A sedução da imagem

Caros,

 Mineira de Belo Horizonte, da safra de 1977, Carla Andrade Bonifácio Gomes mora em Brasília. Jornalista, tem espírito de globe-trotter e viaja muito. Lançou este ano seu livro de estréia, Conjugação de Pingos de Chuva, volume do qual extraí os poemas ao lado.

A poesia de Carla Andrade é fortemente marcada por traços de surrealismo. Escreve Adalberto Müller no prefácio de Conjugação de Pingos de Chuva: "Seus poemas raramente estão preocupados com um lastro de realidade, parecem estar muito mais submissos a uma vertiginosa — e difícil — sedução da imagem".

 

Carla Andrade revela sua admiração por dois poetas brasileiros: Manoel de Barros e Ferreira Gullar. Naturalmente, ouvem-se em seus versos ecos do trabalho dos dois. De Barros vem o apreço às figuras desconcertantes: "Não existe filosofia para pássaros, / o vôo em bando não requer citação" (De "Tratado das Perplexidades").

De Ferreira Gullar, a poesia de Carla Andrade parece sofrer a influência de certos paralelismos como em: "Um sorriso de mim / gosta de multidão / Outro sorriso / mede a solidão" (Do poema "Carrossel"). Em som e ritmo, esse trecho lembra o Gullar de "Uma parte de mim / é multidão: / outra parte estranheza / e solidão".

Quando se distancia das homenagens e ensaia a empostação de voz própria, Carla alcança notas mais límpidas. É o que se pode ver, ao lado, nos poemas "Seis e Meia" e "Saltimbancos".


Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado

 


 

LABIRINTOS

Uma voz de degraus —
inalcançáveis —
está presa no porão
dos pensamentos.

Há muito tempo,
quando ninguém sabia
se pode mastigar o tempo
(as horas são ainda
mais mastigáveis),
ela já estava lá.

Na infância, tinha dentes.
Presas de cristal...
Era o tato
e todos os dedos do mundo
formigas estranguladas
nuvens de baralhos do céu
carrosséis berrantes da alegria.

(Às vezes, disfarçava-se de saltos
e, em cima das árvores, perseguia pipas).

Na adolescência, piscava aos vaga-lumes.
Cheiro de enxame, gosto de fumaça,
censura de pêlos e
textura de ferida lívida.
A voz, epílogo de beijos
(sufocados de sonhos
em capítulos rosas).

Hoje, a voz, só uma música.
Sem cor e gosto de terra:
fala palavra, cospe sílaba.
Um buraco de ecos.
Degraus inalcançáveis, sepulcros
de memórias de framboesas.



SEIS E MEIA

Greve de lírios
vi no seu olhar
saíram todos

no céu,
nuvens pasmas
foram incendiar.



SALTIMBANCOS

A vida é só um picadeiro de circo
Quando notamos...

Foram-se as lâminas certeiras
dos atiradores ciganos
restaram véus de purpurinas.

Apenas as lembranças rodopiam.
Ecoam em algum lugar aqui dentro
como cambalhotas sapecas.

Carla Andrade
Conjugação de Pingos de Chuva
LGE Editora, Brasília, 2007
______________
* Manuel Bandeira, "Tema e Voltas", in Belo Belo (1948)

 

 

 


IZACYL GUIMARÃES FERREIRA
Discurso Urbano

O poeta Izacyl Guimarães Ferreira está lançando em São Paulo mais uma coletânea de poemas. Trata-se de Discurso Urbano, publicado pela UBE e a Editora Scortecci.

Data: 17/10/2007, quarta-feira
Hora: 18h00 às 21h00
Local: Livraria Asabeça
Rua Dep. Lacerda Franco, 187
Pinheiros – São Paulo, SP 

 

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