Somente os loucos e os economistas acreditam no crescimento sem fim

decrecimiento Somente os loucos e os economistas acreditam no crescimento sem fim
Manifestantes pelo decrescimento em manifestação pelas ruas de Leipzig, este mês. O cartaz diz: Troque, Compartilhe, Dê. Foto: Klimagerechtigkeit, Leizpig (http://klimagerechtigkeit.blogsport.de/)

Leipzig, Alemanha, 24/9/2014 – A partir da segunda metade do século 20 o crescimento econômico se transformou em um objetivo evidente das políticas públicas e o produto interno bruto passou a ser o índice mais importante para medir a atividade econômica. Esta foi a premissa subjacente da Quarta Conferência Internacional sobre Decrescimento para a Sustentabilidade Ecológica e a Equidade Social, realizada nesta cidade este mês, que fez um balanço do movimento do “decrescimento”.
O objetivo do movimento é desacreditar o dogma do crescimento e defender uma reformulação fundamental dos conceitos e das práticas econômicas convencionais. Muitos de seus seguidores, que argumentaram que “toda pessoa que pense que o crescimento pode continuar indefinidamente ou está louca ou é economista”, baseiam sua filosofia em um livro de 1971, Os Limites do Crescimento, de Donella Meadows e outros autores, que analisa os resultados de uma simulação por computador de um crescimento econômico e demográfico exponencial, com recursos finitos.
A conferência de Leipzig foi a quarta de seu tipo, depois de Paris (2008), Barcelona (2010) e Veneza (2012), e a maior de todas, com cerca de três mil participantes. Aconteceram centenas de painéis, debates, projeções e apresentações de cientistas, pesquisadores, ativistas e membros de organizações não governamentais, que se reuniram para discutir o decrescimento econômico, a sustentabilidade e as iniciativas ambientais.
O reconhecido economista equatoriano Alberto Acosta, que foi presidente da Assembleia Nacional Constituinte do Equador no biênio 2007-2008, disse aos participantes que na China, que se apresenta como um caso próspero de crescimento econômico, 75% dessa expansão beneficia apenas 10% da população, enquanto os enormes centros urbanos chineses estão tão contaminados que até mesmo o governo quer construir cidades ecológicas.
Acosta, que desenvolveu a iniciativa Yasuní-ITT, um plano para renunciar à exploração petroleira no Parque Nacional Yasuní, diz que o “extrativismo” é uma das práticas mais prejudiciais vinculadas ao capitalismo tardio, já que se extrai cada vez mais recursos naturais não renováveis da terra que se perdem para sempre, já que produzem enorme quantidade de emissões nocivas.
Para contrapor o extrativismo, Acosta defende o “bom viver”, que se baseia no “sumak kawsay”, ou vida plena dos povos quéchuas andinos, uma maneira de viver baseada na comunidade, com equilíbrio ecológico e sensibilidade cultural.
Para o grego Giorgos Kallis, pesquisador ambiental e professor da Universidade de Barcelona, o decrescimento tem que proporcionar espaço para a ação crítica e para reconfigurar o desenvolvimento a partir de baixo, na tentativa de dedicar menos tempo à economia capitalista e mais à economia de cuidados. Quando se perguntou se o conceito de decrescimento não é muito radical ou incômodo, ele disse: “Sim, talvez o decrescimento não caia bem, mas esse é precisamente o ponto, que não caia bem. É hora de fazer com que essa mensagem seja relevante”.
A ativista social e escritora canadense Naomi Klein, conhecida principalmente por seu livro Não Logo: O Poder das Marcas, que para muitos se converteu em um manifesto do movimento contra a globalização empresarial, esteve presente na conferência via Skype para dizer aos participantes que a mudança radical na política e na paisagem física é a única possibilidade real de escapar do desastre. As estratégias reformistas não bastam, ressaltou.
Um dos principais defensores do movimento do decrescimento é o holandês François Schneider, um dos primeiros ativistas que o impulsionaram com um trajeto em burro de um ano pela França, em 2006. Schneider também fundou ao associação acadêmica Pesquisa e Decrescimento. “A mudança sistêmica implica segmentos inteiros da sociedade”, disse à IPS.
“Não se trata apenas de uma pequena parte e tampouco esperamos que uma decisão do Parlamento Europeu mude tudo. O diálogo é a chave. E apresentando muitas propostas diferentes”, acrescentou Schneider. Tomando o exemplo do transporte e da mobilidade, explicou que é inútil encarar a transformação deste elemento de forma isolada porque “o transporte está vinculado à energia e a publicidade está ligada à indústria do automóvel”.
Vijay Pratap, ativista indiano do movimento juvenil socialista e membro do Diálogos do Sul da Ásia sobre Democracia Ecológica, pediu a inclusão das maiorias marginalizadas no movimento do decrescimento. “A não ser que iniciemos os processos para que possam se converter em líderes de sua própria libertação, não poderá existir uma sociedade pós-crescimento real”, destacou.
Apesar de satisfeito com o que considerou um enfoque muito igualitário e democrático da organização da conferência, Pratap apontou que se deveria garantir a inclusão “daqueles que não falam inglês, não sabem navegar nas redes sociais pela internet e não têm acesso aos órgãos doadores filantrópicos internacionais”. Segundo o ativista, que participou como organizador do Fórum Social Mundial em Mumbai em 2004, essa foi uma grande lição aprendida nessa ocasião.
Lúcia Ortiz, diretora do programa da Amigos da Terra Internacional e ativa nos movimentos sociais do Brasil, não teve papas na língua quando proclamou em Leipzig que “o decrescimento é a bala para desmantelar a ideologia do crescimento”.
A próxima conferência, que será em 2016, terá muito mais êxito do que a deste ano, opinou Kallis. Ao comentar sobre o aumento da participação de umas poucas centenas de pessoas em Paris, em 2008, para os três mil em Leipzig, brincou: “Neste ritmo, dentro de 20 anos teremos todo o mundo na conferência”. Envolverde/IPS

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