Roma, 22 de junho (Terramérica).- Se os governantes do mundo não chegarem a um acordo imediato para administrar as fontes hídricas, metade da população da Terra não disporá de água suficiente para viver até 2030, disse ao Terramérica o cientista Jonathan Baillie. Já há 2,8 bilhões de pessoas que sofrem escassez de água, acrescentou o diretor de Conservação Ambiental da Sociedade Zoológica de Londres, que participou do fórum da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe), realizado nos dias 12 e 13 deste mês, em Roma.
O fórum, que reuniu legisladores, estudiosos e ambientalistas, foi um encontro preparatório para a cúpula do Grupo dos Oito países mais poderosos (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) que acontecerá na cidade italiana de L’Aquila, em julho. Seu tema central foi a mudança climática.
TERRAMÉRICA: Nos debates sobre
mudança climática e degradação ambiental não se menciona a água. Qual a sua
avaliação do estado da água doce no mundo?
JONATHAN BAILLIE:
Dos ecossistemas mundiais, 60% estão degradados ou são usados de modo
insustentável. O uso de dois serviços ambientais em particular, as reservas
pesqueiras e a água doce, superam longamente os limites, inclusive com o consumo
atual. Há evidências de que 25% do uso da água doce mundial excede a capacidade
de fornecimento no longo prazo, e agora se satisfaz por transposição ou
bombeamento excessivo de águas subterrâneas, como as camadas freáticas. Entre
15% e 35% da extração de água para irrigação supera a capacidade dos
fornecimentos, e, portanto, é insustentável.
TERRAMÉRICA:
Quais são as causas deste uso da água doce?
JB:
A superpopulação e o consumo excessivo. De 1960 até agora, a população mundial
cresceu mais do que o dobro e a economia mundial cresceu seis vezes. Sem uma
política de desenvolvimento coerente, até 2050 haverá mais três milhões de
pessoas no planeta, que criarão pressões sem precedentes sobre o mundo
natural.
TERRAMÉRICA: Qual a relação entre o excesso de
consumo e a capacidade da natureza para se regenerar?
JB:
O Informe Planeta Vivo, do Fundo Mundial para a Natureza, calcula que
no final da década de 80 começamos a usar recursos em um ritmo que superou a
capacidade de regeneração natural. Estima-se que, até 2030, estaremos usando
recursos que somente poderiam se regenerar se tivéssemos dois
planetas.
TERRAMÉRICA: O crescimento agrícola é outro
fator do elevado consumo hídrico?
JB: Sim. A expansão
agrícola necessária para abastecer uma população crescente é a principal causa
individual de degradação e perda de ecossistemas. Um exemplo é o ocorrido entre
1975 e 2003 em Santa Cruz, nas férteis terras baixas do oriente da Bolívia,
muito adequadas para a agricultura. Em fotografias feitas de satélites, em 1975,
a paisagem florestal era uma extensão verde, densa e contínua, que chegava até o
Rio Grande ou Guapay. Em 1986, já havia estradas ligando a área com centros
povoados, facilitando o deslocamento de muita população. Um grande esforço de
desenvolvimento agrícola (o Projeto Terras Baixas) levou a um grande
desmatamento, florestas foram cortadas para obtenção de terras cultiváveis e de
pastagem. Em 2003, as fotos via satélite mostravam que quase toda a região
estava transformada em plantações e pastos.
TERRAMÉRICA:
As áreas costeiras marinhas também correm o risco de esgotamento, devido, por
exemplo, à aquicultura.
JB: De fato, as zonas costeiras
são devastadas pelos tanques e criadouros, pela extração de madeira e por
represas. Há evidências de que, desde a década de 80, perdeu-se 35% dos mangues.
Os ecossistemas costeiros também sofrem com o desvio dos cursos dos rios, menor
contribuição de sedimentos aluviais, alta carga de nitrogênio e invasões de
espécies. As represas reduzem entre 25% e 30% o fluxo de sedimentos para as
zonas costeiras, causando erosão, redução dos deltas e danos à
pesca.
TERRAMÉRICA: Mas a agricultura e a aquicultura
são vitais para centenas de milhares de pessoas em todo o
mundo.
JB: Esse é o paradoxo do desenvolvimento.
Seguindo este caminho, a população mundial está consumindo recursos básicos com
a água. No ritmo atual, até 2030 metade da população mundial poderá viver com
graves problemas hídricos. Não podemos nos dar a este luxo. Os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas não podem ser cumpridos se não
garantirmos um adequado fornecimento de água, o que somente pode ser alcançado
com o manejo dos recursos e dos hábitat de água
doce.
TERRAMÉRICA: Quantas pessoas já são afetadas pela
falta de água?
JB: Já é aguda no Oriente Médio e no
norte da África. Aproximadamente 2,8 bilhões de pessoas vivem com escassez de
água. Se não forem adotadas políticas adequadas, até 2030 haverá mais 1,1 bilhão
com o mesmo problema. Isto é, quase metade da população mundial da época poderá
enfrentar uma angustiante falta de água, incluindo até 80% dos habitantes do
Brasil, China, Índia e Rússia.
* O autor é correspondente da
IPS.
Crédito da imagem: Photo
Stock
Legenda: Colheita de cana-de-açúcar para produzir
etanol em Montero, departamento boliviano de Santa
Cruz.