"É tempo de mirar além do capitalismo"

O Fórum Social Mundial tem uma tarefa urgente e crucial: procurar uma resposta na social democracia para a crise global do capitalismo agora em curso e incentivar um controle democrático do Estado e da economia, ao redor do mundo, afirma o acadêmico filipino, escritor e ativista Walden Bello ao Terra Viva, em uma entrevista.

Rádio Terra - No contexto da atual crise global, qual é a tarefa mais relevante do FSM?

Walden Bello - Nós estamos em um momento muito crítico da história, no qual o capitalismo neoliberal desandou e eu penso que o FSM é um local onde discussões muito sérias vão acontecer, nos termos tanto da antecipação de uma provável resposta ao capitalismo global quanto da procura por alternativas para a crise atual. Nós precisamos, realmente, colocar a tarefa do FSM no contexto da crise global generalizada.

Rádio Terra - Então Belém será um estágio crucial para o futuro do FSM?

Walden Bello - Sim, definitivamente. Ele será um estágio extremamente crítico para a sociedade civil global neste ponto. Para responder a essa crise, precisamos ir além das soluções estabilizadoras que se está começando a ver na Europa e nos Estado Unidos. As elites capitalistas estão indo além do neoliberalismo em muitos momentos, por isso eu penso no que é realmente importante em Belém para se chegar a um consenso sobre a crise do capitalismo e nós devemos ter discussões muito sérias sobre como ir além das soluções (desse tipo). Eu penso que precisamos fornecer alternativas que estejam fora do sistema, como uma expansão da social-democracia, por exemplo.

Rádio Terra - Como o FSM pode conseguir tal resposta e como seria possível implementá-la?

Walden Bello - O que você precisa buscar seriamente, em Belém, é identificar não apenas a crise do neoliberalismo, mas a crise do capitalismo. Nós estamos falando das raízes da crise e de como elas são dinâmicas com o modo de produção capitalista. As alternativas para isso são algo que precisamos seriamente trazer à tona. Nós realmente precisamos dividir nossas respostas nos termos dos valores universais, como a questão da justiça, a questão da igualdade, criando uma alternativa que realmente se preocupe com o bem-estar das pessoas. Eu penso que a discussão em Belém vai ser crítica com relação à divisão das alternativas. Quanto à implementação, é preciso realmente inovar. Nós precisamos encontrar uma conexão estável do nosso movimento, que atravesse diferentes países, interagindo com respeito às alternativas que estão sendo colocadas. Não será fácil, mas esse tipo de troca de experiências, criação de redes, o compartilhamento de idéias, eu acho que é algo no qual o Fórum terá um papel muito importante.

Rádio Terra - Nos seus escritos, você parece evitar termos clássicos como socialismo, revolução e gosta de descrever o tipo de sociedade que o Fórum deveria estar procurando.

Walden Bello
- Não evito tanto a articulação de uma alternativa. Nos estamos procurando democratizar as propriedades dos meios de produção. Não importa se você chama isso de socialismo ou democracia da população, ou socialismo democrático, o que realmente importa é que estamos falando sobre o controle democrático da economia. Nós precisamos olhar para uma possível articulação de economias variadas, com diferentes sistemas de propriedade na economia, o que provavelmente vai incluir empresas do terceiro setor, cooperativas, empresas privadas e do Estado. Essa é uma dimensão. A outra dimensão diz respeito a uma reestruturação da economia interna, que priorize a economia doméstica ao invés dos mercados de exportação, um desenvolvimento econômico nacional. Estaríamos falando sobre a importância crucial da igualdade, mecanismos muito fortes de renda e redistribuição. Além de uma alternativa ecológica e sustentável. Não quero usar o termo socialismo porque ele possui certa conotação sobre o que o socialismo representa, e traz a imagem da Europa Oriental.

Rádio Terra - Existe algo semelhante a isso acontecendo em algum lugar do mundo nesse momento?

Walden Bello - Acho que o que estamos vendo são esforços nessa direção em muitos países, certamente na Bolívia, Equador e Venezuela. Quer dizer, cada processo possui suas próprias particularidades, suas próprias dinâmicas. Eu diria que, conforme a crise se aprofunda, e eu penso que nós estamos no estágio inicial dessa crise, as forças da população irão além dos mecanismos já tradicionais de estabilização hoje em vigor. Por isso, eu imagino que veremos mais e mais desses esforços pelo controle democrático e participação conforme a crise piora.

Rádio Terra - Nesse processo, os países em desenvolvimento tomam a liderança e o Norte fica atrás?

Walden Bello - Eu não diria isso. Penso que as pessoas ainda estão chocadas com a crise, especialmente Estados Unidos, Europa e Japão. A crise está evoluindo muito rápido. Eu não desprezaria uma eclosão de movimentos populares nessas áreas do mundo.

Rádio Terra - Existe também um risco de reações da direita radical como as ocorridas na França e na Itália?

Walden Bello - Isso é definitivamente uma possibilidade. O que veremos são três possibilidades: uma é uma radicalização para a esquerda, outra, uma radicalização para a direita - um grande risco no Norte, em locais como Itália e França -, e a terceira é a paralisia. Por isso, não há nenhuma garantia que alternativas progressistas crescerão. Progressistas, com seus conhecimentos sobre a sociedade e sua estratégia, deverão lutar pela hegemonia.

Rádio Terra - A parte oriental da Alemanha parece ser uma excessão a regra.

Walden Bello - Eu acho que Die Linke, na Alemanha, é um excelente exemplo de tentativas inovadoras para contornar a situação, que vai das descobertas para as soluções através das respostas social-democráticas para a situação corrente. Criando uma situação que se move na direção do poder das pessoas, com participação democrática tanto na economia quanto no Estado.

Rádio Terra - Você escreveu recentemente que o balanço global do poder está mudando para o Sul.

Walden Bello
- O que eu quis dizer é que vimos na última década o enfraquecimento do centro tradicional da economia. Vimos que os Estados Unidos entraram no consumismo, o estágio final do capitalismo, financiado pela China. Os créditos chineses mantiveram a economia americana funcionando. Nos últimos 10 a 15 anos, países como o Brasil, China e Índia se tornaram relativamente fortes atores da economia com a troca de empregos e capital; e eles acabaram virando credores do Norte. Isso é o que eu quero dizer em termos de balanço de poder. Não estou dizendo que eles se tornaram o novo centro ou hegemônico. O poder hegemônico continua a ser o Norte, especialmente os Estados Unidos.

Rádio Terra - Isso é possível para o tipo de luta que você clama?

Walden Bello - Aí depende. Apesar de tudo, os países menos hegemônicos do Norte ficaram fortes e quanto mais poder é destinado ao sistema global, eu acredito que é um desenvolvimento positivo. Por outro lado, você precisa perceber que esses países (do Sul), essas economias são controladas, em todos os casos, por uma elite capitalista e, em muitos casos, como o da China, você tem isso em menor conta do que, digamos, a elite nos Estados Unidos. Portanto, de um lado temos uma coisa positiva, que é uma difusão do poder, do outro também estamos falando sobre esses novos atores da economia, que estão fazendo uma grande diferença, e estão sob a dominação de uma elite desenvolvimentista. Acho que o desafio no Norte é realmente que os movimentos progressistas imponham suas agendas, as quais incluem mais participação e mais controle democrático dos meios de produção e das tomadas de decisões econômicas. A agenda para todos os movimentos, seja no Norte ou no Sul, é a mesma.

Rádio Terra - Nesse contexto, como você vê a agressão de Israel na Palestina?

Walden Bello
- Eu venho sustentando o tempo todo que há certos tópicos que são fundamentais e que o FSM precisa tomar uma posição forte e definitiva sobre eles, e a situação na Palestina é um deles. O FSM precisa tomar uma posição dura e condenar Israel e apoiar os direitos dos palestinos de terem seu próprio Estado, além de apoiar o direito de retorno dos palestinos ao que hoje é Israel. Eu realmente sinto que o FSM não pode mais dizer que só quer fornecer um teto para as discussões acontecerem. Eu sempre digo que esse tipo de postura acadêmica vai eventualmente dissipar o espírito do FSM, e eu acho que já aconteceu em alguma medida. Para realmente preservar seu espírito e continuar a proporcionar uma forte energia de suporte aos movimentos civis, a questão da Palestina, Afeganistão, a questão do capitalismo, são assuntos sobre os quais o FSM precisa se posicionar.

Rádio Terra
- Tal direção demanda uma estrutura permanente.

Walden Bello
- Sim, eu penso que devemos encontrar maneiras de realmente fazer do Conselho Internacional (CI) um corpo com mais responsabilidades. O problema hoje com o CI é que acaba sendo um grupo de discussão mais que um organismo com poderes efetivos para levar as lutas a diante.

Rádio Terra - O CI deveria ser eleito?

Walden Bello - Não podemos ficar atados a formas, mas nós realmente precisamos de um Conselho Internacional que seja representativo, por assim dizer. Existem vários tipos de mecanismos formais. Eu sinto também que devemos provavelmente ter um tipo mais efetivo de Secretariado, que estaria lá não apenas para organizar o próximo Fórum, mas para assegurar a implementação das resoluções e o acúmulo de lições. Um dos problemas do FSM vem sendo o fato de que não há um senso de acumulação das lições de um FSM para o outro. Por isso, representatividade, acumulação de lições e uma tomada de decisões que seja democrática são os desafios do FSM. Tendo dito isso, apesar de todas as desigualdades e fraquezas, o FSM ainda é um mecanismo muito importante para a sociedade civil global, para que ela seja capaz de influenciar no curso global dos eventos.

Veja a cobertura especial do Fórum Social 2009 - http://envolverde.ig.com.br/?edt=35


(Envolverde/IPS/TerraViva)
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