Guerra Fria |
Um dos debates mais importantes do século XX se deu no interior do Estado norte-americano quanto a estratégia geopolítica a ser adotada no imediato pós-guerra. À época formuladores dividiam-se entre duas propostas não necessariamente substitutas.
A primeira veio da NASA e compreendeu o que prevaleceu na história como “estratégia de retaliação total”, centrada na distribuição de ogivas nucleares em mísseis balísticos intercontinentais (Classes Titan e Atlas) e submarinos (Classe Polaris), bem como bombas termonucleares apoiadas em aeronáutica supersônica. Claramente, nesse contexto, na “missão a Lua” permitiu-se justificar perante a opinião pública vultuosas inversões públicas em tecnologias com emprego apenas indireto para aumento de bem estar.
A segunda proposta, aparentemente derrotada, previa emprego de rede de satélites de baixa órbita com objetivo de monitoramento de ameaças e identificação de alvos, tal como adotado a partir dos anos noventa pelos EUA. Esta segunda proposta foi defendida por pesquisadores do RAND (instituto sem fins lucrativos criado em 1948 a partir de equipe da Douglas Aircraft), sendo reunidos desde então no RAND cientistas e engenheiros para assuntos de defesa.
A queda do muro de Berlim |
Desde o final dos anos setenta até a queda do muro de Berlim (1989), o esforço militar empreendido por EUA e Rússia foi revisto por onda financeira liberalizante que impôs progressivamente restrições para gastos públicos. Com isso, acentuou-se necessidade de revisão na estratégia externa norte-americana, adaptando-se a configuração até então inesperada – a condição de ausência de desafiadores diretos ao projeto expansionista dos EUA.
Com o avanço das tecnologias de informação, a serviço da montagem de um “cassino” internacional real time on line nos anos 90, tornou possível ao complexo industrial-militar atualizar estratégia proposta pelo RAND, potencializada com capacidade de processamento e integração de informações colhidas através de diferentes artefatos, incluindo-se satélites e telefones celulares.
Além do usual acesso discricionário a recursos públicos subsidiados para pesquisa e desenvolvimento, a partir de 2000 o complexo industrial-militar passou também a participar dos benefícios diretos da função inteligência para o sucesso na concorrência internacional.
A partir dos documentos históricos secretos revelados pelo espião duplo norte-americano E. Snowden, tornou-se possível aos demais Estados Nacionais, incluindo-se potências ocidentais e asiáticas, perceberem imbricações existentes entre o poder, o dinheiro e o novo imperialismo norte-americano. Desta vez com pretensões a império global.
Edward Snowden |
No entanto, o sucesso no projeto de poder norte-americano pressupõe consolidação de alianças mais ou menos estáveis com elites locais, supostas de ocupar alto comando das maiores empresas em cada país. Bancos e firmas industriais nacionais são esperadas de disputar acesso privilegiado a dólares e tecnologias superiores, respectivamente.
Enquanto esse é o caso dentro das fronteiras ocidentais do império, o mesmo não acontece na Ásia. Rússia e China, as quais dispõem de recursos para se configurarem em ameaça, defendem territórios da invasão norte-americana. Essa, por sua vez, tem sido executada em diversas frentes, dissolvendo-se resistências para o desembarque da cultura consumista ocidental.
Atacam-se formas de organização política distintas da “democracia-modelo” dos EUA, cuja aderência aos interesses do grande capital é quase irrestrita. O resultado encontra-se na cooptação de países do leste europeu à OTAN, bem como nas desordens sociais que depuseram líderes autocráticos (nacionalistas) na primavera árabe.
Enquanto as fronteiras do império avançam em direção á Ásia, as elites russas e chinesas parecem não compreender exatamente qual papel terão as maiores corporações nacionais em jogo de xadrez em que pesam assimetrias de informação importantes. Enquanto isso, as elites industriais ocidentais possuem interesse no aumento das tensões militares como oportunidade para novo ciclo de crescimento baseado em keynesianismo bélico.
Naturalmente, as projeções de banqueiros para recuperação mundial não levam em consideração as importantes relações circulares entre crises econômicas e políticas propagadas assimetricamente pelo sistema internacional. Insistem em narrativas comceteris paribus sem conflitos ou rupturas, o que soa como patético em bases ex post.
Crise política e econômica ucraniana. Grívinia (moeda local) em queda livre |
Conclusivamente, a crise política que se anuncia na Ucrânia deve desempenhar papel de acelerador das tensões internacionais, ao ponto de ignição de gastos militares extraordinários, principalmente na Europa.
Não há necessidade de explicar o quanto uma ameaça militar na Europa pode justificar mudança nas políticas até aqui favoráveis aos interesses financeiros na região (metas fiscais). Neste contexto, dificilmente prevalecerá contracionismo na Alemanha pós-Merkel ou integridade do arcabouço supranacional da União Européia. Isso sem, necessariamente, mover os EUA na direção de uma guerra real, tal como ocorrido durante o período da guerra fria.
Como todo processo de longo prazo, contudo, demora-se o tempo a passar antes que hipóteses como esta possam ser testadas em bases ex post. É esperar e conferir.
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10/3/2014, Marco Aurélio Cabral Pinto
Blog Dogmas e Enigmas, Brasil
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu
[*] Marco Aurélio Cabral Pinto - Graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (1988), mestrado em Administração de Empresas pela COPPEAD/UFRJ (1996) e doutorado em Economia pelo IE/UFRJ (2005).. Atualmente engenheiro no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e professor adjunto do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal Fluminense. Experiência em comércio exterior, inovação e meio ambiente, Tenho contribuído como professor convidado pelo jornalismo da Globonews, entre outros veículos (Estado de São Paulo, Jornal Extra), desde setembro de 2008. Tenho ainda atuado na elaboração de propostas para o desenvolvimento brasileiro como professor convidado pela Federação Nacional dos Engenheiros - FNE desde 2006. Sou atualmente membro do Conselho Consultivo da Confederação Nacional de Trabalhadores Universitários (CNTU).
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