem a situação em Gaza para tumultuar a situação nas fronteiras egípcias” – disse uma daquelas fontes.

Nem o Hamás nem a Fraternidade Muçulmana negam participação nas tentativas de fazer chegar socorro humanitário à população economicamente sufocada da Faixa de Gaza; mas negam absolutamente qualquer intenção de manipular a ajuda humanitária para finalidades políticas.

Funcionários egípcios têm informado que a situação já é tensa nas fronteiras. Fonte que também pediu que não fosse identificada disse que a segurança egípcia já tem provas de que ativistas do Hamás estão passando pelos túneis, nas duas direções; esses túneis são construções ilegais que ligam Gaza e territórios egípcios na península do Sinai. Segundo a mesma fonte, “são elementos que testam o terreno para uma possível invasão em massa de palestinos, para protestar contra a construção, pelo Egito, de um muro de segurança na fronteira com Gaza”.

O muro, dizem as autoridades egípcias, é parte de sistema de segurança mais amplo que inclui a instalação, em toda a região de fronteira, de sensores detectores de túneis fornecidos pelos EUA. As mesmas autoridades dizem que o plano dos EUA visa a dois grandes objetivos: primeiro, premiar a ação dos egípcios no combate ao contrabando de armas que, segundo os israelenses, estariam sendo recebidas pelo Hamás. Segundo, impedir qualquer contrabando de armas para o Egito e impedir que o Egito seja invadido por multidões de palestinos, como ocorreu em janeiro de 2008.

O ministro do Exterior, Ahmed Abul-Gheit, e Suleiman Awad, porta-voz do presidente, destacaram em declarações oficiais “o direito de tomar todas as medidas necessárias para proteger as fronteiras, considerando os altos interesses da segurança nacional do Egito”. “A soberania dos territórios egípcios é sagrada, e o Egito não aceitará nenhum risco que a ameace”, disse Awad.

Funcionários egípcios têm demonstrado indiferença aos protestos dos militantes humanitários, contra a construção da “muralha egípcia” – que tornará ainda mais desesperadora a situação dos habitantes de Gaza. “Gostemos ou não dos túneis ilegais entre Gaza e Egito, são a única via pela qual obter água, comida e remédios, mesmo que possam ser também usados para contrabandear armas”, disse um operador de um grupo internacional de ajuda humanitária.

Informação reunida pelo Weekly indica que “o muro de segurança” (para os egípcios) ou “a muralha egípcia” (para os palestinos) consiste de um enorme bloco de aço reforçado, e está sendo construída por partes. A ideia da construção em porções aparentemente desconexas visa a reduzir tensões e protestos – que já começaram, entre os palestinos de Gaza. Na 2ª-feira, milhares de palestinos reuniram para protestar contra a construção da muralha que, dizem, tornará ainda mais desesperadoras as condições de sobrevivência em Gaza, que já vive sob o duro bloqueio imposto pelos israelenses.

Ano passado, já houve manifestações contra o Egito, depois de o país ter mantido as fronteiras fechadas durante os 22 dias da “Operação Chumbo Derretido” contra Gaza.

Hoje, fontes do Hamas disseram que as medidas tomadas pelo Egito são inadmissíveis, sobretudo ao final de um ano duríssimo, tornado ainda mais difícil pelas medidas que o Egito tem adotado na operação da passagem de Rafah. Além disso, as mesmas fontes do Hamás sugerem que, ao tomar as mais recentes medidas que tomou, o Egito dá sinais de tentar desconectar-se do compromisso com a questão palestina e, em geral, com a causa de todos os árabes.

“Nada disso”, respondeu um diplomata egípcio, que também pediu para não ser identificado. Para ele, as medidas de segurança que o Egito está tomando na fronteira com Gaza não visam a criar qualquer atrito com o Hamás, mas, apenas, a evitar que Israel envolva também o Egito no processo de transferir responsabilidades pela Faixa de Gaza. “Israel quer livrar-se de Gaza, jogando-a sobre o Egito. O que estamos dizendo é que a potência ocupante é Israel. Como tal, toda a responsabilidade por Gaza cabe a Israel, não ao Egito.”

Segundo a mesma fonte, a visita de Omar Suleiman, chefe geral da Segurança egípcia a Israel, no domingo, deveu-se exclusivamente a essa questão. Suleiman, disse esse funcionário, tenta também que Israel comprometa-se a levantar, pelo menos parcialmente, o cerco de Gaza, caso chegue a bom termo a negociação de troca de prisioneiros. “Mas essa coisa toma um rumo num dia e, dia seguinte, tudo muda completamente.”

Simultaneamente, muitos oficiais egípcios dão sinais de preocupação e insistem em que o Egito não cogita de abandonar a causa dos palestinos. Estão em andamento consultas entre Cairo e várias capitais árabes e ocidentais, para que se criem condições que levem ao reinício das negociações entre palestinos e israelenses. “A menos que se reiniciem as negociações, não vemos possibilidade de que Israel sequer cogite de melhorar a situação de Gaza” – disse um diplomata.

Fontes egípcias em Washington dizem que há planos para uma visita do ministro do Exterior Abul-Gheit à cidade em meados de janeiro. A visita, dizem, serviria para examinar saídas possíveis para o atual impasse político causado pelo fracasso dos EUA, que não conseguiram impedir que prossiga a construção de colônias israelenses ilegais exclusivas para judeus, nos territórios palestinos ocupados.

Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, continua a insistir, dizem os diplomatas egípcios, na exigência de que, para reiniciar negociações com Israel,  as construções ilegais sejam completamente congeladas.

“Há algumas alternativas, que estão sendo examinadas. Um cenário possível é Israel transferir a Abbas a autoridade para governar outros territórios palestinos, em troca de um arranjo mais rigoroso nas questões de segurança” – disse fonte que Weekly entrevistou em Washington. A mesma fonte informou que essa possibilidade está sendo analisada pela Autoridade Palestina e por várias capitais árabes que esperam que, assim, se supere o impasse criado quando Israel não suspendeu as construções ilegais.

Os desenvolvimentos – ou, mais apropriadamente, a ausência de qualquer desenvolvimento – no front palestino são o item principal da agenda do presidente Hosni Mubarak que, essa semana, visitará os Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e o Kuwait.

O artigo original, em inglês, pode ser lido em::

http://weekly.ahram.org.eg/2009/978/fr1.htm

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