Tenham sido 2 mil ou 5 mil os cidadãos presentes ao ato público do Cansei na Praça da Sé, o certo é que, para uma metrópole como São Paulo, isto equivale a uma gota d’água no oceano.
Na verdade, as próprias lideranças do movimento não esperavam grande coisa depois que a OAB Nacional pulou fora, deixando a decisão de apoiá-lo ou ignorá-lo às seccionais. E o que se viu não deu nem para salvar as aparências. Outros enterros já tiveram participação mais expressiva.
O fracasso teve muitas causas.
João Doria Jr. tentou transpor para a política as fórmulas publicitárias que costumam dar certo nas campanhas eleitorais. Então, face à comoção provocada pela tragédia de Congonhas, supôs mecanicamente que se tratasse da gota d’água para a classe média passar dos resmungos virtuais ao protesto aberto. A virulência dos posts na Internet deixava exatamente essa impressão.
E foi com visão de publicitário que ele estruturou seu projeto, desde o título mais próximo dos slogans propagandísticos do que das palavras-de-ordem políticas (e que acabou se revelando extremamente inadequado, pois propiciava piadas dos adversários) até o foco demasiadamente difuso: querendo atingir o máximo de consumidores, Doria pretendeu enfeixar num único movimento todas as insatisfações por mazelas de responsabilidade do Executivo, Legislativo e Judiciário, em âmbito federal, estadual e municipal.
Para piorar, a idéia foi prontamente apoiada pela extrema-direita golpista que faz proselitismo na Internet e pelas correntes que até hoje não se conformam com o fato de Lula haver escapado do impeachment. Com Brilhante Ustra, Olavo de Carvalho, o Partido Vergonha na Cara e o Fora Lula apoiando o Cansei, ficou fácil para os governistas apontarem-no como uma nova Marcha da Família, com Deus, Pela Liberdade.
Afinal, além de ter essas ligações perigosas, o Cansei se voltava contra muitas iniqüidades e não propunha solução para nenhuma delas. O que resolveria tantos problemas de uma só vez? Fazia sentido supor-se que sua verdadeira meta fosse, como em 1964, um golpe de estado contra a subversão e a corrupção.
De quebra, o apoio da Fiesp, da Febraban e da Associação Comercial de São Paulo reforçou a suspeita de que se tratasse de uma conspiração dos endinheirados contra o presidente metalúrgico. E a OAB, respeitada por sua atuação exemplar durante os anos de chumbo, não acompanhou o presidente da seccional paulista em sua aventura.
Os erros crassos cometidos pelos que se propuseram a representá-la não devem, entretanto, fazer crer que a classe média esteja indiferente em relação a um governo que prioriza os muito ricos e os muito pobres, pouquíssimo oferecendo a quem está no meio, exagerando na carga tributária e descurando de serviços essenciais.
Bem farão os lulistas se encararem o Cansei como um alerta e iniciarem algumas correções de rumo. Nem todos os movimentos de classe média serão tão trapalhões.
João Goulart também sentia-se perfeitamente seguro depois da estrondosa vitória obtida no plebiscito que lhe restituiu poderes presidenciais plenos. Um ano e meio depois, era derrubado.
* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
- Celso Lungaretti (*)
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