Da loucura, uma parte


Nossa cultura é paranoizante. Ensina que se deve desconfiar até da própria sombra.

"Todo conhecimento é paranóico." (Lacan)

Se, quando chegamos a uma conclusão por nosso raciocínio, não teimássemos que temos razão ainda que pareça estranho e diferente para as outras pessoas nenhuma ciência se desenvolveria. Se Freud não fosse teimoso e um pouco paranóico a Psicanálise não teria sido criada ou descoberta por ele. É apenas o excesso que caracteriza a insanidade, algo mais pra quantitativo que qualitativo. No entanto, um mínimo de desconfiança, paranóia serve como proteção no mundo atual, pois não se pode confiar em tudo e em todos. A diferença está na intensidade da convicção, não na qualidade do pensamento. Ou seja: não me é possível concordar com a teoria das estruturas imutáveis de perverso, psicótico e neurótico. Contudo percebe-se nitidamente funcionamentos de modos diversos entre os classificados como neuróticos, psicóticos etc. São nuances subjetivas e peculiares do psiquismo funcionar, até hoje extremamente misterioso e desconhecido amplamente. Eu, como ser, o que sou? Um monte de matéria agregada lutando contra certa entropia através de minha "escrevidão"? Vivo por um ideal de sociedade transcendente a minha existência, o que também poderia ser nominado lunatismo, e este projeto ideal rejeita a desigualdade, a discriminação, a injustiça desavergonhada, a imbecilidade dos corruptos governantes e poderosos. Mas eis que sonhos e ideiais são incompatíveis com a concretude da realidade, que absurdo!

"É preciso ser Werther ou nada" (Camus)

Bleuler pensava que o delírio era secundário a perdas de significações e símbolos em termos mentais. Penso: como essas perdas começam a se manifestar antes do delírio? O pensamento desorganiza, foge toda hora, os fatos perdem a ligação entre si, a associação entre signos e significados torna-se fraca..., ocorre um ensimesmamento progressivo, isolamento social até que se desliga da realidade social.

"Gosto daquele que sonha o impossível" (Goethe)

A história de Clarissa Dalloway, personagem de Virgínia Woolf, parece uma novela. Pura descrição de pensamentos e algumas falas. Especulações de pontos de vista diferentes. V.Woolf encarna com seriedade seus personagens e é muito boa nisso. Dá a impressão de que viveu mais na ficção literária que na realidade. Ela se suicidou com quase sessenta anos de idade, mas tinha cabeça de jovem imatura no cotidiano concreto, embora conseguisse criar sábios e uma deversidade de personalidades em suas histórias. Possuía muito conhecimento, embora sentisse estranheza e perplexidade com sua vida.

"Tel est la vie des hommes: quelques joies très vite effacées par inoubliables chagrins... Il n'est pas nécessaire de le dire aux enfants." (Marcel Pagnol in "Château de Ma Mère)
Sou um tempo desregrado
A prescrutar os vãos do dia
Costurando sons e lembranças
Sonhos estranhos, elaborados
Fazendo brilhar a tênue magia
Das miúdas esperanças
Resto do universo acabado
Matéria reduzida a energia
Voltando a ser criança
Brincando de fantasia

"É monstruoso dizer-se que o artista não serve pra humanidade. Ele sempre é o transcendentalista que passa a raio X os nossos verdadeiros estados de alma." (Anais Nin)

De fato,da chuva de ilusões desta máquina capitalista a nos moer não há como esvair-se com integridade autêntica, sejam comunistas, professores, benfeitores, falsários, publicitários, artistas. A redenção mostra-se inatingível, mas a batalha é necessária, dura e ingrata. Não há realidade paralela a não ser a da solidão desesperada e exaustiva do surto psicótico, e assim o é na vida, na arte, na morte.

por: Tania Montandon
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