Quem acompanha meu trabalho, sabe que já em 2007 eu descria da possibilidade de se punir os torturadores da ditadura militar sem a revogação da anistia de 1979, que igualou algozes e vítimas.
Vencidos pela facção de Nelson Jobim na luta então travada no seio do ministério, Tarso Genro e Paulo Vannuchi foram proibidos por Lula de continuarem pregando o necessário e indispensável, qual seja a revisão da Lei de Anistia. Aí, para salvarem as próprias imagens, indicaram à esquerda o caminho dos tribunais, que jamais desatariam o nó enquanto Executivo e Legislativo permanecessem de braços cruzados.
E o nó não foi mesmo desatado. O Supremo Tribunal Federal, numa das decisões mais aberrantes de sua História, em 2010 considerou válida a anistia que os carrascos concederam a si próprios em plena vigência da ditadura, usando os presos políticos e os exilados como moeda de troca e obtendo o aval de um Congresso descaracterizado e intimidado.
Desde então, as ações civis e criminais contra os torturadores têm um desfecho anunciado: se condenados nas instâncias menores, os réus sabem que tranquilamente darão a volta por cima no STF. Os processos passaram a ter apenas efeito moral; são ingênuos os que sonham com penas de prisão e/ou pecuniárias, pois elas não virão enquanto não forem alteradas as regras do jogo (impostas pelo inimigo e não questionadas pelos pusilânimes do nosso lado quando a ditadura acabou).
Não foi nem um pouco significativa, portanto, a decisão da Justiça Federal de São Paulo, ao considerar prescrito o crime de ocultação de cadáver cometido pelo torturador-símbolo Carlos Alberto Brilhante Ustra e pelo delegado aposentado Alcides Singillo, que deram sumiço nos restos mortais do militante Hirohaki Torigoe, repetindo a prática adotada pela repressão ditatorial em dezenas de outros casos. Se o Ministério Público Federal, autor da ação, transpusesse esta barreira, certamente tropeçaria numa posterior. Ustra e Singillo nada tinham a temer.
O que vale um registro é a bizarra justificativa da defesa de Ustra. Os procuradores argumentavam que, como o cadáver não foi encontrado até hoje, tratava-se de um crime permanente. Os patronos do chefão do DOI-Codi paulista disseram que o corpo do Torigoe não está sumido, tendo sido enterrado com o nome falso que ele usaria no momento da prisão.
É o mesmo que admitir não só seu assassinato, mas a própria ocultação de cadáver, de vez que a repressão sempre conseguia identificar os defuntos que lhe interessavam.
Enfim, desta vez o Ustra conseguiu livrar a cara sem atirar a responsabilidade sobre seus superiores, como fez em outras ocasiões, implicitamente reconhecendo que servia a uma instituição genocida.
No que, aliás, estava certíssimo: a culpa por todas as práticas hediondas começava no general que se fazia passar por presidente da República e se estendia para cada elo da cadeia de comando.
Obs.: tentei divulgar este texto no Facebook, mas parece haver agora algum filtro que rejeita matérias com Ustra no título. A censura avança, a democracia recua...