Entre minérios e silvérios

As Minas eram gerais. Foi primeiro o ouro. Depois, os diamantes, incalculáveis tesouros. Portugal sabia que tudo muito valia. Cobrou e Minas pagou, grama por grama, oitava por oitava, quilate por quilate. Bancou, com sua pobreza, a vida nababesca dos castelos portugueses, a revolução industrial inglesa. Fez a riqueza de fora, alimentou a pobreza aqui dentro.
Hoje, muitos anos depois, Minas insiste em manter a pobreza de sua gente, de sua natureza, de seu patrimônio histórico, cultural, arqueológico e espeleológico, o martírio das populações que vivem em suas áreas rurais, fazendo a riqueza das grandes corporações, das grandes multinacionais que exploram seu minério; as novas portugais. Tudo, por algumas moedas de ferro, sinais de uma mentalidade decadente e enferrujada, como se essa terra não fosse cenário de uma heróica inconfidência.
Ao que se constata em uma primeira análise, Minas deixa de arrecadar, anualmente, só com os royalties do minério, mais de R$ 3 bilhões. O que isso significa? Significa que as mineradoras vão extrair nosso minério, comer nossas serras, engolir nossas florestas e nos deixar apenas uma mísera gorjeta, um agradozinho bem barato frente ao patrimônio incalculável que elas nos levam, diariamente.
Seus caminhões, cada vez maiores e mais pesados, estão destruindo nossos asfaltos, formando verdadeiras valas em nossas vias. Nas rodovias, o perigo iminente de acidentes por veículos longos, lentos e pesados.
O petróleo tem sua extração no mar, distante das populações que vivem no litoral. Sua extração não come serra, não destrói a história, não derruba árvores, não seca nascentes, não assoreia rios e, no entanto, paga 5% do valor bruto arrecadado ao estado produtor. Em Minas, a extração do minério deixa apenas 0,2% do valor líquido arrecado. Em 2010 o Rio de Janeiro arrecadou R$ 10 bilhões advindos do petróleo. Minas, só R$ 65 milhões com o minério. Como classificar um disparate desses? Bom, por muito menos, outros mineiros fizeram uma histórica revolução e vidas, das mais nobres, foram ceifadas.
A poeira do minério é depositada, minuto a minuto, nas fachadas de nossas casas, nos bancos de nossas praças e dentro dos pulmões dos mineiros que moram perto dos locais de mineração. Do Pico do Cauê, declamado por Drummond em poesia, só restou um monte de tristeza e pó. No infinito, o Pico do Itabirito assiste ao seu fantasma despido e desolado. Em algumas áreas de exploração, o mal maquiado, o feio escondido, guardado, envergonhado, pobre Serra do Curral. O que vamos ganhar por tudo isso? Menos que os índios primeiros, que deram o caminho, mas não entregaram o tesouro.
Por que essa vergonhosa realidade calada em nosso Estado? Porque Minas aprendeu a entregar suas riquezas sem cobrar algo em troca. Foi assim com o ouro, foi assim com o diamante e está sendo assim com o minério de ferro. Se por um lado a doação do ouro e dos diamantes nos deu a nossa história, nossas igrejas, nosso casario e nossa cultura, a doação do mineiro deixa apenas um buraco em nossas almas, em que sepultamos os nossos rios, nossas belezas e a certeza de que nossas vidas valem muito menos que as de outros.
Petrônio Souza Gonçalves é mineiro, jornalista e escritor www.petroniosouzagoncalves.blogspot.com
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