Em setembro do
corrente ano pude me entreter longamente com os mapuche que vivem na Patagônia
argentina e chilena. São muitos, somente no sul do Chile mais de quinhentos mil.
Vivem nestas regiões andinas há cerca de 15 mil anos. Resistiram a todas as
conquistas. Quase foram exterminados, no lado argentino, pelo feroz general Roca
e, no lado chileno, são muito discriminados. Aos que hoje ocupam terras que eram
suas, se aplicam as leis contra os terroristas da constituição de
Pinochet.
Falando com seus lideres (lonko) e sábios (machis), logo salta
à vista a extraordinária cosmologia que elaboraram. Tudo é pensado em quatro
termos. Segundo C.G. Jung, o número quatro constitui um dos arquétipos centrais
da totalidade. Sentem-se tão vinculados à Terra que se chamam "mapu-che": seres
(che) que são um com a Terra (mapu). Por isso se sentem água, pedra, flor,
montanhas, insetos, sol, lua, todos irmanados entre si. Aprenderam a
descodificar e comprender o idioma da Mãe Terra (Ñeku Mapu): o soprar do vento,
o pio do pássaro, o farfalhar das folhas, o movimentos das águas e
principalmente os estados do sol e da lua. Em tudo sabem tirar lições. Seu ideal
maior é viver e alimentar profunda harmonia com todos os elementos, com as
energias positivas e negativas e com o céu e com a terra. Sentem-se os
cuidadores da natureza. A comunidade sobe ao morro mais alto. Toda a terra que
avista até se encontrar com o céu, é-lhe designada para cuidar. Perturbam-se
quando outros não mapuche penetram estas terras para introduzir cultivos, pois
entendem que assim se torna mais difícil cumprir a sua missão de
cuidar.
Desenvolveram sofisticados métodos de cura. Toda doença
representa uma quebra do equilíbrio com as energias da Terra e do universo. A
cura implica reconstituir este equilíbrio, de sorte que o enfermo se sinta
novamente inserido no todo. Os mapuche são orgulhosos de seu conhecimento. Não
aceitam que seja considerado folclore ou visão ancestral. Insistem em dizer que
é um saber tão sério e importante como o nosso científico, apenas diferente. Na
busca de regeneração da Terra eles podem nos inspirar.
* Leonardo Boff é teólogo, escritor, professor emérito de ética da UERJ e membro da Comissão da Carta da Terra.
(Envolverde/O autor)