Os assaltos são sucessivos, não se tem garantia de nada, mata-se por qualquer bobagem. A droga comanda as ações desses celerados. Vivemos num país com enormes desigualdades sociais, com altos índices de desemprego e não se espere que não tenhamos um preço a pagar por isso.
Uma das realidades mais tristes do nosso país é a verificação de que se trata mesmo de uma nação de muitos contrastes. Cidades desenvolvidas e com um nível de vida apreciável convivem com outras, totalmente desassistidas, onde a pobreza, a ignorância, a violência e a miséria fazem parte de seu cotidiano.
Os próprios governantes brasileiros reconhecem que, em virtude da incidência de muitos crimes, os governos são obrigados a dedicar grandes somas às polícia e ao sistema judiciário. Melhor fariam, é claro, se pudessem colocar esses recursos para melhorar o atendimento educacional, oferecendo uma solução de raiz, que falta ao Brasil.
Não pode haver indiferença do Estado, enquanto cresce essa lamentável criminalidade. Se o cidadão fica responsável pela sua própria defesa, fazendo justiça por conta própria, com a privatização do poder de polícia, corremos o risco de uma guerra civil. Não é isso que se deseja - e certamente a solução passa por uma educação de boa qualidade estendida a todos.
Nas grandes cidades brasileiras, vidas são sacrificadas por balas perdidas, o tráfico tornou-se uma atividade quase oficial, tamanha a estrutura hoje existente do que se convencionou chamar de crime organizado.
Armas são roubadas para coonestar uma ação que se estende de forma tentacular. Qual a solução para esse quadro dramático?
O exercício pleno da autoridade, que se tem omitido de forma lamentável, e uma ampla campanha de esclarecimento para a população do Rio de Janeiro. De outra forma, estaremos caminhando para o sacrifício de toda uma geração.
Enquanto as rãs coaxam, assiste-se à discussão pública em segurança em torno da implantação de penitenciárias de segurança máxima, em vários pontos do país. Enquanto se pensa na segurança máxima, a preocupação com a educação é mínima, reduzida a questões burocráticas.
Enquanto isso, não há uma solução à vista para a crise de menores carentes, que são 3 milhões em São Paulo e Rio de Janeiro. Pior ainda é a situação dos menores abandonados, cerca de 230 mil.
O que se pode esperar desses meninos de rua? O assistencialismo oficial protege meia dúzia deles, mas o número é impressionante e a falta de perspectivas é total. Não há escolas suficientes, não há empregos em nível intermediário, não há valores familiares a cultuar, só resta a marginalidade, com todo o seu séquito de problemas a serem enfrentados pela nossa assustada sociedade.
Um jornal de São Paulo, deu-se o luxo de fotografar, durante dias seguidos, a operação de alguns desses meninos num movimentado trecho dos Jardins. Eles se constituem em bando, onde sempre aparece um maior para orientar os roubos ou furtos, vitimando distraídos motoristas em plena Avenida Brasil.
Conversei com uma autoridade policial e a explicação veio com muita objetividade: não adianta prender, pois eles são "de menor", e logo serão soltos para reiniciar a sua faina. Detalhe apavorante: têm a média de 10 anos e, nas conversas, revelam um precoce e triste desprezo pela vida humana.
Estão fazendo vestibular para se tornar os grandes assaltantes de amanhã. Sob as vistas complacentes das autoridades e até mesmo de muita gente fina da nossa melhor sociedade, que acha tudo isso natural numa democracia.
Um aspecto que é preciso enfatizar: a grande maioria dos delinquentes infanto-juvenis provém de lares desfeitos ou que jamais se constituíram como tal. Quando se luta para que a educação seja dada no lar e na escola, como tantas leis determinaram, o que se vê na prática é a ruptura desse princípio - e os resultados são rigorosamente catastróficos.
Está na hora de mudar isso. A educação é o caminho, antes que o país afunde de vez na ignorância, miséria e violência.
Aceitar que a violência possa ser banalizada e naturalizada é uma tentativa de diluir o seu impacto, seu terror; de se evadir de seus efeitos, de não se implicar com a existência de suas manifestações e com as possibilidades, por pequenas que sejam, de sua transformação. "Esta banalização da violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de sua perpetuação. Resignado à ideia, inculcada pela repetição do jargão de que somos ‘instintivamente violentos', o homem curva-se ao destino e acaba por admitir a existência da violência, como admite a certeza da morte. A virulência deste hábito mental é tão daninha e potente que, quem quer que se insurja contra este preconceito, arrisca-se a ser estigmatizado de "idealista", "otimista ingênuo" ou "bobo alegre".
Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida? Que custo isso nos traz? Estes que morrem nas ruas, nas chacinas, nos assaltos, não são nossos parceiros de guerra?
Aceitar que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação.
Que a violência aterrorize e que diante de uma cena assim todos pareçam dizer: "já que não é comigo não vou me meter", que a solidariedade desapareça por um risco de se expor a própria vida, a isso já nos acostumamos!
(*) é professor universitário, jornalista e escritor