As rádios comunitárias e os meios alternativos são a fórmula para derrotar o cerco dos meios de comunicação corporativos, disse o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Em entrevista cedida a Alejandro Kirk, do Terra Viva, anuncia também uma mudança de pensamento: a crise impõe ao Fórum a definição por uma posição política.
IPS-TerraViva -
Você continua mantendo as suas idéias sobre a natureza do Fórum Social Mundial,
em relação ao contexto da crise global do capitalismo que
vivemos?
Boaventura de Sousa Santos - É uma pergunta
muito importante neste momento, quando estamos a caminho do FSM em Belém. Porque
penso que as mudanças dos últimos meses tenham criado uma situação nova, diria
quase crucial para ao Fórum Social Mundial. Esta condição surge do seguinte:
como você sabe, no FSM há um debate, desde seu início, sobre se ele deve ser um
espaço aberto a todas as tendências progressistas, que lutam contra a
globalização neoliberal, um espaço de encontro e nada mais, ou se o contrário,
quando deveria possuir um papel mais forte de intervenção, de apresentação de
propostas e de organização de ações políticas globais, de intervenção para a
mudança.
De alguma maneira esta realidade já obriga algumas mudanças de
pensamento. Defendi, durante muito tempo, a idéia do espaço aberto, por que me
parece importante manter um espaço onde as pessoas se encontrem sem programas
pré-definidos, mas de dois anos para cá, passei a assumir uma posição diferente.
Minha idéia é que o FSM deve seguir como um espaço aberto, mas devemos
identificar temas onde exista consenso, para que o Fórum apresente posições
políticas e, portanto, um programa.
IPS-TerraViva - Você
pensa em quais temas?
BSS - Sustento que quatro ou cinco
questões internacionais deveriam ter um papel mais forte, porque de outra forma,
meu receio é que o FSM seja cada vez mais irrelevante para as lutas sociais que
se aproximam.
O FSM deveria possuir uma proposta de reformulação das
Nações Unidas. É um processo que vem sendo discutido há muito tempo, inclusive
no Fórum, mas não existe uma posição comum para apresentar.
Em segundo
lugar, a crise financeira, que nos últimos meses tem criado uma situação nova,
porque no FSM havíamos sempre criticado a globalização neoliberal e toda a
predominância do capital financeiro, que tem levado à ruína tantos países. E
havíamos dito uma coisa que é muito importante: que a crise financeira, que
explodiu agora nos Estados Unidos e Europa, é uma crise que os países chamados
do Terceiro Mundo já sofrem há 30 anos, e todos estes países haviam proposto
para seus problemas, soluções semelhantes às que Estados Unidos e Europa estão
tomando: nacionalizando bancos, tudo isso.
Na crise do sul global,
ninguém pensou no que poderia ser mudado. A ortodoxia neoliberal dominava
totalmente. Agora que a crise está nos Estados Unidos e na Europa, no coração do
sistema capitalista mundial, estão adotando as medidas que estes mesmos países
centrais rejeitaram terminantemente, por meio do Branco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional, aos países do sul e aí surgiram as crises da Ásia,
Argentina, Brasil e Rússia. Então, minha proposta é que o FSM assuma uma visível
posição internacional sobre como solucionar a crise.
O FSM deveria
exigir a abolição do FMI, do Banco Mundial, ou reformas radicais. Essas posições
têm sido discutidas, mas ainda não há um consenso. Por que não transformamos
isso em uma posição política?
IPS-TerraViva - E temos
que lembrar da Palestina.
BSS - Sim, em terceiro lugar,
a crise da Palestina. Esta agressão, que é gerada pela ocupação israelense, mais
brutal que antes, e que neste momento se desenvolve com crimes de guerra e
contra a humanidade, que se perpetuam porque existe a certeza da impunidade
total. Penso que o FSM deveria ter uma posição muito clara, internacionalmente
visível, sobre a solução do caso da Palestina. Temos lutado pela paz, o Fórum
não diretamente, mas a Assembléia dos Movimentos Socais convocou um protesto
mundial contra a invasão do Iraque e penso que desta vez não devemos nos limitar
às mobilizações de protesto. A questão da Palestina envenenará todas as relações
internacionais.
IPS-TerraViva - Você acredita que este
ataque foi lançado para determinar algo antes que Barack Obama assumisse a
presidência dos Estados Unidos?
BSS - Sim, esta agressão
foi uma provocação premeditada do Estado de Israel, que os veículos de
comunicação internacionais nunca mencionam. A primeira violação do cessar-fogo
(entre o governo de Gaza e Israel) foi no início de novembro, por um bombardeio
israelense. Em resposta, o Hamas (organização governante em Gaza) solicitou uma
renegociação de trégua, que Israel rejeitou. Então tudo começou.
Israel
persegue três objetivos diretos: um, a política interna, em que a coalizão de
centro-direita que governa o país está em risco e quer recuperar sua liderança
eleitoral; dois, o exército, que quer esquecer a má imagem que a derrota para a
organização Hezbollah, quando invadiu o Líbano em 2006; e três, criar um fato
consumado antes que Obama seja proclamado.
São estes três fatores os que
temos conduzido a esta guerra de agressão que não tem nada haver com Gaza.
Existe um extermínio. Há meses, o vice-ministro da Defesa de Israel (Matan
Vilnai) ameaçou a população de Gaza com a palavra Sho'há, que em hebraico
significa holocausto. Isto foi anunciado faz alguns meses. É horrível, porque
não se dão conta de que o povo foi vítima de uma Sho'há na Europa, e a história
demonstra que as "soluções finais" voltam sempre contra aqueles que a tentaram.
IPS-TerraViva - Existe saída para
isso?
BSS - Muitas coisas graves estão acontecendo.
Pessoas que sempre defenderam a existência do Estado de Israel se perguntam hoje
sobre essas condições; repito, nestas condições, o Estado de Israel mantém o
direito de existir. É notável que quando se lêem os textos dos fundadores de
Israel, como Bem Gurion Golda Meir, temos muito claro que eles entendiam que seu
Estado seria uma ocupação que encontraria sempre a resistência de outros povos,
por isso nunca haveria paz.
BSS - A solução para os
dois Estados foi uma hipocrisia já eliminada pelas ações, por tanto a colônia
judia na Cisjordânia se tornou impossível. Seria grave se o FSM, reunido no
contexto da crise mundial não tomasse uma posição do Conselho Internacional ou a
Assembléia do FSM. Meu receio é que as pessoas saiam com a impressão de que o
Fórum não sirva para nada. Para isso temos proposto votações.
IPS-TerraViva - Em qual contexto organizacional se
dariam as votações?
BSS - Como fazem os jornais
internacionais, por meios eletrônicos. O Sunday Times (semanário britânico)
perguntou pela primeira vez aos seus leitores se estariam a favor de um embargo
a Israel, como foi realizado em tempos de apartheid no Sudáfrica.
IPS-TerraViva - Mas no ambiente do Fórum, as votações
seriam complicadas.
BSS - Poderiam ser realizadas todas
as noites, num processo de votação eletrônica. É muito fácil de fazer. Fui
informado de que não representamos o mundo, e claro que não o representamos, mas
somos em 100 mil pessoas. O Conselho Internacional nunca mencionou em aceitar
isso, nem se quer o considerou, mas está publicado desde
2003.
IPS-TerraViva - O Fórum tem perdido espaços nos
meios de comunicação tradicionais. Isso foi devido a censura, falta de
profissionalismo do grupo de comunicação, ou sensivelmente o Fórum vem perdendo
força?
BSS - Esta é uma pergunta importante, pelo poder
da mídia no contexto internacional. Os meios "mainstream" são um importante
instrumento do capitalismo mundial, da oposição ás políticas progressistas.
Neste momento em toda a América Latina, os meios de comunicação se opõem ao
processo de mudança. A ausência dos meios no Fórum não tem que ver com
debilidades. Num momento era uma novidades para os meios corporativos, por que
nascemos como uma alternativa ao Fórum Econômico de Davos, um espelho contrário,
e isso criou uma curiosidade que os levaram aos primeiros fóruns. No momento em
que se deram conta de que o Fórum tem uma vocação categórica, deixaram de se
interessar.
Para nosso caminho, o mais importante são os meios
alternativos, os veículos livres. Desta vez se realizará em Belém um fórum
mundial de meios livres. Trabalho muito na Bolívia e Equador, e posso afirmar
que as rádios comunitárias, por exemplo, a imprensa alternativa, são os meios
possíveis de levar conhecimento progressista à população. Deveríamos investir ao
extremo. A estratégia comunicadional do Fórum nem sempre tem sido forte, mas
agora penso que o FSM está consciente de que se não damos todo o mérito aos
meios alternativos, aos veículos livre, que lutam para levar ás pessoas outra
informação, não iremos longe.
(Envolverde/IPS/TerraViva)