Essa expressão tornou-se um clichê generalizado na sociedade brasileira. Interpretada literalmente seria uma obviedade, mas o sentido figurado quer dizer que as crianças de hoje são mais difíceis de lidar do que as de outras épocas.
Essa visão também era a mesma que tinham os pais há 20, 40, 60 anos em relação às crianças da época. Sempre se entende que as crianças de outrora eram mais educadas, mais dóceis e gentis.
Muitos pais costumam dizer que “no meu tempo bastava um olhar de minha mãe, do meu pai”. Nem tanto ao céu nem tanto ao inferno. Esse olhar era o bastante, significava a escola entre a obediência irrestrita – e às vezes nem isso adiantava mais – ou castigos físicos impiedosos. Não era respeito. Caso desobedecessem, as surras seriam impiedosas, torturantes; violência ao extremo.
Certo ou errado, tratava-se de um valor positivo consolidado. Hoje, os pais estão perdidos, como estavam também há uns 30, 40 anos. Tanto que era comum se ouvir muita gente afirmar com galhardia que “não era pai, mas um amigo para os filhos”.
Esse modelo progrediu para um vale-tudo, para pais que não são nem pais nem amigos. Hoje estão confundindo liberdade com libertinagem; desrespeito com criatividade, com falta de limites; e demonstração de fraqueza com virtude. O resultado são pais totalmente dominados pelos filhos.
Qualquer um gosta de demonstrar força frente a alguém detentor de poder. A criança começa a dominar os pais em tenra idade pelo choro tolo, aparentemente inocente, para ganhar coisas, conseguir ficar onde não precisa, deixar de fazer o que deve e determinar o que os pais devem ou não fazer. Espalhar brinquedos para os pais recolherem é a atitude mais comum.
Dominados os pais, a necessidade de expandir território leva à tentativa de sujeitar parentes e amigos aos seus caprichos e birras. Como dominar é bom, continuam na busca do domínio total sobre todos.
Uma vez que em casa esse domínio é encarado com naturalidade, a criança esperta passa a se comportar em qualquer lugar do mesmo modo. Sempre a demonstrar sobreposição aos pais. Sobe no sofá e risca a parede da casa do vizinho. Nesse momento, meio com caras de desentendidos, os pais dão risinhos e passam a olhar a reação dos presentes. E repetem a justificativa de que aquela criança é demais, incontrolável mesmo, como a dizer que “se ele fosse seu filho, você também não o educaria”.
Os mais mancomunados costumam pedir para não fazer aquilo “porque fulano/beltrano não gosta”. Atire a primeira pedra quem gosta de ter uma parede riscada por alguma criança descontrolada do melhor amigo.
Quase todos os pais que não educam os filhos tentam passar a impressão de que o seu pupilo é incontrolável; os outros tiveram sorte de ter filhos bonzinhos; e não se dão conta de que criança nenhuma é tola e qualquer um se aproveita de quem se deixa dominar.
Essas transgressões progridem. Quando maiores começam a não ir às aulas, ficam na rua sem horário de retorno e os mais enérgicos mandam os pais se calarem a boca ou se foderem. Poucos passos adiante e a sociedade sofrerá as consequências de um delinquente matando na direção de um carro ou, nos casos mais graves, de arma em punho.
Nesse ponto chega-se à frase de que “ninguém perde filho para as ruas, são perdidos em casa”. E de pouco a pouco, de forma progressiva.
Nem maus-tratos nem mão de pelica. Educação requer esforço, compreensão, momentos para dizer sim, muitos outros para dizer não; noutros, um não definitivo. O chavão “que mundo queremos deixar para nossos filhos, mas que filhos queremos deixar para o mundo” precisaria ser encarado com mais realidade do que como mero clichê.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em direito