Quais mulheres negras são heroínas e símbolos das lutas anti-racista e anti-racialista do MNS?

Esta indagação nos ocorreu durante a III Reunião Nacional do Movimento Negro Socialista (MNS) realizado em S.Paulo no dia 10 de maio último quando deparamos com uma grande faixa exaltando cinco heróis negros. Dois brasileiros: Zumbi, o líder máximo da República Livre e Popular de Palmares e o marinheiro João Cândido, o almirante-líder da Revolta das Chibatas. Dois estadunidenses: os reverendos Martim Luther King Junior e Malcolm X, líderes dos direitos civis nos EUA.  E o quinto sul-africano, o líder sindical-socialista Steve Bantu Biko. Este, por sinal o autor da célebre frase “Racismo e Capitalismo são duas faces da mesma moeda” que é o slogan do MNS.
Uma vez que os cursos de pós-graduação e ou extensão universitária para a capacitação dos professores de 1º e 2º graus encontram-se monopolizados por graduados professores que são defensores do racialismo (a equivocada ideologia da crença em raças humanas). E, em função da reivindicação do MNS de que haja pluralidade didático-pedagógica na aplicação da Lei 10.639/2003 (obrigatoriedade de inclusão nos currículos escolares públicos e privados de 1º e 2º graus da disciplina História, Culturas e Lutas dos negros no continente africano e países da diáspora como o Brasil). Do dicionário biográfico ”Mulheres do Brasil, de 1.500 até a atualidade” publicado no ano 2000 pela Zahar Editora, extraímos a história de três mulheres (heroínas) negras, com tal propósito. A 1ª menção é à Escrava Anastácia. Heroína negra e figura mítica que viveu no século XVIII, sua existência real embora controvertida, não deixa dúvida disso. Uma versão conta que ela foi uma escrava-lutadora, líder entre escravos-irmão que pelo fato de ser mineiros e garimpeiros como ela, era obrigado a usar máscaras de ferro para não engolirem e esconderem pepitas no estômago. Outra versão conta que Escrava Anastácia por ter sido muito linda e ter se recusado a se prostituir com um herdeiro da nobreza foi perseguida, torturada e obrigada a usar máscara de flandres, tendo morrido na senzala como mártir.
Injustiçada historicamente, a Escrava Anastácia só foi ser redescoberta já no século XX (1968) quando a igreja do Rosário localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro realizou uma exposição alusiva aos 90 anos da chamada Abolição cujo evento contou com um quadro em desenho de Escrava Anastácia, obra do pintor francês Jacques Étienne Victor Arago (1790-1855). A partir desse evento a Escrava Anastácia passou a ser considerada milagreira, contando atualmente com cerca de 28 milhões de fiéis. Para se ter uma idéia da dimensão do mito em que se transformou a heroína negra Escrava Anastácia, o historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o cônego Guilherme Schubert faz questão de negar a existência dela.
A despeito disso, há na avenida Vicente de Carvalho nº 33 no bairro suburbano Vaz Lobo, no município do Rio de Janeiro, o Santuário Escrava Anastácia. Haja vista, nos eventos louvados pelos fiéis são distribuídos santinhos dela com a famosa imagem com a máscara de metal. A 2ª menção a uma heroína negra da História do Brasil é à Luísa Mahin, líder da denominada Revolta dos Malês, conforme ficou conhecida a maior rebelião de escravos, entre tantas que ocorreram no estado da Bahia, no século XIX. Há controvérsia sobre naturalidade de Luísa Mahin, isto é, se teria nascido em algum país do continente africano e trazida escravizada para o Brasil. Ou se teria nascido em Salvador (BA), mas sabe-se que ela tornou-se livre por volta de 1912.   
A casa de Luísa Mahin foi, nas 1ªs décadas do século XIX, o quartel-general dos levantes que abalaram a Bahia. Por exemplo, em 1830 mesmo grávida de Luis Gama – filho com um português que se tornou grande poeta e abolicionista - ela articulou a Revolta dos Malês. Este levante ocorreu na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, liderado por escravos africanos de religião muçulmana. Caso o levante fosse vitorioso, Luísa Mahin seria empossada Rainha da Bahia Rebelde. Porém, como ocorreu delação-traidora entre os revoltosos, as forças da repressão perseguiram e castigaram brutalmente os líderes do movimento. Porém, Luísa Mahin conseguiu escapar para o Rio de Janeiro onde na luta pela liberdade de seu povo, teria sido presa e deportada para a África.     
Sobre sua mãe, o grande poeta e abolicionista Luis Gama escreveu “Sou filho natural de negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luísa Mahin, pagã, pois, recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, tinha a cor preta retinta, sem lustro, dentes alvíssimos como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa”. Por iniciativa do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo em 09/03/1985 uma das praças do bairro paulistano Cruz das Almas passou a denominar-se Luísa Mahin. A 3ª heroína negra é a professora universitária, militante feminista e anti-racista Lélia González (01/02/1935-10/07/1994). A conhecemos em 1974 no Centro de Estudos Afro-asiáticos da Universidade Cândido Mendes, em Ipanema, Rio (RJ).
A saudosa professora universitária Lélia González já iniciou a militância feminista e anti-racista como a chamada intelectual-negra por ser doutora em Antropologia Social, formada em uma universidade de São Paulo. Ela tinha também graduação em História e Filosofia e em Comunicação Social, ambas realizadas no Rio de Janeiro. Com a fundação do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN) em 1975, a convivência de militantes negros e anti-racistas dela com este escrevinhador foi intensa, fraternal e de unidade anti-racista. Em 1982 a nosso convite ela veio à Macaé (RJ) onde proferiu palestra na histórica e abolicionista Sociedade Musical Beneficente Lira dos Conspiradores.
No IPCN enquanto fundadores e militantes anti-racistas participamos das articulações para a realização do I Encontro Nacional de Entidades do Movimento Negro, evento que ocorreu em 1978 na sede-própria daquela entidade carioca. Na oportunidade foi fundado o então MNUCDR-Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, o atual Movimento Negro Unificado (MNU) do qual ela e nós somos fundadores. Em 1980 participamos da campanha de fundação no Rio de Janeiro do Partido dos Trabalhadores (PT) pelo qual Lélia González concorreu e conquistou a vaga de 1ª suplente de deputado federal, em 1982. Em 1986 ela migrou para o PDT pelo qual, no mesmo ano concorreu a uma cadeira na Assembléia Legislativa, ficando novamente na suplência.
Profícua pesquisadora sobre gênero e conceito étnico-racial, Lélia González fez bem sucedida carreira acadêmico-profissional, conquistando o cargo de diretora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio.  Em co-autoria com Carlos Hasenbalg, ela produziu o livro “Festa Populares no Brasil, lugar de negro”, além de duas teses de pós-graduação e diversos artigos para revistas científicas e obras coletivas. Trajando sempre roupas de modelo com cores e estilos africanos, ela que ajudou a fundar o Coletivo de Mulheres Negras N´Zinga e GRANES Quilombo ambos no RJ e o grupo Olodum em Salvador (BA), por falecer prematuramente no dia 10/07/1994 acabou não concluindo uma pesquisa sobre “negros da diáspora”, cunhando o conceito de “amerifricanidade”.  
*jornalista – é membro da coordenação nacional do MNS e militante da corrente intra PT (Esquerda Marxista).


                  
        

 
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