Como jornalista, aprendi que nada é impossível.
Então, depois de ler, estarrecido, o texto no qual o cientista político
Cesar Benjamin acusava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/ fc2711200908.htm)
de lhe haver relatado uma tentativa de estupro que teria cometido em 1980,
resolvi esperar a evolução do caso antes de condenar inapelavelmente
quem um dia foi herói deste sofrido país.
Mas, a minha avaliação inicial foi das mais negativas. Dai haver
afirmado claramente, em artigo escrito de batepronto (http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/11/ sobre-sexo-e-politica.html),
que o relato de Benjamin, da forma como foi apresentado, lhe valeria uma condenação
como caluniador em qualquer tribunal.
Algo assim só seria aceitável com a corroboração
da suposta vítima ou, pelo menos, das outras pessoas que ele afirmou
estarem presente na conversa.
Nas edições subsequentes, a Folha de S. Paulo nada
acrescentou que verdadeiramente respaldasse a versão de Benjamin --
o qual não se manifestou, sequer.
E as reações vieram em cascata:
- o publicitário Paulo de Tarso da Cunha Santos, citado por Benjamin, afirmou que "o almoço a que se refere o artigo de fato ocorreu", que "o publicitário americano mencionado se chamava Erick Ekwall", e que não houve "qualquer menção sobre os temas tratados no artigo";
- ex-companheiros de cela de Lula no Dops, José Maria de Almeida (PSTU), José Cicote (PT) e Rubens Teodoro negaram a tentativa de estupro, tendo Almeida acrescentado que não havia ninguém do Movimento pela Emancipação do Proletariado na cela e Cicote se lembrado vagamente de que um sindicalista de São José dos Campos seria apelidado de "MEP";
- Armando Panichi Filho, um dois dois delegados do Dops escalados para vigiar Lula na prisão, disse nunca ter ouvido falar disso e não acreditar que tenha acontecido, mesmo porque, segundo ele, nem sequer havia "possibilidade de acontecer”;
- o então diretor do Dops Romeu Tuma também desmentiu "qualquer agressão entre os presos";
- o Frei Chico, um dos irmãos do presidente Lula, lembrou que a cela do Dops era coletiva e que nunca Lula ficou sozinho, pois estava preso com os outros diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (Rubão, Zé Cicote, Manoel Anísio e Djalma Bom);
- Lula, de acordo com o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto de Carvalho, teria ficado triste e abatido, afirmando que isso era "uma loucura".
A Veja , como era previsível, correu a magnificar o patético episódio -- tanto que acabou descobrindo quem seria a suposta vítima (http://veja.abril.com.br/021209/ triste-abatido-p-079.shtml). Trata-se de João Batista dos Santos, ex-metalúrgico que morou e militou em São Bernardo. Dignamente, ele bateu com a porta na cara da revista, mandando um amigo dizer que "quem fez a acusação, que a comprove”.
Despeitada, a Veja fez questão de acrescentar que João "há cerca de três anos, ganhou uma indenização da Comissão de Anistia e foi viver em Caraguatatuba, no Litoral Norte de São Paulo", como se isto desqualificasse seu posicionamento.
TENDLER: BENJAMIN FEZ JUS AO TROFÉU DE "LOIRA DO ANO"
De tudo que foi publicado, quem trouxe mais luzes para a compreensão do imbroglio foi o cineasta Silvio Tendler, participante do encontro cujo nome Benjamin disse ter esquecido.
A coluna da Mônica Bergamo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ ilustrad/fq2811200906.htm) fez uma rápida menção ao esclarecimento de Tendler, registrando que ele recomendara jocosamente a outorga a Benjamin do "troféu de loira [burra] do ano" por não haver entendido "uma brincadeira, como outras 300" que o Lula fazia todos os dias.
Mas, a Folha ficou devendo a seus leitores o relato completo do cineasta (http://terramagazine.terra.com.br/interna/ 0,,OI4126783-EI6578,00-Tendler+ So+um+debil+mental+nao+viu+que+era+piada+do+Lula.html). que praticamente pulverizou seu factóide. Vide estes trechos:
"O Lula adorava provocar... era óbvio para todos que ouvimos a história, às gargalhadas, que aquilo era uma das muitas brincadeiras do Lula.
"Todos os dias o Lula sacaneava alguém, contava piadas, inventava histórias. A vítima naquele dia era o marqueteiro americano. O Lula inventou aquela história, uma brincadeira, para chocar o cara.
"Como é possível que alguém tenha levado aquilo a sério? Só um débil mental, um cara rancoroso e ressentido como o Benjamin, guardaria dessa forma dramática e embalada em rancor, durante 15 anos, uma piada, uma evidente brincadeira."
Balanço final:
- a tentativa de estupro em 1980 não foi confirmada por ninguém, nem mesmo pela suposta vítima;
- Lula parece haver feito em 1994 uma piada de mau gosto, como tantas outras que marcam sua trajetória de falastrão contumaz.
O certo é que não havia sustentação para a Folha publicar, p. ex., uma reportagem a este respeito. Não se lança uma acusação de tal gravidade contra um presidente a partir de tão pouco.
Concedeu, entretanto, uma página inteira para Benjamin colocar essa bobagem em circulação, municiando a propaganda direitista.
O flagrante desrespeito às boas práticas jornalísticas foi admitido pelo ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ ombudsma/om2911200902.htm ), ao concordar com a observação de um leitor, segundo quem "não há outra opção ao jornal que publica artigo tão impactante quanto o de César Benjamin que a de, com suas equipes, tentar reconstituir os fatos narrados pelo autor".
Com a correção e a dignidade que o caracterizam, mas (perceptivelmente) sem poder dizer tudo que gostaria, o ombudsman fixou a posição correta:
"...é indispensável oferecer ao outro lado espaço e destaque similares para defender pontos de vista opostos aos do artigo de sexta-feira. O ideal seria a apuração factual dos eventos relatados e os argumentos contraditórios saírem com o artigo".
Sem motivo nenhum para ser comedido, afirmo: jornalisticamente, a atuação
da Folha é indefensável, desprezível, manipuladora.
Desceu aos esgotos, repetindo o episódio em que usou outro bobo útil
de esquerda para tentar envolver a ministra Dilma Rousseff com um plano para
sequestrar Delfim Netto que nunca saiu do papel (de quebra publicando, para
denegri-la, uma ficha policial falsa que circulava na internet).
Ou seja, a fábrica de factóides da rua Barão de Limeira está especializando-se em manipular episódios obscuros para afixar etiquetas falaciosas em personagens políticos: Dilma Rousseff, sequestradora; Lula, estuprador.
Agora, a propaganda enganosa da direita vai martelar essas acusações mentirosas até que passem por verdade, como ensinava Goebbels.
Cesar Benjamin, que não é um ingênuo, jamais deveria ter-se
prestado a um papel desses.
Agora, ou ainda vem a público, com enorme atraso, comprovar sua
acusação, ou estará definitivamente morto para a política.
Quanto à Folha , já morreu para o jornalismo faz tempo.
* Jornalista e escritor, mantém os blogues
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/