Investir em nosso sustento e no de nossos filhos deveria ser o empenho fundamental da humanidade, diz neste artigo exclusivo o premiado cientista suíço Hans R. Herren.
Washington, 14 de abril (Terramérica) -
Para a maioria das pessoas no mundo industrial e nas classes média e alta das
nações em desenvolvimento, a agricultura moderna constitui um êxito sem
precedentes na história humana. Porém, a crua realidade contradiz essa visão.
Entre 1960 e 2000, a população mundial duplicou, passando de três bilhões para
seis bilhões de pessoas, enquanto a produção de alimentos aumentou duas vezes e
meia. Seus beneficiários sabem que seus alimentos são seguros e variados.
Entretanto, esses benefícios estão distribuídos de forma desigual e têm um preço
cada vez mais alto para os pequenos agricultores, os trabalhadores, as
comunidades rurais e o meio ambiente.
É necessária uma mudança na ciência
e na tecnologia agrícolas. A agricultura, tal como é praticada hoje, implica que
estamos devorando nosso patrimônio. Explora excessivamente o solo, nosso recurso
natural básico, e é insustentável porque faz um uso intensivo da energia
proveniente dos combustíveis de origem fóssil e do capital, ao mesmo tempo em
que não leva em conta os efeitos externos de sua atividade. A isto se soma o
emprego de alguns produtos básicos, como o milho, para refinar biocombustíveis,
levando às nuvens os preços desses alimentos. O mundo em desenvolvimento vai na
mesma direção, salvo que faz um uso menos intensivo do capital e emprega em sua
maior parte energia humana.
Um estudo elaborado durante quatro anos, a
Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no
Desenvolvimento Agrícola (IAASTD, sigla em inglês), foi apoiado pelo Banco
Mundial e por várias agências das Nações Unidas, a partir de uma iniciativa
nascida na Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002,
em Johannesburgo. O informe final será divulgado no dia 15, em Londres,
Washington e Nairóbi. Nosso desejo era analisar não apenas a produção de
alimentos isoladamente, mas em relação à fome, pobreza, meio ambiente e
igualdade. Assim, nos propusemos a estudar como a sabedoria agrícola acumulada
da humanidade – conhecimentos, ciência e tecnologia – nos levou no ultimo século
e meio à atual situação.
Também devíamos sugerir opções para enfrentar o
desafio de nos alimentar de um modo sustentável, tanto social quanto
ambientalmente, nos próximos 50 anos. Chegamos à conclusão de que sem mudanças
radicais no modo como o mundo produz seus alimentos, o planeta sofrerá danos
duradouros. Nosso informe está abertamente a favor dos pobres. Toda nossa
avaliação girou em torno dos objetivos de redesenhar a agricultura para reduzir
a pobreza e melhorar as condições da vida rural e a saúde
humana.
Contudo, isso não nos faz inimigos dos ricos, embora seja preciso
reconhecer que alguns povos estão consumindo mais do que lhes caberia em uma
divisão eqüitativa dos recursos do planeta. No informe dizemos explicitamente
que China e Índia agora estão competindo por porções cada vez maiores dos
recursos naturais globais, tal como fizeram os paises ricos durante muitas
décadas. A realidade é que cada nação precisa viver de acordo com seus meios, de
modo que a América do Norte e a Europa deveriam fazer ajustes e aprender a fazer
mais com menos.
Uma de nossas conclusões é que os paises mais pobres do
mundo são perdedores na maioria dos cenários de liberalização comercial.
Identificamos algumas "atitudes políticas e econômicas conflituosas",
especialmente dos paises desenvolvidos que se opõem profundamente a qualquer
mudança nos regimes de comércio ou nos sistemas de subsídios. Sem reformas
nestes aspectos, muitos dos paises mais pobres passaram tempos muito difíceis
porque necessitam, em primeiro lugar, proteger seu próprio desenvolvimento.
Também somos críticos da agricultura das grandes corporações, voltada ao lucro,
que continua prosperando no não-reformado sistema atual. Esta mantém seu domínio
no Norte e agora é exportada cada vez mais para as nações do Sul.
O
informe está dirigido aos que devem tomar decisões políticas e financeiras e
também ao público. Em muitos paises, a disponibilidade de alimentos é algo que
se dá como certo, enquanto os agricultores são mal recompensados por sua função
de pôr comida na mesa. Os investimentos em ciência agrícola e sua colocação à
disposição dos agricultores diminuiu com o tempo, embora continue a necessidade
urgente do desenvolvimento e da difusão de soluções sustentáveis, ambientalmente
seguras e eqüitativas para a produção de alimentos. Se continuarmos nas atuais
tendências de produção de alimentos, esgotaremos os recursos naturais e
colocaremos em perigo o futuro de nossos filhos. Investir em nosso sustento
deveria ser o mais básico empenho da humanidade.
* O autor é cientista
premiado e co-presidente da Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência
e da Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola. Direitos exclusivos IPS.