PUNIÇÃO DOS TORTURADORES É PÉSSIMO ASSUNTO DE CAMPANHA PARA DILMA

A rede propagandística do PT deu o máximo de quilometragem possível a esta notinha do responsável interino pelo Painel Político da Folha de S. Paulo, publicada na 5ª feira, 4:
"Antes era assim. Mais uma para a lista dos vaivéns de Marina. A candidata, que agora se diz contra a revisão da Lei da Anistia, pensava o contrário antes de disputar a Presidência. Ela defendia a punição de militares acusados de torturar na ditadura.
Agora é assado. Em 2008, Marina escreveu em artigo na Folha: 'A tortura é crime hediondo, não é ato político nem contingência histórica. Não lhe cabe o manto da Lei da Anistia'. Ontem, em sabatina no portal G1, declarou que é contra rever a lei".
Até alguns que exercem ou já exerceram o ofício de jornalistas embarcaram nessa canoa oportunista, ajudando a trombetear só o que servia para desqualificar a candidatura por eles temida, sem mostrarem o mais ínfimo empenho em informar corretamente a seus leitores.

O único que honrou seu compromisso com a verdade foi Mário Magalhães (vide aqui), ao criticar o novo posicionamento de Marina, mas lembrar o singelo detalhe de que também Dilma Rousseff e Aécio Neves já haviam, antes dela, rechaçado a revisão da anistia de 1979:


Assim, na véspera da efeméride sinistra dos 50 anos da quartelada, Dilma afirmara que "nós reconquistamos a democracia à nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais, muitos deles traduzidos na Constituição de 1988", declarando em seguida, enfaticamente, que reconhecia e valorizava "os pactos políticos que nos levaram à redemocratização". O principal destes pactos, obviamente, foi a anistia que equiparou as vítimas a seus algozes.

Quanto a Aécio Neves, instado pelo G1 a responder com um "sim" ou um "não" a diversas questões, cravou um "não" na referente à "revisão da lei da anistia".

Bem, os três cometem um erro grosseiro, já apontado várias vezes por grandes juristas nacionais e internacionais, além de repudiado pela ONU e insustentável à luz do Direito dos povos civilizados: admitem a possibilidade de agentes de uma ditadura munirem-se, em pleno regime de exceção, de uma espécie de habeas corpus preventivo para evitar que seus crimes sejam apurados e punidos adiante, quando se der a redemocratização do país.

Cansei de escrever que a esperança de ainda vermos encarcerados os torturadores e seus mandantes é quimérica, pois seriam necessários morosos trâmites na esfera do Executivo e do Legislativo, seguidos de processos que se arrastariam por todas as instâncias de nosso letárgico Judiciário, com ampla margem de manobras para os advogados de defesa retardarem ad nauseam seu desfecho. Só chegaríamos no fim da linha (o trânsito em julgado) lá pela próxima década, mas --surpresa!-- se ainda restassem torturadores vivos para pagarem por suas atrocidades, se contariam nos dedos de uma mão...

Ainda assim, a autoanistia dos torturadores nos coloca em ridículo mundial e é um péssimo precedente legal, que poderá beneficiar os carrascos de uma ditadura vindoura (torcemos para que nunca mais haja alguma, mas não se sabe...). Então, com ou sem efeitos práticos imediatos, a Lei de Anistia precisa, sim, ser REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR UMA QUE NÃO FAVOREÇA ABERRANTEMENTE OS ALGOZES E SICÁRIOS DO ESTADO.


De resto, é chocante que a rede propagandística petista invista sorrateiramente contra Marina num terreno tão desfavorável a Dilma Rousseff, pois a presidenta:

  • ignorou a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que responsabilizou o Brasil pelo desaparecimento de cerca de 70 pessoas no Araguaia e determinou uma série de providências, inclusive que fossem investigados, processados e punidos os agentes estatais responsáveis por tais desaparecimentos;
  • criou a Comissão Nacional da Verdade, acreditando que propiciaria o jus sperniandi para as vítimas inconsoláveis e serviria como um bom engana-trouxas para desviar a atenção da opinião pública da decisão memorável da OEA, que ela jamais pretendeu cumprir;
  • vergou-se à chantagem da bancada evangélica no Congresso, que só admitiu apoiar a instituição da CNV se dela ficassem excluídos não só os militares (ponto pacífico), mas também os veteranos da resistência armada à ditadura, o que equivaleu a considerar os resistentes tão inconfiáveis quanto os fardados, ou seja, a igualar novamente vítimas e algozes;
  • prorrogou, por meio de medida provisória, o prazo final para entrega do relatório final da CNV, que vencia em maio de 2014. Com um pouco de boa vontade, daria até para divulgá-lo no momento em que o golpe obtinha grande espaço na imprensa em função do 50º aniversário. Ao invés disto, Dilma preferiu postergar a divulgação para dezembro, quando a eleição já tiver sido decidida (ou seja, as conveniências eleitoreiras vêm sempre em primeiro lugar, como apontei aqui);

  • omitiu-se quando as Forças Armadas, ao invés de responderem a um questionário com indagações pontuais formuladas pela CNV, pariram um patético relatório genérico de 455 páginas (vide aqui), garantindo que as torturas e assassinatos jamais ocorreram; e   
  • omitiu-se novamente quando o comandante do Exército determinou a todos os oficiais que não atendessem a CNV (vide aqui), direcionando quaisquer pedidos ou perguntas ao seu gabinete, o que, na prática, equivaleu a CENSURAR A CNV, sem dispor de poder legal para tanto e cometendo um abuso de autoridade que deveria ter sido respondido com sua exoneração imediata por parte da comandante suprema das Forças Armadas.

Resumo da opereta: se o posicionamento em relação aos torturadores for determinante na decisão de voto, azar de Dilma, que perde de goleada para Marina e Aécio. Os três se posicionaram da mesmíssima maneira, mas só Dilma detém o poder para ir além das palavras e, até por ser a única do trio que passou pelos porões da ditadura, poderia ter agido com um mínimo de coerência, sem, p. ex., recuar vergonhosamente diante dos sucessivos blefes dos fardados.

Por Celso Lungaretti, no seu blogue.

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