Panfleto
do CCC pregando o golpe contra
João Goulart: terá sido escrito por Casoy?
Na noite desta 3ª feira (5), as dezenas de postagens no YouTube referentes aos comentários que o apresentador Boris Casoy inadvertidamente fez sobre os garis no Jornal da Band já haviam sido vistas 2,5 milhões de vezes.
Só a mais assistida estava na casa de 940 mil hits. Casoy
realmente bombou na Web... só que da forma mais negativa possível.
Se alguém ainda não sabe, o noticioso levou ao ar saudações
de Ano Novo de dois simpáticos garis: um senhor branco com cabelos já grisalhos
e um negro na faixa de 40 anos. Causaram ótima impressão, com
seu ar digno e uma alegria que não parecia forçada.
Depois, enquanto eram exibidas vinhetas, ouviu-se a voz de Casoy no fundo,
comentando com a equipe:
"Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala de trabalho!"
No dia seguinte, a mando da TV Bandeirantes, Casoy pediu "profundas
desculpas aos garis e aos telespetadores da Band" pelo que escutaram em
razão de um "vazamento de audio" (na verdade, só ouviram
isso porque ele disse...).
Fê-lo, entretanto, de maneira burocrática e pouco convincente,
não aparentando estar nem um pouco arrependido do desprezo aristocrático
que manifestou pelos trabalhadores humildes.
Lembrei-me da rainha Maria Antonieta recomendando aos pobres que, se não
tinham pães, que comessem bolos. Perdeu a cabeça. Casoy teve
mais sorte, só quebrou a cara...
Fiquei matutando sobre o destino e seus contrapesos. Às vezes a mesma
pessoa é brindada com a sorte grande num momento e tira o azar grande
adiante. Ou vice-versa.
UM JUDEU COM A SUÁSTICA DO CCC
Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito
cedo.
Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos
23 anos, Casoy era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça
aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais.
Para quem não sabe, o CCC foi uma organização terrorista
de ultradireita que, depois de integrar o esquema golpista que derrubou o governo
legítimo de João Goulart, atuou como força auxiliar da
ditadura, sem vínculo formal com o regime militar, mas praticando impunemente
as maiores barbaridades, como a vandalização do teatro Ruth
Escobar e espancamento dos atores da peça "Roda Viva"; a explosão
da bomba no Teatro Opinião do RJ; o seqüestro e assassinato do
padre Antonio Pereira Neto, no Recife; o assassinato de um secundarista na
chamada “guerra da rua Maria Antônia”; a invasão da PUC/SP, com
o apoio da Polícia Militar, etc
Nos idos de 1964, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista Cruzeiro como
membro destacado da juventude anticomunista.
O jornalista, escritor e poeta Raul Longo fez a gentileza de me enviar dados complementares, segundo os quais o CCC também adotava como símbolo a suástica. Segundo ele, este detalhe fez Casoy, de origem judaica, tornar-se malvisto no clube A Hebraica. Alguns frequentadores chegaram a xingá-lo de "nazista", sendo depois emboscados e espancados, sem que se identificassem os agressores.
A quartelada beneficiou Casoy, claro: foi homem de imprensa de um ministro
do Governo Médici e do secretário da Agricultura de SP, Herbert
Levy, outra figurinha carimbada da direita.
Mas, nem tinha texto de qualidade superior, nem era uma figura agradável
na telinha, portanto estava direcionado para uma carreira mediana no jornalismo,
não fosse uma moeda que caiu em pé.
HOMEM DE CONFIANÇA DO II EXÉRCITO
Isto aconteceu quando o comando
do II Exército aproveitou uma frase
imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem
na estátua de Caxias) para intervir na Folha de S. Paulo .
Os militares exigiram a destituição do diretor de redação
Cláudio Abramo (trotskista histórico), o afastamento de alguns
profissionais (demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial.
O proprietário Otávio Frias, que sempre se definiu como comerciante
e não jornalista, negociou. Servil, aceitou até substituir Abramo
por um homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy, que editava
o Painel (coluna sobre os bastidores políticos), então
um espaço dos mais secundários no jornal.
Igualmente secundário era Casoy para os leitores da Folha e
para os próprios militantes/simpatizantes da esquerda. Suas posições
fascistóides eram ignoradas pela maioria.
Aí, como diretor de redação, calhou de ser ele o principal
defensor do jornal num episódio de reação à censura.
Ou seja, sob palco iluminado, o lobo teve seu momento de cordeiro, o caçador
de comunistas maquilou sua imagem para a de defensor da liberdade de expressão!
Sua carreira deslanchou. Depois de comandar a redação da Folha por
sete anos (saiu para dar lugar ao filhinho do patrão), voltou a editar
a coluna Painel , cuja importância crescera nesse interim.
Finalmente, tornou-se conhecido pelo grande público como apresentador
do telejornal Brasil do SBT, entre 1988 e 1997.
Novamente os fados o bafejaram. Numa emissora que investia pouco em jornalismo
e não tinha reportagens para mostrar que, quantitativa e qualitativamente,
chegassem nem perto das exibidas pela Rede Globo, o jeito foi deixar crescer
o espaço do apresentador.
BORDÕES, POPULISMO E JUSTIÇA ILUSÓRIA
Casoy pôde, assim, atuar como um âncora à moda dos EUA,
fazendo comentários catárticos sobre episódios de corrupção
política (principalmente) que eram concluídos com um ou outro
de seus bordões habituais: "Isto é uma vergonha!" é "É preciso
passar o Brasil a limpo!".
Ou seja, para telespectadores da classe "C" e "D", ele
passou a personificar o justiceiro que atirava a verdade na cara dos
poderosos.
É um público que, em sua ingenuidade, valoriza desmesuradamente
essa justiça retórica e ilusória, sem perceber
que, depois do desabafo, continua tudo na mesma...
Assim, por novo golpe do destino, um comunicador azedo conquistou a simpatia
dos pobres e dos muito pobres, ao expressar seu inconformismo impotente face às
agruras que os atingem e eles são incapazes de compreender em toda sua
extensão.
É fácil canalizar seu justo ressentimento contra os políticos
desonestos . Tanto quanto é conveniente, para os poderosos, mantê-los
na ignorância de que o maior vilão em suas sofridas existências
atende pelo nome de capitalismo.
Servindo tão bem os interesses do sistema, Casoy atravessou as duas últimas
décadas como um aclamado populista televisivo de direita.
Só teve alguns percalços ao exagerar na dose contra o Governo
Lula, mas seus pés de barro continuaram, tanto quanto possível,
ignorados pelo grande público.
Agora, um acaso revelou ao Brasil inteiro que indivíduo insensível
e preconceituoso é, na verdade, Boris Casoy.
Alguns viram este episódio como um exemplo da justiça divina
em ação. Quem sabe?
* Jornalista e escritor, mantém os blogues
http://naufrago-da-utopia.blogspot com
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com