A desmedida cobrança do dízimo

O dízimo não pode ser cobrado dos fiéis como uma obrigação, como se tem observado nas igrejas ou recintos religiosos. A religião não pode ser uma troca de interesses. A opção à prática religiosa é uma decisão e manifestação espontânea emanada de cada ser. É evidente que um cidadão sem Deus - um ateu, um apóstata ou agnóstico -, é um cidadão sem espírito desenvolvido, ególatra e presunçoso com as coisas materiais.

Mas a crença num ser superior - no construtor do Universo e da vida - pode ser exercitada também fora de qualquer recinto religioso.

Os dirigentes de igrejas, quaisquer que sejam os segmentos religiosos, deveriam respeitar mais a credulidade de incautos fiéis ao proclamarem os insistentes apelos para a contribuição do dízimo. Pessoas pobres e humildes estão sendo facilmente convencidas a verter suas parcas economias ou salários a igrejas. Verifica-se um prevalecimento indecoroso sobre essa gente: a compulsória exigência da contribuição do dízimo como uma lição divina e bíblica. Estão usando o nome de Deus para abiscoitar recursos de fiéis em vez de pregarem os sentimentos religiosos, altruísticos, humanos, éticos e morais que deveriam nortear todos os cristãos.

O dízimo não pode estar em primeiro lugar no altar de qualquer igreja. Há cântico religioso cuja letra de apelo sensibilizador fala, por exemplo, que o dízimo é "fruto de meu trabalho, de meu suor e que a minha contribuição me faz muita falta, mas se justifica pelo amor a Deus".

Quem freqüenta, por exemplo, a Igreja Católica, pode constatar que a maioria dos misseiros não é formada por pessoas tão carentes a ponto de afirmarem que aquela contribuição (dízimo) lhe faz muita falta, mas se justifica por amor a Deus. E eu fico refletindo: como alguém possuidor de bens, haveres e abonados tem a heresia de dizer que "essa contribuição lhe faz muita falta"?

Hoje, os apelos ao dízimo transcendem à decência bíblica. Outro dia fui surpreendido em uma igreja com a entrada repentina de duas pessoas erguendo faixa conclamando, em letras garrafais, a obrigação de contribuição do dízimo. Jesus Cristo deve ter ficado envergonhado com aquela inusitada cena. Nunca tinha presenciado, em missas, a reiterada insistência de um clérigo para que os fieis trouxessem seus dízimos para serem abençoados em frente ao altar.

Nos primórdios da civilização cristã, pode-se até compreender a necessidade ou cooperação enfática dada à contribuição do dízimo, pois se vivenciava um período de cenário diferente, ou seja, de simplicidade e pobreza. Mas hoje não se justifica falar dessa prebenda com a conotação que lhe é dada. As igrejas têm recursos econômicos e financeiros. Eu nunca vi, por exemplo, na Igreja Católica, um padre pobre, pedindo esmola ou emprego. A Santa Sé tem até banco - o Banco do Vaticano. E segundo reportagem publicada em 27/07/2007 pela revista semanal italiana L’Espresso, as doações de fieis à Igreja Católica cresceram 58% em 2006 relação ao ano anterior, isto é, US$ 101,9 milhões. 

Há canais de televisão, jornais e outros haveres pertencentes a igrejas, como a Universal do Reino de Deus, de propriedade do bispo Edir Macedo. Tudo, nas igrejas, é feito com a contribuição dos fiéis. As igrejas deveriam também ser obrigadas a publicar os seus balanços patrimoniais. Por outro lado, jamais se ouviu que tal igreja contribuiu com qualquer quantia às vítimas de calamidades ou eventos sinistros, quer seja aqui no Brasil ou no exterior. Por que essa contínua apelação desmedida ao dízimo?


Julio César Cardoso
Bacharel em Direito e servidor federal aposentado
Balneário Camboriú-SC

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