A Bomba

De repente a porta se abre com tal violência que assusta a todos aqueles que se encontravam naquele recinto. Imediatamente, todos olham para aquele sujeito louco que num brado grita:
- “Tenho uma bomba!”.
A partir desse momento, o caos estava instalado naquela sala, cadeiras voaram em direção as vidraças das janelas e o que se ouviu em seguida eram os estilhaços dos vidros caindo na calçada, cadeiras espatifando-se pelo chão, outras caindo em cima de carros estacionados ao longo da calçada e aquela multidão de homens pulando por cima das mesas, ganhando o parapeito das janelas e fugindo pela rua tomando destino ignorado. 

O homem que havia dado o grito e invadido aquela sala, ainda estava parado na porta. Não conseguia raciocinar sobre o que ele afinal tinha visto naqueles poucos segundos. Muitos homens fugindo pela janela sem saber do que se tratava. Ele ainda segurava na mão esquerda o pequeno embrulho do tamanho de um livro, que estava embalado em um papel de presente e amarrado com uma fitinha cor-de-rosa.
Vestido com uma calça jeans surrada, um cinto preto velho que era grande demais e com uma ponta caindo pelo lado esquerdo, para aquele homem alto e magro. Nos pés, um tênis branco rasgado no lado interno, bem próximo do dedão de cada pé, como um sinal de que o dito cujo gostava de dar uns chutes em qualquer coisa. A camisa listrada de manga comprida estava aberta nos três primeiros botões, deixando a mostra a camiseta branca que estava vestida por baixo. As mangas da camisa estavam mal dobradas e amarfanhadas, sinal de que o sujeito havia aberto as mangas as pressas e não tinha feito a dobra de maneira perfeita.
De repente, em meio aquele silêncio na sala, e um ou outro ruído vindo do lado de fora, o homem começa a caminhar pela sala, até que consegue encontrar uma mesa em bom estado, com uma máquina de escrever em cima.
Pega uma das poucas cadeiras que sobraram daquela confusão senta-se, e ao procurar o papel que deve estar em uma das gavetas daquela mesinha, ele percebe algo, um barulhinho estranho, como o de um telegrafista tentando emitir alguma mensagem para alguém. Então ele olha para a direita, estica o pescoço, procura em vão entre uma olhada e outra por entre as mesas, sem sair de sua cadeira, e não vê absolutamente nada. Dá então uma olhada para a esquerda, se contorce na cadeira para poder enxergar melhor ao seu lado e atrás dele, e também não vê nada.
Resolve então, levantar da cadeira e olhar por cima da máquina de escrever, e vê então debaixo de uma mesa, completamente de quatro, um cidadão com as mãos entrelaçadas sobre a cabeça, o queixo no chão, e aquele barulhinho estranho do cidadão rangendo os dentes de medo.
O cidadão então levanta da cadeira, dá a volta pela mesa, abaixa-se e pergunta para o homem de óculos com fundo de garrafa ainda em baixo da mesa o que ele está fazendo ali, e o baixinho então responde:
“Po-po-por fa-fa-fa-fa-vor ti-ti-ti-tira es-es-essa bom-bom-bomba da-da-daqui, que-que-que e-e-eu nã-nã-não que-que-quero mo-mo-mo-morrer po-po-pois e-e-eu a-a-ainda so-so-sou mu-mu-muito no-no-novo pra-pra mo-mo-morrer. Te-te-tenho mu-mu-mulher e-e-e tre-tre-três fi-fi-filhos to-to-todos pe-pe-pequenos”, gaguejava o baixinho, já se levantando e tremendo de medo feito vara verde.
O cidadão ouviu aquela explicação em silêncio e com tremenda paciência. Bem diferente de como ele havia rompido por aquela sala há poucos instantes atrás, causando um verdadeiro pânico em todos aqueles que estavam naquela redação do jornal.
- “Mas eu só disse que tinha uma bomba!”, porque esse medo todo? perguntou o cidadão.
- “Ma-ma-mas vo-vo-ce en-en-entra a-a-aqui des-des-desse je-je-jeito e-e-e a-a-ainda pe-pe-pergunta?”, Vo-vo-ce pa-pa-parece mais um-um-um pa-pa-palestino com-com-com essa-essa ba-barba, di-diz que-que te-tem u-uma bom-bomba e-e nã-não quer que-que nin-nin-ninguém fu-fu-fuja?”, tentou explicar o baixinho de óculos já quase se acalmando, pois só de olhar para aquele pacotinho ao lado do cidadão, ele ficava completamente nervoso e não conseguia parar de gaguejar. Até que o cidadão então, percebeu o olhar do baixinho para o seu pacotinho, e perguntou:
- “Mas, vocês estão com medo disso?”
Apontava para o pacotinho.
- “Esse é o presente que eu vou dar para a minha mulher! É uma caixa de bombons finos! Não há necessidade de ter tanto medo assim!”, explicou o louco cidadão.
- “Então qual é a bomba?”, perguntou o baixinho – agora mais calmo-, e que nada mais era do que o chefe de redação daquele jornal.
E o nosso amigo então relata para ele, que “a grande notícia é que o Zelão Malvadeza não irá jogar a decisão do campeonato de futebol do bairro de Paciência. E com isso, o Zelão, que é o melhor jogador do time do Tranca-Rua Futebol Clube, não participará do jogo final, o que se conclui que o time dos Perebas Não Entendem Nada de Futebol Clube, terão a chance de ganhar o campeonato do bairro, considerando-se assim em uma autêntica zebra, pois os caras são muito ruins”.
O baixinho então já com aquele olhar característico de quem não gostou nada daquele assunto resolve então dar por encerrada aquela conversa e grita para o referido cidadão:
- “Tira sua bomba daqui e vai pra p. que p.*@#%§#&@!”, gritou, apontando na direção da porta, para aquele cidadão que havia dado um verdadeiro susto em todos os repórteres que sumiram rua afora, acreditando que ele tinha uma bomba de verdade e faria tudo aquilo voar pelos ares.
- “Mas eu sou o repórter novo, e hoje era o meu primeiro dia!”, tentou argumentar o cidadão que já estava quase na porta.
- “Fora daqui! Não quero saber de Zelão, de Pereba e nem de Tranca-Rua e tenho muita raiva de quem sabe alguma coisa, portanto, caia fora daqui! Seu imundo! E não me apareça nunca mais!”, concluiu o chefe da redação.
...
Três dias depois, os repórteres voltaram para a redação, após ficarem sabendo que a redação do jornal ainda estava de pé, e que o louco que havia entrado naquela tarde era um repórter que o jornal havia acabado de contratar.
Um dos repórteres então chegou no ouvido do chefe da redação e perguntou se ele queria saber de uma novidade. Como o chefe gostava de uma novidade, ele condescendeu e quis saber qual a boa nova, e o repórter então concluiu:
- “O time do Tranca-Rua ganhou o campeonato de futebol lá em Paciência! É que o Zelão depois que viu que não tinha mais jeito em entrar para jogar a decisão resolveu escalar o seu filho, que joga muito mais do que o pai. E o time dos Perebas, além de perder o campeonato, tiveram dois jogadores expulsos, um deles era aquele louco!”, explicou o repórter.
- “Bem feito!”, resmungou o chefe da redação.


* O autor é Bacharel em Jornalismo, pela Faculdade de Filosofia de Campos. O texto acima é uma lembrança das inúmeras vezes em que ele freqüentava a redação do Jornal dos Sports, no Rio de Janeiro, onde seu pai trabalhava, como editor-chefe. 

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