O JULGAMENTO DAS HORDAS

Tenho uma filha de oito anos e outra que logo completará dois. Amo-as como só é capaz de amar um pai tardio, que precisou virar a existência pelo avesso para realizar um sonho de décadas. 

A morte de Isabella Nardoni foi tão chocante para mim como para qualquer pai digno desse nome. Incompreensível. Inaceitável. Inacreditável.

Mesmo assim, considerando-se a hipótese extrema, entre a absolvição dos que a mataram num momento de loucura maligna e sua condenação da forma como foi obtida, eu preferiria a primeira hipótese.

Pois, a investigação policial foi totalmente comprometida pelo vazamento à imprensa de informações que deveriam ter sido protegidas pelo segredo de justiça, criando tal prevenção contra o Casal Nardoni que não havia mais como se reunir em qualquer ponto do território brasileiro um júri sem opinião previamente formada sobre o caso.

É óbvio que a ÚNICA SOLUÇÃO CIVILIZADA teria sido a anulação do inquérito policial realizado a quatro mãos pela Polícia e pelo Jornal Nacional , recomeçando-se tudo da estaca zero.

O julgamento, por sua vez, teve lugar em meio a pressões extremas contra os parentes dos réus e seus defensores, conforme constatou o veterano comentarista político Jânio de Freitas, em sua antológica coluna Em torno do tribunal . Vale citar:

"Durante cinco dias, familiares dos réus (...) foram ferozmente assaltados por urros de 'assassinos, bandidos, criminosos', e mais os palavrões de praxe.

"Os advogados de defesa não se tornaram menos 'assassinos, bandidos, criminosos' e, além dos palavrões de praxe, ainda 'mercenários, vendidos, ladrões'. A eles não foi suficiente entrarem por portões secundários: também precisaram usar um carro diferente a cada dia, para fugir à agressão física iniciada, logo em sua segunda chegada ao fórum...

"Tudo sob a indiferença das autoridades políticas e policiais, todas com pleno acesso às cenas, ao vivo e em vídeos, de dia e à noite, da obsessiva TV. Não importa se indiferença por ignorância do sentido tão claro do que ali se passava, em relação às leis de direitos civis do Estado democrático (...); ou se indiferença feita de descaso e desleixo, do pior oportunismo, ou de contribuição deliberada à pressão sobre o julgamento em que a defesa questionava a eficiência policial. Em qualquer das hipóteses, o que resultou foi pressão. Física, até".

Os réus foram linchados juridicamente e os que lhes eram chegados quase foram linchados fisicamente.

Só me ocorre um paralelo: as hordas que respaldaram a ascensão do nazismo ao poder. Foi com tais práticas de intimidação explícita que se levou a Alemanha ao fanatismo e à truculência, com terríveis consequências para a humanidade.

O risco para a democracia brasileira, nesse precedente de brutal desrespeito aos direitos humanos, é grande demais.

Aceitarem-se vereditos incitados pela mídia e praticamente impostos pela turba é um preço alto demais a se pagar, seja pela ânsia de justiça de uns poucos, seja pelo furor vingativo da grande maioria -- pobres coitados que precisam de catarses selvagens porque não conseguem identificar seus verdadeiros inimigos, nem entender porque sua vida é tão insatisfatória.

*  Jornalista e escritor. Blogues:

http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/

http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

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