Ativista da Coin em Transição vende frutas, verduras e esponjas do mar no mercado de Málaga Comum. Foto: Inés Benítez/IPS
Málaga, Espanha, 8/4/2013 – Pão de farinha integral de centeio, alface e acelga são alguns dos produtos oferecidos no pequeno mercado ecológico da horta urbana El Caminito, nesta cidade espanhola, com preços fixados em “comum”, uma das mais de 30 moedas sociais que circulam neste país.
“O objetivo é buscar uma alternativa para a chaga do capitalismo selvagem e semear a base de uma sociedade mais justa e solidária”, disse à IPS o ativista David Chapman, da plataforma Málaga Comum, a rede responsável pelo mercado e pela qual mais de 700 usuários registrados podem trocar bens e serviços usando o comum como moeda e postando as transações na internet.
Na Espanha coexistem mais de 30 moedas locais complementares ao euro, “ferramentas que permitem o empoderamento das comunidades mediante a troca de produtos e serviços e criação de mercados paralelos”, explicou à IPS o economista e escritor Julio Gisbert.
O comum, o laço e o coín, em Málaga; o puma, em Sevilha; o zoquito, em Jerez de la Frontera, Cádiz; a pita em Almería; e a justa em Granada, todas no sul da Espanha, são algumas das denominações que compartilham por todo o país a missão de dinamizar a economia local e caminhar para um modelo econômico e produtivo mais sustentável.
A Rede de Moeda Social Puma foi lançada há um ano no Centro Velho de Sevilha como um sistema de crédito mútuo entre pessoas, e busca “relançar e relocalizar a economia desta zona da cidade e criar comunidade”, contou à IPS a moradora Natalia Calzadilla, uma de suas integrantes e produtora de geleia de verduras.
O usuários do puma contam com um sistema físico de cartilhas onde consta o valor das transações de bens e serviços. Também apresentam suas ofertas e demandas no Sistema de Intercâmbio Coletivo (CES), uma plataforma que nasceu em 2002 na Cidade do Cabo, na África do Sul, que serve para as transações com moedas sociais ou tempo em 56 países.
Em Madri se comercializa com o boniato, em Bilbao, ao norte, com os bilbodirus, e em Girona, no nordeste, com o euro res. O euro res foi criado na Bélgica há mais de 15 anos com o mesmo valor que o euro e funciona em uma rede de aproximadamente cinco mil pequenas e médias empresas, da qual também podem participar particulares, como explica em sua página na internet.
O perfil dos usuários destas moedas alternativas é muito amplo. “Há massagistas, médicos, eletricistas, advogados, professores… A qualidade da oferta é incrível”, detalhou Chapman. A Rede Puma, integrada por estudantes, desempregados, profissionais e comerciantes, impulsiona a criatividade, o desenvolvimento de novas habilidades e proporciona apoio moral e autoestima aos seus integrantes, pontuou Calzadilla.
Ela pagou por uma massagem 25 pumas (equivalente a 25 euros) a outro membro que agora conta com esse crédito para optar por outro serviço ou adquirir um bem na comunidade. Para isso o projeto organiza um mercado mensal, chamado Mercapuma, onde os produtores expõem suas mercadorias e contam com um ponto de alimentação que nas segundas-feiras vende alimentos ecológicos e artesanatos.
Carmela San Segundo, que oferece aos integrantes da Málaga Comum aulas de inglês, francês e esperanto, contou à IPS que pagou em comuns o trabalho de pintura de dois cômodos de sua casa e o conserto de um computador. A crise econômica e financeira que afeta a Espanha incentiva as experiências sociais de intercâmbio, em moedas alternativas, troca ou bancos de tempo, “porque as pessoas buscam outros modelos e formas de vida”, explicou Gisbert, autor do livro Viver sem Emprego e do blog de mesmo nome.
Segundo este economista, há na Espanha mais de 300 bancos de tempo, assim chamados por não trabalharem com moedas, mas com horas. O sistema estabelece que uma pessoa oferece um serviço e recebe em contrapartida uma hora de crédito, ou mais, segundo o caso. Diante de vozes que criticam as moedas complementares, alegando que não solucionam o problema da pobreza, Gisbert esclareceu que o objetivo delas “não é dar de comer a quem necessita, mas buscar ajuda mútua para conseguir autossuficiência e um novo modelo social mais sustentável”.
O coín, a moeda criada no povoado de mesmo nome em Málaga, integra o movimento global de transição e quer servir de instrumento de reação e mudança diante “da crise energética, econômica e ambiental”, segundo consta em sua página na internet. A maior parte destas moedas sociais, agrupadas por organizações ou plataformas, não contam com implicação oficial, disse Gisbert, por isso não se transformam em legais, pois se trata de um fenômeno minoritário no sistema econômico-financeiro espanhol.
O dinheiro alternativo não é algo novo, e é um fenômeno mundial presente sobretudo nos países do Norte industrializado. Há moedas complementares nos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Áustria, Suíça, Holanda e outras nações. Por exemplo, no multicultural bairro londrino de Brixton se faz transações com a libra brixton. A libra brixton emite, a cada ano, bilhetes diferentes e é das moedas sociais mais inovadoras, segundo Gisbert.
Por outro lado, este tipo de moeda está começando a atrair o interesse do sistema de microcrédito. José Luis Gámez, filho do fundador do axarco, próprio da região malaguenha de Axarquía, gostaria de poder financiar projetos de economia social na região com esta divisa que nasceu em 1988. Mas o axarco, de prata e cobre, não é mais usado como sistema alternativo pelo custo que representa cunhá-lo, e por isso hoje é objeto de colecionadores.
Além de promover o intercâmbio de produtos e serviços, o dinheiro complementar pode servir para valorizar o trabalho de pessoas voluntárias ou geradoras de conhecimento, segundo a filosofia do projeto internacional tgl (siglas para “teaching, giving, learning”, ou “ensinar, dar, aprender”). O tgl, que começa a caminhar na Espanha, propõe a moeda social L, criada quando as pessoas ensinam ou aprendem habilidades e conhecimentos, participam de projetos de voluntariado ou desenvolvem iniciativas de empreendimento social que geram emprego e riqueza local.
“A L não é de intercâmbio, mas uma moeda que gera riqueza porque injeta liquidez ao sistema. É criada pela formação, pelo voluntariado e empreendimento social”, explicou à IPS Raúl Contreras, cofundador da plataforma Nittúa e promotor da escola Okonomia, na qual alunos e facilitadores recebem pagamentos nesse dinheiro alternativo. Envolverde/IPS