E deve-se, no caso, dar razão ao educando, pois Machado é insuportavelmente inadequado para a idade. Seu vocabulário e suas construções frasais são vetérrimos, herméticos e sua filosofia inalcançável para tão incipiente formação. Os incautos mestres querem que a criança tome a bicicleta pela primeira vez e já saia pedalando com destreza. É preciso que se coloquem aquelas rodinhas laterais até que o novo ciclista aprenda a se equilibrar. Assim, um dos melhores livros de toda a literatura brasileira é o Escaravelho do Diabo, se lido aos 10 anos de idade.
Linguagem rasteira e ilustrações ajustadas
Em descompasso com o aluno, a escola teima no ensino
cronológico das correntes literárias e respectivas obras. Mais proveitoso seria
começar pela literatura contemporânea, até que um dia ele se interessasse por
texto cheirando a mofo – cantigas de amigo e maldizer.
Mas há coisa pior:
despreparados professores usam a leitura como instrumento de coação. Alguns,
para recobrarem a disciplina e a ordem da sala, ameaçam seus alunos com
atividades de leitura. O resultado é previsível.
Em suma, a criança e o
adolescente não lêem porque a escrita é intragável. A começar pelo vocabulário,
embaraçoso, incompatível com sua deficitária formação escolar.
Os
dicionários são labirintos de linguagem floreada-pós-PhD, tão exatas e
esclarecedoras quanto os poemas de Cruz e Souza. O aluno de 5ª série que se
aventura a buscar um conceito no pai-dos-burros sai dali convicto de que o livro
é mais burro do que pai. O verbete procurado é definido por um emaranhado de
palavras mais difíceis do que aquela que ele procurava. A experiência
assemelha-se à saga de um analfabeto que vive o burocrático jogo de empurra numa
dessas destroçadas repartições públicas. Dessa consulta, ele só sai doutor em
pingue-pongue. As editoras ainda não entenderam o que é dicionário
verdadeiramente escolar: linguagem rasteira e ilustrações ajustadas ao
prin-ci-pi-an-te.
"De boa, véi"
Os pais dão sua contribuição: são
o melhor exemplo do que não se deve fazer. Prostram-se mudamente diante da TV e
dali só saem para dormir. Desconhecem que um dos melhores métodos de ensino e
aprendizagem chama-se imitação. As crianças copiam o que vêem, ou melhor, o que
não vêem. Se não flagram seus pais degustando um bom livro, não repetirão a
experiência.
Mas a medalha de ouro cabe à imprensa. Autora dos mais
ferozes ataques, ela insiste em tachar o estudante de alienado e de
restringir-se a conteúdos acríticos, como horóscopo e futebol. Essa limitação é
verdadeira e explicável: não existem publicações infanto-juvenis palatáveis
sobre economia e política. Em que pesem as críticas da mídia, não se sabe de
jornal que dialogue com a turma.
Os jornalistas, não obstante
celebérrimos profissionais, desconhecem a regra mais elementar da comunicação: o
texto deve se ajustar à língua de quem o recebe, pelo menos por algum tempo. Os
fatos político-econômicos, principalmente, são apresentados tão-somente na
perspectiva adulta. Esse desajuste não permite às vítimas do caos do ensino
reconhecerem qualquer identidade com seu grupo social. Parece que tais
acontecimentos afetarão exclusivamente o mundo adulto. A imprensa não se
preocupa em traduzir o periódico para a língua escolar. Assim, para o
adolescente, não há aplicação prática das informações em seu cotidiano. O
estudante sequer entende o que está sendo noticiado. "De boa, véi, num rola não.
Tipo assim... nem sei, fraga?"
Um jornal escolaaaar!
Habituados a
elogios de colegas e de respeitadíssimos intelectuais, os jornalistas ou mesmo
escritores não têm consciência de que suas obras de arte são modorrentas
leréias. O leitor é excluído porque não dispõe de instrumento para decifrar tão
enigmática composição. É como se ela estivesse redigida em japonês arcaico de
trás para frente.
O jornalismo sério não aceita se rebaixar ao nível do
incipiente leitor, tampouco demonstra paciência com seu desenvolvimento. A
imprensa precisa, no entanto, descer do pedestal e ir ao encontro daquele que
pretende como leitor. É preciso conquistá-lo, seduzi-lo, "mascá um 171". É
necessário formar seu gosto.
Mundo adulto, é preciso um jornal
escolaaaar! Sei da tentativa bem intencionada de um jornal de grande circulação,
no entanto o colorido e a meia dúzia de gírias não foram suficientes para
agarrar os teens. É preciso recorrer a profissionais de outras áreas: pedagogos,
psicólogos, educadores, bem como a jovens talentos jornalísticos inatos. Só
assim será possível a resposta:
– Aí! De-mo-rô,
meu.
(Envolverde/Observatório da Imprensa)