Sobre rumores de crise ministerial, face a demissão do ministro Clemente Mariani, da Fazenda, Jânio Quadros dirigiu um bilhete ao seu secretário particular José Aparecido de Oliveira:
"Aparecido:
Leio num jornal que o Ministério está em crise...
Veja se localiza para mim.
Leio, também, que recebi, da Fazenda, um bilhete enérgico.
Desminta. O Ministro é educado bastante, para não o escrever ao Presidente.
E o Presidente não é educado bastante, para recebê-lo...
Assinado - Jânio Quadros
09/08/1961"
A justificativa apresentada pelo Presidente Jânio Quadros sobre a sua renúncia à Presidência da República, tem uma característica interessantíssima: a de colecionar renúncias como chantagem.Em 1960, em entrevista exclusiva, após o episódio da renúncia, quando era candidato a candidato à Presidência da República, pela UDN, Jânio disse: - "Quando renunciei, tinha o firme propósito de voltar à vida privada, isto é, à advocacia, ao magistério e à família" (renunciou por duas vezes em 1960).Em 25 de agosto de 1961, o estilo da carta renúncia. Diz o texto: "Retorno agora ao meu trabalho de advogado e de professor."O que planejava Jânio Quadros?Ele planejava, com a renúncia divulgada em Brasília, aterrissar no aeroporto de Congonhas, onde o Viscount presidencial seria cercado pelas "massas" ? o que seria um pretexto para voltar ao poder "nos braços do povo".Jânio Quadros não queria sob nenhuma hipótese fechar o Congresso Nacional, pois, poderia fazê-lo com um cabo e três soldados. Ele pretendia o respaldo político e parlamentar mais amplo para suas reformas; Jânio Quadros nunca perdeu a chance de amaldiçoar os partidos políticos e o Congresso, e de tanto fazê-lo, acreditava piamente no que dizia.Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira trocou de legenda sucessivamente. Renunciando a todos e no mesmo estilo de carta que imprimiu sua marca pessoal.O estilo agressivo e independente de Jânio reverberava como algo bem mais poderoso que uma vassoura: era a alavanca, o bisturi gigantesco e destemido de que o País precisava.- "A renúncia foi mais um gesto teatral, a que ele (Jânio Quadros) se habituara. Contava, certamente, repetir a cena que fizera quando da sua renúncia à sua candidatura à Presidência da República, aliás, por duas vezes e no mesmo estilo. Jânio era o golpe." Afirma marechal Teixeira Lott.Após a renúncia de Jânio Quadros, com a responsabilidade de ser um dos três detentores do Poder Civil durante umas poucas horas, o marechal Odílio Denys, Ministro da Guerra, recebeu a visita do Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, para lhe dar ciência do ato da renúncia voluntária do Presidente da República, foi inquirido sobre a causa ou causas do estranho ato de Jânio Quadros.A resposta do marechal Denys ao deputado Ranieri Mazzilli foi a seguinte:- "Temperamento."Jânio Quadros tinha a obsessão da renúncia e foi um ato teatral. Oscar Pedroso Horta traiu Jânio Quadros, quando não rasgou ou pelo menos não retardou a entrega do documento da renúncia. Horta deveria ouvir os ministros, os Governadores amigos e os líderes da campanha janista. Que "razões próprias" deve ter tido o ministro da Justiça, Pedroso Horta para o açodamento da entrega do documento da renúncia?A bagagem de Jânio Quadros já estava pronta desde a véspera da renúncia, antes de saber da denúncia de Carlos Lacerda. Jânio Quadros, ao participar dos festejos do 25 de agosto, Dia do Soldado, em Brasília, estava com uma fisionomia alegre, na manhã do dia da renúncia. É semblante de quem antegozava uma grande travessura.Este depoimento é concludente, quando confessa Jânio Quadros ao seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, que Jânio Quadros esteve diante de um Congresso que não atendia, que não obedecia. Horta tentou várias vezes uma aproximação entre o Presidente indócil e o indócil Congresso Nacional. Afinal de contas, Jânio quando Governador "renunciou" pelos mesmos motivos.A renúncia de Jânio Quadros foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque.
Na intimidade, Jânio não suportava conversar sobre a renúncia, assunto explosivo se provocado em público ou em ambiente com muitas pessoas. Um dia, aos próprios amigos, que insistiam em fazê-lo confessar algo mais do que a explicação que dava, respondeu com surpreendente calma:
- "A verdade sobre a renúncia vocês já sabem. Se quiserem ingressar na ficção, conversem com o Vladimir Toledo Piza, que tem mais de dezoito versões. Escolham uma delas."
(*) é professor universitário, jornalista e escritor
OS PASSOS DA RENÚNCIA
3 de outubro de 1960 Jânio é eleito presidente
31 de janeiro de 1961
Toma posse 15 de março
Envia ao Congresso projeto de nova lei antitruste
7 de julho Manda ao Congresso projeto de lei sobre remessa de lucros ao exterior
19 de agosto Condecora Ernesto Che Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul
24 de agosto Carlos Lacerda, governador da Guanabara, faz violento ataque ao governo federal em discurso na TV
25 de agosto Jânio renuncia.