Rádio Terra - No contexto da atual crise global, qual é a tarefa mais relevante do FSM?
Walden Bello - Nós estamos em um
momento muito crítico da história, no qual o capitalismo neoliberal desandou e
eu penso que o FSM é um local onde discussões muito sérias vão acontecer, nos
termos tanto da antecipação de uma provável resposta ao capitalismo global
quanto da procura por alternativas para a crise atual. Nós precisamos,
realmente, colocar a tarefa do FSM no contexto da crise global generalizada.
Rádio Terra - Então Belém será um estágio crucial para
o futuro do FSM?
Walden Bello - Sim, definitivamente.
Ele será um estágio extremamente crítico para a sociedade civil global neste
ponto. Para responder a essa crise, precisamos ir além das soluções
estabilizadoras que se está começando a ver na Europa e nos Estado Unidos. As
elites capitalistas estão indo além do neoliberalismo em muitos momentos, por
isso eu penso no que é realmente importante em Belém para se chegar a um
consenso sobre a crise do capitalismo e nós devemos ter discussões muito sérias
sobre como ir além das soluções (desse tipo). Eu penso que precisamos fornecer
alternativas que estejam fora do sistema, como uma expansão da
social-democracia, por exemplo.
Rádio Terra - Como o
FSM pode conseguir tal resposta e como seria possível implementá-la?
Walden Bello - O que você precisa buscar seriamente, em
Belém, é identificar não apenas a crise do neoliberalismo, mas a crise do
capitalismo. Nós estamos falando das raízes da crise e de como elas são
dinâmicas com o modo de produção capitalista. As alternativas para isso são algo
que precisamos seriamente trazer à tona. Nós realmente precisamos dividir nossas
respostas nos termos dos valores universais, como a questão da justiça, a
questão da igualdade, criando uma alternativa que realmente se preocupe com o
bem-estar das pessoas. Eu penso que a discussão em Belém vai ser crítica com
relação à divisão das alternativas. Quanto à implementação, é preciso realmente
inovar. Nós precisamos encontrar uma conexão estável do nosso movimento, que
atravesse diferentes países, interagindo com respeito às alternativas que estão
sendo colocadas. Não será fácil, mas esse tipo de troca de experiências, criação
de redes, o compartilhamento de idéias, eu acho que é algo no qual o Fórum terá
um papel muito importante.
Rádio Terra - Nos seus
escritos, você parece evitar termos clássicos como socialismo, revolução e gosta
de descrever o tipo de sociedade que o Fórum deveria estar
procurando.
Walden Bello - Não evito tanto a articulação
de uma alternativa. Nos estamos procurando democratizar as propriedades dos
meios de produção. Não importa se você chama isso de socialismo ou democracia da
população, ou socialismo democrático, o que realmente importa é que estamos
falando sobre o controle democrático da economia. Nós precisamos olhar para uma
possível articulação de economias variadas, com diferentes sistemas de
propriedade na economia, o que provavelmente vai incluir empresas do terceiro
setor, cooperativas, empresas privadas e do Estado. Essa é uma dimensão. A outra
dimensão diz respeito a uma reestruturação da economia interna, que priorize a
economia doméstica ao invés dos mercados de exportação, um desenvolvimento
econômico nacional. Estaríamos falando sobre a importância crucial da igualdade,
mecanismos muito fortes de renda e redistribuição. Além de uma alternativa
ecológica e sustentável. Não quero usar o termo socialismo porque ele possui
certa conotação sobre o que o socialismo representa, e traz a imagem da Europa
Oriental.
Rádio Terra - Existe algo semelhante a isso
acontecendo em algum lugar do mundo nesse momento?
Walden
Bello - Acho que o que estamos vendo são esforços nessa direção em
muitos países, certamente na Bolívia, Equador e Venezuela. Quer dizer, cada
processo possui suas próprias particularidades, suas próprias dinâmicas. Eu
diria que, conforme a crise se aprofunda, e eu penso que nós estamos no estágio
inicial dessa crise, as forças da população irão além dos mecanismos já
tradicionais de estabilização hoje em vigor. Por isso, eu imagino que veremos
mais e mais desses esforços pelo controle democrático e participação conforme a
crise piora.
Rádio Terra - Nesse processo, os países em
desenvolvimento tomam a liderança e o Norte fica atrás?
Walden
Bello - Eu não diria isso. Penso que as pessoas ainda estão chocadas
com a crise, especialmente Estados Unidos, Europa e Japão. A crise está
evoluindo muito rápido. Eu não desprezaria uma eclosão de movimentos populares
nessas áreas do mundo.
Rádio Terra - Existe também um
risco de reações da direita radical como as ocorridas na França e na
Itália?
Walden Bello - Isso é definitivamente uma
possibilidade. O que veremos são três possibilidades: uma é uma radicalização
para a esquerda, outra, uma radicalização para a direita - um grande risco no
Norte, em locais como Itália e França -, e a terceira é a paralisia. Por isso,
não há nenhuma garantia que alternativas progressistas crescerão. Progressistas,
com seus conhecimentos sobre a sociedade e sua estratégia, deverão lutar pela
hegemonia.
Rádio Terra - A parte oriental da Alemanha
parece ser uma excessão a regra.
Walden Bello - Eu acho
que Die Linke, na Alemanha, é um excelente exemplo de tentativas inovadoras para
contornar a situação, que vai das descobertas para as soluções através das
respostas social-democráticas para a situação corrente. Criando uma situação que
se move na direção do poder das pessoas, com participação democrática tanto na
economia quanto no Estado.
Rádio Terra - Você escreveu
recentemente que o balanço global do poder está mudando para o Sul.
Walden Bello - O que eu quis dizer é que vimos na
última década o enfraquecimento do centro tradicional da economia. Vimos que os
Estados Unidos entraram no consumismo, o estágio final do capitalismo,
financiado pela China. Os créditos chineses mantiveram a economia americana
funcionando. Nos últimos 10 a 15 anos, países como o Brasil, China e Índia se
tornaram relativamente fortes atores da economia com a troca de empregos e
capital; e eles acabaram virando credores do Norte. Isso é o que eu quero dizer
em termos de balanço de poder. Não estou dizendo que eles se tornaram o novo
centro ou hegemônico. O poder hegemônico continua a ser o Norte, especialmente
os Estados Unidos.
Rádio Terra - Isso é possível para
o tipo de luta que você clama?
Walden Bello - Aí
depende. Apesar de tudo, os países menos hegemônicos do Norte ficaram fortes e
quanto mais poder é destinado ao sistema global, eu acredito que é um
desenvolvimento positivo. Por outro lado, você precisa perceber que esses países
(do Sul), essas economias são controladas, em todos os casos, por uma elite
capitalista e, em muitos casos, como o da China, você tem isso em menor conta do
que, digamos, a elite nos Estados Unidos. Portanto, de um lado temos uma coisa
positiva, que é uma difusão do poder, do outro também estamos falando sobre
esses novos atores da economia, que estão fazendo uma grande diferença, e estão
sob a dominação de uma elite desenvolvimentista. Acho que o desafio no Norte é
realmente que os movimentos progressistas imponham suas agendas, as quais
incluem mais participação e mais controle democrático dos meios de produção e
das tomadas de decisões econômicas. A agenda para todos os movimentos, seja no
Norte ou no Sul, é a mesma.
Rádio Terra - Nesse
contexto, como você vê a agressão de Israel na Palestina?
Walden
Bello - Eu venho sustentando o tempo todo que há certos tópicos que são
fundamentais e que o FSM precisa tomar uma posição forte e definitiva sobre
eles, e a situação na Palestina é um deles. O FSM precisa tomar uma posição dura
e condenar Israel e apoiar os direitos dos palestinos de terem seu próprio
Estado, além de apoiar o direito de retorno dos palestinos ao que hoje é Israel.
Eu realmente sinto que o FSM não pode mais dizer que só quer fornecer um teto
para as discussões acontecerem. Eu sempre digo que esse tipo de postura
acadêmica vai eventualmente dissipar o espírito do FSM, e eu acho que já
aconteceu em alguma medida. Para realmente preservar seu espírito e continuar a
proporcionar uma forte energia de suporte aos movimentos civis, a questão da
Palestina, Afeganistão, a questão do capitalismo, são assuntos sobre os quais o
FSM precisa se posicionar.
Rádio Terra - Tal direção
demanda uma estrutura permanente.
Walden Bello - Sim, eu
penso que devemos encontrar maneiras de realmente fazer do Conselho
Internacional (CI) um corpo com mais responsabilidades. O problema hoje com o CI
é que acaba sendo um grupo de discussão mais que um organismo com poderes
efetivos para levar as lutas a diante.
Rádio Terra - O
CI deveria ser eleito?
Walden Bello - Não podemos ficar
atados a formas, mas nós realmente precisamos de um Conselho Internacional que
seja representativo, por assim dizer. Existem vários tipos de mecanismos
formais. Eu sinto também que devemos provavelmente ter um tipo mais efetivo de
Secretariado, que estaria lá não apenas para organizar o próximo Fórum, mas para
assegurar a implementação das resoluções e o acúmulo de lições. Um dos problemas
do FSM vem sendo o fato de que não há um senso de acumulação das lições de um
FSM para o outro. Por isso, representatividade, acumulação de lições e uma
tomada de decisões que seja democrática são os desafios do FSM. Tendo dito isso,
apesar de todas as desigualdades e fraquezas, o FSM ainda é um mecanismo muito
importante para a sociedade civil global, para que ela seja capaz de influenciar
no curso global dos eventos.
Veja a cobertura especial do Fórum Social
2009 - http://envolverde.ig.com.br/?edt=35
(Envolverde/IPS/TerraViva)