Lendo o artigo do filósofo Vladimir Safatle, Pela extinção da PM, dei-me conta de que, quando a Polícia Militar paulista executou cidadãos honestos na semana passada, a ficha não me caiu e deixei de relacionar as matanças à recente recomendação da ONU, no sentido de que o Brasil elimine mais este entulho autoritário.
Lapso imperdoável, pois eu havia sido o primeiro a concordar entusiasticamente com tal proposta, conforme se pode constatar no meu artigo de 04/06/2012, Da ONU para o Brasil: extingam as PM's!!! (ver aqui).
Então, é uma bandeira que estou levantando e convidando os companheiros a levantarem.
Na contramão do Paulo Maluf, que adotava como bordão o sinistro vou botar a Rota na rua!, tem tudo a ver exigirmos: vamos botar a PM no museu da ditadura! Quiçá na mesma prateleira do Doi-Codi...
Eis o artigo do Safatle, que, claro, aprovo e recomendo:
"No final do mês de maio, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a pura e simples extinção da Polícia Militar no Brasil. Para vários membros do conselho (como Dinamarca, Espanha e Coreia do Sul), estava claro que a própria existência de uma polícia militar era uma aberração só explicável pela dificuldade crônica do Brasil de livrar-se das amarras institucionais produzidas pela ditadura.
No resto do mundo, uma polícia militar é, normalmente, a corporação que exerce a função de polícia no interior das Forças Armadas. Nesse sentido, seu espaço de ação costuma restringir-se às instalações militares, aos prédios públicos e aos seus membros.
Apenas em situações de guerra e exceção, a Polícia Militar pode ampliar o escopo de sua atuação para fora dos quartéis e da segurança de prédios públicos.
No Brasil, principalmente depois da ditadura militar, a Polícia Militar paulatinamente consolidou sua posição de responsável pela completa extensão do policiamento urbano. Com isso, as portas estavam abertas para impor, à política de segurança interna, uma lógica militar.
Assim, quando a sociedade acorda periodicamente e se descobre vítima de violência da polícia em ações de mediação de conflitos sociais (como em Pinheirinho, na cracolândia ou na USP) e em ações triviais de policiamento, de nada adianta pedir melhor 'formação' da Polícia Militar.
Dentro da lógica militar, as ações são plenamente justificadas. O único detalhe é que a população não equivale a um inimigo externo.
Isto talvez explique por que, segundo pesquisa divulgada pelo Ipea, 62% dos entrevistados afirmaram não confiar ou confiar pouco na Polícia Militar. Da mesma forma, 51,5% dos entrevistados afirmaram que as abordagens de PMs são desrespeitosas e inadequadas.
Como se não bastasse, essa Folha mostrou no domingo que, em cinco anos, a Polícia Militar de São Paulo matou nove vezes mais do que toda a polícia norte-americana ('PM de SP mata mais que a polícia dos EUA', 'Cotidiano').
Ou seja, temos uma polícia que mata de maneira assustadora, que age de maneira truculenta e, mesmo assim (ou melhor, por isso mesmo), não é capaz de dar sensação de segurança à maioria da população.
É fato que há aqueles que não querem ouvir falar de extinção da PM por acreditar que a insegurança social pode ser diminuída com manifestações teatrais de força.
São pessoas que não se sentem tocadas com o fato de nossa polícia torturar mais do que se torturava na ditadura militar. Tais pessoas continuarão a aplaudir todas as vezes em que a polícia brandir histericamente seu porrete. Até o dia em que o porrete acertar seus filhos".
* jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
VALE A PENA LER DE NOVO
DA ONU PARA O BRASIL: EXTINGAM AS PM's!!!
O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas recomendou a extinção das polícias militares brasileiras, em função de seu altíssimo índice de letalidade e de parte expressiva de tais óbitos se dever a "execuções extrajudiciais".
A ONU analisou 11 mil casos de alegadas resistências seguidas de morte, constatando que é frequente não haver resistência nenhuma e as autoridades brasileiras acobertarem os homicídios desnecessários e covardes perpetrados pela PMs.
Neste sentido, a Alemanha e a Namíbia reforçaram a recomendação ao Brasil de que coiba tais chacinas.
Segundo a agência espanhola Efe, a recomendação em favor da supressão da PM proveio da Dinamarca, que pede a abolição do "sistema separado de Polícia Militar [ou seja, a desnecessária existência de uma polícia militarizada dividindo funções no policiamento das cidades com a polícia civil], aplicando medidas mais eficazes (...) para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais".
Já a Coreia do Sul deu nome aos bois: esquadrões da morte (aqueles bandos de policiais exterminadores que durante a ditadura militar trombeteavam seus feitos e agora atuam com discrição, mas continuam existindo, sim, senhor!).
A Espanha, por sua vez, solicitou a "revisão dos programas de formação em direitos humanos para as forças de segurança, insistindo no uso da força de acordo com os critérios de necessidade e de proporcionalidade, e pondo fim às execuções extrajudiciais".
A BBC Brasil, justificadamente, elegeu a PM paulista como aquela na qual a carapuça da ONU encaixa melhor: segundo um levantamento que efetuou, "a PM matou seis vezes mais pessoas durante ações de combate ao crime do que seus pares da Polícia Civil em São Paulo no ano de 2011".
De acordo com a agência noticiosa britânica, "o grau de letalidade da polícia no Estado mais populoso do país se insere no debate sobre a recomendação da abolição do sistema separado de Polícia Militar - feita ao Brasil no Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU".
ENTULHO AUTORITÁRIO
Vale lembrarmos que tal mostrengo existe por obra e graça da ditadura de 1964/85.
Na sua trajetória para concentrarem poder na década de 1960, os militares encontraram alguma resistência por parte dos governadores civis que ajudaram a dar o golpe mas depois viram esfumarem-se suas ambições de chefiar o Executivo. Então, resolveram assegurar-se de que estes não contariam com tropas a eles leais.
O governador Adhemar de Barros, p. ex., até o último momento acreditou que a Força Pública impediria a cassação do seu mandato (tiraram-no do caminho acusando-o de corrupto --o que ele sempre foi-- mas, na verdade, porque não se conformava com o monopólio castrense do poder).
Então, nas Constituições impostas de 1967 e 1969, a ditadura fez constar da forma mais incisiva que "as polícias militares (...) e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército".
Na prática, seus comandos foram se subordinando cada vez mais aos das Forças Armadas; e as lições de tortura aprendidas de instrutores estadunidenses e aprimoradas nos DOI-Codi's da vida foram ciosamente repassadas aos novos pupilos. Daí a tortura ter continuado grassando solta, longe dos holofotes, depois da redemocratização do País, só mudando o perfil das vítimas (passaram a ser os presos comuns).
Além disto, a ditadura estimulou a absorção da civilizada Guarda Civil de São Paulo pela truculenta Força Pública (que atuava como tropa de choque em conflitos), instituindo a Polícia Militar. Vale notar que o decreto-lei neste sentido, o de nº 217, é de 08/04/1970, bem no auge do terrorismo de estado no Brasil.
Não é à toa que até o ano passado a Rota mantinha no seu site rasgados elogios ao papel que a corporação havia desempenhado na derrubada do presidente legítimo João Goulart.
* jornalista e escritor. http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com