MAIS RESPEITO COM AS CHUTEIRAS IMORTAIS!

No pé de uma coluna dominical dedicada à repetição da reprise da enésima temporada do déjà vu... ou seja, à CPI do Cachoeira, Jânio Freitas colocou um breve registro futebolístico que serve como bom motivo para ele desistir, de uma vez por todas, de impregnar o esporte com o mau humor dos comentários políticos.
Acusa a cúpula da Seleção Brasileira --o próprio Paulo Machado de Carvalho?-- de haver subornado o bandeirinha uruguaio da semifinal para que ele se contradizer no julgamento de Garrincha, evitando que o grande Mané ficasse suspenso para a final contra os checos:

"...o inocente Garrincha deu um poderoso pontapé no traseiro do chileno Rojas. A bola estava longe, e com ela o juiz. Mas o bandeirinha estava perto, viu e alertou o árbitro. Garrincha, com dois gols no jogo, estrela considerada decisiva no time, foi expulso. Julgado na véspera da decisão com a Tcheco-Eslováquia, para grande surpresa foi absolvido. Graças ao depoimento, ainda mais surpreendente, do bandeirinha testemunha, o uruguaio Estéban Marino.
O comando da seleção entrou em campo que não era o de futebol. Estéban Marino disse, sobre seu depoimento, que 'tirou um peso da consciência'. Mas pôs na consciência e em outros lugares as provas antecipadas de um futuro despreocupado".
Para começar, Marino não se contradisse. Apenas, com sua participação no Mundial já encerrada, embarcou às pressas para seu país e, por  descuido, levou a súmula junto com a bagagem... Então, por falta de provas, nosso lendário ponta-direita foi absolvido.
De resto, é isto o melhor que Jânio de Freitas tinha para escrever sobre o cinquentenário de uma conquista maravilhosa?!
Seria bem melhor ter lembrado a incrível metamorfose de Garrincha, que, considerado quase um débil mental (como se dizia na época), foi capaz não só de perceber que, com a contusão de Pelé na segunda partida brasileira no Mundial, cabia a ele carregar o ataque  canarinho nas costas, como de cumprir 100% tal missão, passando a atuar de forma extremamente objetiva, ao invés de chamar os adversários para a dança.

Eu, que conhecia por alto essa história do suborno, prefiro é recordar a mais incrível defesa que já vi na vida, evitando que o Brasil fosse eliminado pela Espanha nas oitavas-de-final, pois já perdia por 1x0 e seria praticamente impossível reverter um placar negativo maior: Gilmar estava tombado perto da marca do pênalti, o genial ponta-esquerda Gento chutou por cobertura e nosso goleiro conseguiu, pressionando a mão direita contra o solo, ganhar impulso para alçar-se em sentido vertical e dar um tapa na bola com a mão esquerda. Parecia um golfinho saltando da água para apanhar o peixe na mão do treinador.  Meninos, eu vi!
Na mesma --dramática-- partida contra a  Fúria, Garrincha prendia a bola na intermediária, aos 40 minutos do 2º tempo de um jogo que estava empatado e precisávamos ganhar. O locutor Valter Abrão não poupava críticas ao egoísmo do Mané --o qual, num repente genial, conseguiu finalmente desvencilhar-se dos marcadores e alçar um centro milimétrico para o desmarcado Amarildo garantir a vaga brasileira. Meninos, eu vi!
E dá-lhe mais Garrinha! Como pôde um jogador cuja perda esquerda era nitidamente menor do que a direita e só lhe servia como apoio, apanhar um rebote na meia-lua e, com aquela  perna cega que nunca utilizava para arremates, acertar um chute forte, bem no ângulo da meta chilena?! À quase impossibilidade física de ele fazer o que fez soma-se o despropósito de tê-lo feito, simplesmente, numa SEMIFINAL DE COPA DO MUNDO!!!
Quanto ao pote de ouro que Estéban Marino encontrou no fim do arco-íris, não alterou em absolutamente nada o desfecho da Copa, pois o Mané esteve em jornada apagadíssima e não protagonizou nenhum lance decisivo dos 3x1 sobre os checos.
Ao contrário do que sucedeu, p. ex., no desfecho do Mundial seguinte, quando o tento que abriu caminho para a conquista inglesa, na prorrogação contra a Alemanha, simplesmente inexistiu: a bola bateu no travessão e quicou aquém da linha de gol. Num caso destes, sim, a  ocorrência suspeita tem de ser sempre destacada.

Do blogue Náufrago da Utopia

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