A morte de Isabella Nardoni foi tão chocante para mim como para qualquer
pai digno desse nome. Incompreensível. Inaceitável. Inacreditável.
Mesmo assim, considerando-se a hipótese extrema, entre a absolvição
dos que a mataram num momento de loucura maligna e sua condenação
da forma como foi obtida, eu preferiria a primeira hipótese.
Pois, a investigação policial foi totalmente comprometida pelo
vazamento à imprensa de informações que deveriam ter sido
protegidas pelo segredo de justiça, criando tal prevenção
contra o Casal Nardoni que não havia mais como se reunir em qualquer
ponto do território brasileiro um júri sem opinião previamente
formada sobre o caso.
É óbvio que a ÚNICA SOLUÇÃO CIVILIZADA teria
sido a anulação do inquérito policial realizado a quatro
mãos pela Polícia e pelo Jornal Nacional , recomeçando-se
tudo da estaca zero.
O julgamento, por sua vez, teve lugar em meio a pressões extremas contra
os parentes dos réus e seus defensores, conforme constatou o veterano
comentarista político Jânio de Freitas, em sua antológica
coluna Em
torno do tribunal . Vale citar:
"Durante cinco dias, familiares dos réus (...) foram ferozmente
assaltados por urros de 'assassinos, bandidos, criminosos', e mais os palavrões
de praxe.
"Os advogados de defesa não se tornaram menos 'assassinos, bandidos,
criminosos' e, além dos palavrões de praxe, ainda 'mercenários,
vendidos, ladrões'. A eles não foi suficiente entrarem por portões
secundários: também precisaram usar um carro diferente a cada dia,
para fugir à agressão física iniciada, logo em sua segunda
chegada ao fórum...
"Tudo sob a indiferença das autoridades políticas e policiais,
todas com pleno acesso às cenas, ao vivo e em vídeos, de dia e à noite,
da obsessiva TV. Não importa se indiferença por ignorância
do sentido tão claro do que ali se passava, em relação às
leis de direitos civis do Estado democrático (...); ou se indiferença
feita de descaso e desleixo, do pior oportunismo, ou de contribuição
deliberada à pressão sobre o julgamento em que a defesa questionava
a eficiência policial. Em qualquer das hipóteses, o que resultou
foi pressão. Física, até".
Os réus foram linchados juridicamente e os que lhes eram chegados quase
foram linchados fisicamente.
Só me ocorre um paralelo: as hordas que respaldaram a ascensão
do nazismo ao poder. Foi com tais práticas de intimidação
explícita que se levou a Alemanha ao fanatismo e à truculência,
com terríveis consequências para a humanidade.
O risco para a democracia brasileira, nesse precedente de brutal desrespeito
aos direitos humanos, é grande demais.
Aceitarem-se vereditos incitados pela mídia e praticamente impostos
pela turba é um preço alto demais a se pagar, seja pela ânsia
de justiça de uns poucos, seja pelo furor vingativo da grande maioria
-- pobres coitados que precisam de catarses selvagens porque não conseguem
identificar seus verdadeiros inimigos, nem entender porque sua vida é tão
insatisfatória.
* Jornalista e escritor. Blogues:
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/