Nada justifica a barbárie cometida ontem, em Paris. Nem as charges zombando Maomé publicadas pela revista Charlie Hebdo, nem as missões de ocupação e bombardeio realizadas pela França actualmente contra três países muçulmanos. A morte de civis não tem explicação racional.
Mas a forma como a mídia e os formadores de opinião tratam o assunto, revela o preconceito social e a manipulação de ideias sobre o que é o mundo muçulmano, o terrorismo em todas as suas formas e até o papel do Ocidente no mundo.
Em primeiro lugar, a grande maioria das vítimas do terrorismo islâmico são muçulmanos. Isso geralmente não é publicado ou conhecido pelas pessoas comuns, que submetidas à manipoulação de informações acredita que o mundo muçulmano é contra a Europa livre e cristã.
Os muçulmanos do Oriente Médio morrem por causa do extremismo, cuja origem é muito variada. Uma origem clara é a deturpação da religião feita por parte de grupos que buscam dominar as massas, com a ajuda de alguns governos, principalmente as monarquias árabes e seus aliados ocidentais, incluindo a França.
Que aconteçam ataques terroristas não significa que o mundo muçulmano e o Ocidente estão enfrentados. Isso é uma simplificação falsa e etnocêntrica, que coloca a Europa cristã e os Estados Unidos no papel de fiscal e juiz universal.
Por outro lado, coloca os muçulmanos em uma posição de incivilizados como se a maioria apoiasse o que aconteceu ontem, em Paris. Nada está mais longe da realidade, uma vez que todos os dias no Iraque, Líbia, Síria e Iêmen eles mesmos sofrem as conseqüências do fundamentalismo.
Além disso, a opinião pública ocidental ficou chocada com o ataque atroz de ontem, mas é surda ao massacre de muçulmanos no Oriente Médio, muitas vezes perpetrada por grupos armados e treinados pela OTAN.
Ou seja, se o ataque acontece no Iêmen -ontem houve um com 30 mortos- nada acontece porque "os muçulmanos são bárbaros e gostam de matar uns aos outros". Mas quando o ataque acontece em Paris, o ódio contra tudo o que seja estrangeiro floresce como na década de 30 nos países do Eixo. Se a isto se acrescenta uma Europa em crise, a combinação é extremamente preocupante.
Quem se beneficia com o ataque?
Para entender o que aconteceu devemos analisar quem ganha com a matança de civis.
A extrema direita leva água ao seu moinho, uma vez que a islamofobia está crescendo na França, Alemanha, Suécia e Grã-Bretanha e os seus princípios se vem reafirmados com os assassinatos.
A Frente Nacional de Le Pen, que ganhou as eleições do ano passado, no Parlamento Europeu, superando o resto dos partidos franceses, é grandemente beneficiada.
Mas não devemos descartar uma operação clandestina ou falsa bandeira, buscando apoio para a ação militar da França em três países muçulmanos: Mali, República Centro Africana e o Iraque.
França tem mais de três mil soldados nestes três países e luta contra os islamitas. No Iraque, a França luta contra o Estado Islâmico, apoiando o Curdistão iraquiano para que consiga uma maior autonomia em relação a Bagdá e possa ser um fornecedor de gás e petróleo para a Europa, uma alternativa aos produtos russos.
No entanto, o governo francês não luta, mas apoia o Estado islâmico do outro lado da fronteira da Síria, juntamente com a Turquia e Qatar.
Esta dupla estratégia não é popular entre os cidadãos franceses que percebem que os muçulmanos "invadem" as suas cidades, quando na verdade as mulheres que professam esta fé são atacadas apenas por fazê-lo. Assim, toda a comunidade é estigmatizada.
Mas deixando de lado a suposta bandeira falsa, o ataque em Paris será explorado pelo governo de Hollande, pela Frente Nacional e até mesmo por Nicolas Sarkozy, que em 2011 ajudou a levar ao poder os radicais islâmicos que derrubaram Gaddafi na Líbia.
Por conseguinte, em toda a Europa vai crescer etnocentrismo, a xenofobia e a simplificação.
O terrorismo islâmico é uma realidade, mais cruel no Oriente Médio do que na Europa, mas não é a única forma de terrorismo. O financiamento de grupos armados, a intervenção directa em países estrangeiros feita pela França, e a pilhagem dos recursos no Iraque e as ex-colônias francesas na África também são terrorismo, que com ataques como o de ontem em Paris, parecem cada vez mais mais justificados pela opinião pública e os grandes meios de manipulação de massa.
- Maximiliano Sbarbi Osuna