A Constituição brasileira define entre os objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária, assim como a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. Esses fundamentos, portanto, deveriam ser o Norte de todas as instâncias de poder, buscando cada vez mais pensar e efetivar medidas de garantias de direitos e melhoria das condições de vida da população.
No entanto, na contramão disso, o Poder Legislativo resgata um projeto de mais de 20 anos para regulamentar e ampliar a terceirização. Entrando em vigor a lei, não só as atividades meio da empregadora poderão ser terceirizadas, mas também suas atividades fim. Em outras palavras, as empresas poderão terceirizar todos os seus setores e não só aquele que não contribua diretamente na parcela principal dos serviços prestados ou produtos fabricados. Em um cenário com mais de 12 milhões de desempregados, a tendência é o aumento da instabilidade dos trabalhadores, uma vez que muitos não serão mais contratados diretamente pela tomadora de serviços.
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revelam o cenário de horror por trás da terceirização. Quem empenha esforços como terceirizado trabalha três horas a mais por semana, enquanto recebe 24,7% a menos. A cada 10 acidentes de trabalho fatais, oito são sofridos por terceirizados. Como se não bastasse, 90% dos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão são terceirizados.
Não há dúvidas, portanto, que a terceirização deveria ser combatida e mitigada – quanto mais diante do fenômeno de quarteirização, em que a empresa prestadora de serviço novamente terceiriza a mão de obra, tornando-se também tomadora. Porém, contra a corrente de proteção aos trabalhadores, o projeto amplia irresponsavelmente a possibilidade de terceirização, demonstrando a clara falta de zelo com a classe trabalhadora.
O texto aprovado tem ainda mais alguns requintes de crueldade, com destaque para a ampliação do trabalho temporário, que passa a ser permitido por até 180 dias, prorrogável por 90. Nesse caminhar, os trabalhadores e suas famílias se veem cada vez mais vulneráveis financeira e, como demonstrado, fisicamente, enquanto os empregadores descansam satisfeitos com mais essa transferência do pato para a conta da população pobre.
* Advogado