Segundo documentos obtidos pelo jornal britânico The Guardian, grande parte do armamento utilizado pelo EIIL veio de grupos armados pelos EUA.
Os Estados Unidos da América recusaram ajuda ao Governo da Síria no combate a grupos radicais islâmicos como a Al-Qaeda e o EIIL (Exército Islâmico do Iraque e do Levante, que recentemente mudou de nome para Estado Islâmico). Além disso, segundo revelações feitas pela Wikileaks, a administração norte-americana armou grupos como o Estado Islâmico. Os quase 3 mil documentos sobre o assunto foram divulgados pelo site dirigido por Julian Assange na sexta-feira passada.
A 18 de fevereiro de 2010, o chefe dos serviços secretos sírios, o general Ali Mamlouk, apareceu de surpresa numa reunião entre os diplomatas norte-americanos e Faisal a-Miqad, vice-ministro das relações externas da Síria. A visita de Mamlouk foi uma decisão pessoal de Bashar al-Assad, presidente sírio, em mostrar empenho no combate aos grupos radicais islâmicos no Médio Oriente, afirma o documento.
Neste encontro com Daniel Benjamin, coordenador das ações de contra-terrorismo dos EUA, “o general Mamlouk enfatizou a ligação entre a melhoria das relações EUA-Síria e a cooperação nas áreas de inteligência e segurança”, afirmam os diplomatas norte-americanos em telegrama destinado à CIA, ao Departamento de Estado e às embaixadas dos EUA no Líbano, Jordânia, Arábia Saudita e Inglaterra.
Para Miqad e Mamlouk, essa estratégia passava por três pontos: com o apoio dos EUA, a Síria deveria ter maior papel na região, a política seria um aspeto fundamental para ações de cooperação contra o terrorismo e a população síria deveria ser convencida dessa estratégia com a suspensão dos embargos económicos contra o país. Para Imad Mustapha, embaixador sírio em Washington, “os EUA deveriam retirar a Síria da lista negra”. Nas palavras de George W. Bush, o país fazia parte do “eixo do mal”, junto com Coreia do Norte e Afeganistão.
Apesar da discordância entre os EUA e a Síria em relação ao apoio de Assad a grupos como o Hezbollah e o Hamas, os dois países concordavam quanto à necessidade de interromper o fluxo de guerrilheiros estrangeiros para o Iraque e impedir a proliferação de grupos radicais, como a Al-Qaeda, o EIIL e o Junjalat, grupo palestiniano com a mesma orientação política. Para Benjamin, as armas chegavam ao Iraque e ao Líbano contrabandeadas através do território sírio.
Mamlouk reforçou a “experiência síria em combater grupos terroristas”. “Nós não ficamos na teoria, tomamos atitudes práticas”, foram as palavras do chefe de inteligência de Assad.
Segundo o general, o Governo sírio não mata ou ataca imediatamente esses grupos. “Primeiro, infiltramo-nos nessas organizações e estudamos o seu funcionamento”. De acordo com Damasco, “essa complexa estratégia impediu centenas de terroristas de entrarem no Iraque”.
Guerra do Iraque e surgimento do Estado Islâmico
No entanto, apesar de afirmarem cooperar com a Síria para combater o terrorismo, os EUA também trabalharam para armar os opositores sírios e isso causaria um problema maior na região: a criação do atual Estado Islâmico. Segundo documentos obtidos pelo jornal britânico The Guardian, grande parte do armamento utilizado pelo EIIL veio de grupos armados pelos EUA e cooptados por Abu Bakr al-Baghdadi, líder do Califado Islâmico, que hoje controla territórios na Síria e no Iraque.
Saddam al-Jammal, líder do Exército de Libertação da Síria, outro grupo anti-Assad, também jurou lealdade ao Estado Islâmico desde novembro de 2013. Para garantir tal apoio, o EIIL mudou a sua estratégia de controlo: dava autonomia às autoridades locais em vez de controlar diretamente a governação das cidades. Como resultado, o EIIL expandiu-se e conseguiu lutar em cinco frentes: contra o Governo e os opositores sírios, contra o Governo iraquiano, contra o Exército libanês e as milícias curdas.
O armamento começou a ser enviado para os opositores sírios em setembro de 2013. Na época, analistas davam o EIIL como terminado e a alegação para fortalecer esses grupos era a de que o governo Assad havia usado armas químicas. Para enviar as armas, o Governo Obama usou bases clandestinas na Jordânia e na Turquia. Aliados dos EUA na região, como a Arábia Saudita e o Qatar, também forneceram ajuda financeira e militar.
Ironicamente, os EUA sabem inclusive a real identidade do líder do Califado. Durante um ataque à cidade iraquiana de Fallujah em 2004, os norte-americanos prenderam alguns dos militantes pelos quais procuravam. Entre eles, estava um homem de 30 e poucos anos e pouco importante na organização: Ibrahim Awad Ibrahim al-Badri. Dez anos depois, ele tornar-se-ia líder da mais radical insurgência islâmica contra o Ocidente, segundo informações de um oficial do Pentágono.
(*) Esquerda.net com Opera Mundi.