“A arte feita pelo povo pobre do Brasil é a arte popular”. O ponto de vista é do criador do Movimento Armorial, o professor, dramaturgo e romancista Ariano Suassuna, autor de várias peças, entre elas o Auto da Compadecida (escrita em 1955), atualmente o mais autêntico defensor da cultura popular brasileira, que vem ensinando o jovem, dando apoio e valorizando as manifestações do povo, notadamente, nordestino. Povo este que ele chama de 4º. Estado, ou seja, os ‘analfabetos' que aprenderam sem a escola institucional, os desempregados, os que não têm amparo nenhum das instituições públicas, os que não têm espaço na mídia burguesa, o povo humilde, mas alegre, que está nas ruas, nas praças públicas, lutando e vencendo os preconceitos e obstáculos, gente autêntica que cria sem se importar com as conseqüências.
É também o que ele classifica de Brasil Real, ou seja, uma população que não tem nada a ver com o Brasil Oficial. A convite, o professor Ariano Suassuna viaja Brasil afora promovendo palestras principalmente para estudantes de todos os níveis, para falar da cultura popular brasileira e quando ele faz uma perfeita distinção sobre os dois brasis: o oficial e o real. Didático, ele vai buscar na clássica Revolução Francesa (o movimento burguês), os fundamentos para conceituar o caráter puro do povo brasileiro. Conforme Ariano Suassuna, o popular no Brasil não é o que vem do “povo”, numa análise em que se “considera os termos da revolução francesa”. Ou seja, naquela época, existiam três classes sociais, ou melhor, três Estados: A nobreza, o clero e o povo, este último (o que promoveu a revolução - a burguesia) formado de fabricantes, mercadores, artistas e também do proletariado (operários e campesinato) classe que estava emergindo.
O Quarto Estado
O
povo brasileiro é outra classe — o 4º Esatado — já conceituada, e suas
expressões culturais se manifestam com os cantadores nordestinos,
violeiros, repentistas, os escritores de cordel, gravadores em madeira
entre outros artistas plásticos. Levando o pensamento do professor
Suassuna para o viés político, podemos considerar que o povo brasileiro
não fez a sua “revolução francesa”, quer dizer, o puro, o original, o
que é nosso, o autêntico, a cultura brasileira continua marginalizada,
sem espaço e sem chance, como há séculos. Despercebida pelo Estado nos
guetos, no interior, onde a mídia eletrônica ainda não predomina, e nos
logradouros públicos abandonados nos grandes centros urbanos, para onde
convergem nordestinos e pobres de todas as raças e nacionalidades como
na feira dos nordestinos no Rio de Janeiro.
Fazendo
questão de lembrar Machado de Assis, que “em 1861 escreveu um artigo em
que dizia que no Brasil existem dois países: o oficial e o real”, o
escritor afirma que o “Brasil oficial é claro, é o país dos
privilegiados, dos brancos”. E o Brasil real é “dos mais pobres, dos
mais escuro, dos mestiços, e é esse povo do Brasil real que faz a arte
popular”. Lembra ele, que Machado de Assis dizia: “O país oficial é
caricato e burlesco, o real é bom e revela os melhores instintos”.
Indagado se esta arte seria a do negro e do índio, ele responde: Do
negro, do índio, do português pobre, inicialmente, e depois do espanhol
pobre, do judeu e do árabe pobres depois, e vieram outras etnias, mas
os primeiros foram o negro, o índio e os ibéricos... O povo do Brasil
real é integrado de negros, índios e mestiços de brancos pobres”.
Esclarecedor, Sussuana sugere a quem quiser ver o Brasil Oficial ir a
um banco, Federação das Indústrias, palácios de governos, associações
comerciais, onde há os monumentos das elites. Mas o povo “continua
exilado ou nos arraiais e assentamentos do campo ou em favelas urbanas”.
Esta situação de exclusão, de humilhação do povo, conforme Ariano
Suassuna, vem desde o descobrimento do Brasil. Segundo ele, “os
portugueses quando aqui chegaram colocaram os outros dois povos (negro
e índio) a seus serviços. A partir daí caminhou uma cultura oficial e
outra cultura popular”. Para ele, a mesma questão do ponto de vista
cultural, se aplica na política. “Os cargos políticos e burocráticos
são de brancos ou mais brancos,... de negro é pequeno”, lembra. E é
esta burocracia que satisfez a burguesia nacional e a acomodou,
distanciando-a dos ideais, como nação, e excluiu os demais.
Resistência
Mas
se a burguesia nacional se deixou levar pelas ofertas do imperialismo e
não promoveu a democracia brasileira, nem tudo está perdido para o
povo. Suassuna lembra que “apesar dessa injustiça secular, o povo do
Brasil real revela uma capacidade de resistência enorme, apesar de
todas as deformações, de toda marginalização, eles mantêm uma cultura
própria, que tem uma energia e vitalidade que a mim deixa espantado”.
Continuando, o professor de estética diz: “Veja a alegria que está à
vista, a vitalidade e a energia da cultura negra no Brasil. São 500
anos de dominação, de exploração e de marginalização e continua
mantendo sua alegria, mantém essa festa do povo brasileiro, que é uma
coisa que eu admiro”. Conforme o escritor, “eles tinham todo o direito
de ser ressentidos e amargos, mas não são, eles têm uma arte vital, uma
dança bela, uma música bela, e em torno dessa arte eles organizam uma
festa, e a vida é como uma festa, mesmo passando a maior dificuldade”.
Para Ariano Suassuna o imperialismo “sempre foi e continua sendo” o
entrave maior para a libertação das massas. Respondeu que “a essas
potências que dominam o povo, não interessa que exista cultura peculiar
e singular em cada nação, porque o povo que tem a sua cultura resiste
mais bravamente à invasão política, militar, econômica e cultural que
eles estão realizando de modo claro ou disfarçado”. O professor alerta
sobre a dominação imperialista afirmando que “eles querem que todo
mundo se vista do mesmo jeito, fale do mesmo jeito e grite do mesmo
jeito. É porque uma nação que passa a adotar essa espécie de “esperanto
cultural”, é muito mais fácil de ser absorvida”.
Critica que a mídia tem o seu papel negativo nesse aspecto. “Se desse
um pouquinho de ajuda a situação seria outra; a música nordestina, a
música do Brasil real não tem espaço; cantadores como se ve no Ceará
não são promovidos”. Mas mesmo assim ele não dá importância à questão
comercial, que os meios de comunicação premiam certos autores. Faz uma
comparação entre o êxito do artista nato com o sucesso comercial via
promoção da mídia: “Êxito é muito mais importante”, acrescenta e
continua: “A mídia faz o sucesso, mas o sucesso não tem importância”, e
cita o exemplo de uma dupla de irmãos jovens cantores que estão nas
paradas musicais, com muito mais fama do que Euclides da Cunha, “mas o
livro de Euclides da Cunha já tem 100 anos de pleno êxito... com mais
de cem edições”.
Sobre o mais consagrado escritor do Brasil, Ariano Suassuna disse que a
Guerra de Canudos “foi o movimento mais significativo da história
brasileira... Porque ali, pela primeira vez, surgiu uma comunidade que
foi organizada pelo próprio povo, tiveram um líder popular, Antônio
Conselheiro, que se organizou de acordo com o que podia ser, sem
imposições, sem interferência de cima e nem de fora, nem deformação. Na
minha opinião, qualquer político brasileiro tem a obrigação de estudar
o movimento de Canudos. Ali o povo do Brasil real se organizou ,
levantou a cabeça, mas veio o Brasil Oficial e cortou a cabeça do seu
irmão”.
Realista esperançoso
O
professor Ariano Suassuna diz ser um realista esperançoso. Indagado
sobre a situação atual do Brasil e o quadro geral das artes no país ele
responde com tranqüilidade: “Olhe. Não sou iludido e nem amargo”. Muito
pelo contrário, já sabemos que o professor Suassuna vem recebendo
aplausos em todo o Brasil, de norte a sul ele vem despertando inclusive
entre adolescentes, em suas palestras, a consciência e a valorização da
cultura brasileira. Vem renovando os ânimos de estudantes, de artistas
e do povo em geral por onde passa. No mês de setembro foi homenageado
no Ceará, durante uma bienal internacional de livros. Falou de
improviso durante mais de uma hora, para um público que lotou um salão
também improvisado, recebendo aplausos e sendo prestigiado durante toda
a noite, respondendo a perguntas e autografando livros.
“A juventude, quando nota que a gente não é um impostor, quanto nota
que a gente está falando a verdade, acredita... Eles ouvem e
prestigiam”. São tantos os convites que o professor recebe para fazer
palestras e dar aulas sobre esses temas que ele se sente cansado, mas
não tem se recusado a nenhum, só lamenta não ter mais tempo para dar
continuidade a sua arte de escritor e concluir um livro que pretende
lançar brevemente.
Mostra-se contente em saber que o Movimento Armorial, lançado
oficialmente há mais de 30 anos, está em evidência e nos últimos anos
vem ganhando adeptos em todo o Brasil. Mostra com satisfação um CD que
acaba de receber, gravado pôr um grupo de alunos do Ensino Fundamental
de uma escola da Paraíba. São jovens que estão “se infileirando no
movimento que continua muito vivo”, concluiu.
Movimento Armorial
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Outras Opiniões
Existe um popular real e um oficial
O
professor Ariano Suassuna comenta que as pessoas “dizem que eu e outros
romancistas fazemos arte popular, eu não acho. O que eu faço é
literatura com base na arte popular. Mesmo Machado de Assis, que teve
origem humilde, nem Jorge Amado, nenhum de nós faz literatura popular.
A literatura popular verdadeira é essa feita pelo povo do Brasil real,
do povo do quarto Estado, os cordelistas.
Na música,
diz que “não gosto de usar o termo música popular brasileira, porque
essa terminologia é equivocada, porque é a música feita pela classe
média. Não é música popular, é música, às vezes boa, como no caso de
Chico Buarque, mas não é música popular. Música popular é a música dos
cantadores, dos trovadores de rabeca, essa que é música feita pelo povo
e que é a verdadeira música popular.”
“Na arte plástica temos as gravuras em madeira que ilustram as capas
dos folhetos de cordel... Esses são os verdadeiros artistas plásticos
do Brasil, com grandes gravadores como J. Borges e José Costa Leite.
São as esculturas de G TO (Geraldo Teles de Oliveira), homem do povo,
esse grande escultor. E em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, existe uma
casa feita por um grande arquiteto brasileiro popular (Gabriel Joaquim
dos Santos), um negro, um homem do povo, ele fez uma casa chamada a
casa da flor, uma obra prima da arquitetura brasileira, um exemplo para
os arquitetos brasileiros de formação universitária”.
Indagado se o futebol no Brasil é real ou oficial, o professor
respondeu: “Depende do ângulo que você olha. Se você olha a organização
do futebol, a CBF, não sei nem se é esse o nome, é Brasil oficial. Se
olha as pessoas que organizam, também é Brasil oficial; agora os
jogadores em suas quase totalidade vem do Brasil real”.