Os transtornos alimentares podem também ser herdados

Pesquisadoras da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP identificaram a herança psíquica dessas doenças atravessando gerações
Os resultados da pesquisa foram apresentados no último mês de março pela psicóloga Christiane Baldin Adami Lauand em sua dissertação de mestrado: as experiências alimentares de mães com filhas portadoras de transtornos alimentares: investigando a transgeracionalidade.
O estudo envolveu mães de adolescentes com anorexia nervosa.
O estudo investigou os hábitos alimentares das mães buscando compreender a existência de transmissão psíquica. A psicóloga queria conhecer a relação que as mães construíram com a alimentação e o que aconteceu depois do diagnóstico de transtorno alimentar da filha. Chamou a atenção, o fato de a maioria das mães trazer história de restrição alimentar em algum momento da vida, principalmente na infância, seja por questões financeiras ou restrição autoimposta.
“Eram ruins de boca”, lembra Christiane, dizendo que assim se classificavam. “Não gostavam de comer, não queriam comer. Em comum, todas vivenciaram situações de restrição alimentar e, agora, suas filhas estavam sofrendo de anorexia nervosa”, conta a pesquisadora.
Repetição
A pesquisa mostrou que, depois do episódio de restrição, essas mães tentaram modificar um pouco a história. Ao se tornarem mães, muitas delas ofereciam aos filhos abundância de comida ou alimentos muito calóricos. Queriam dar aquilo que não tiveram. Num determinado momento, entretanto, as filhas passaram a restringir, por si mesmas, todo o alimento que tinham em excesso.
Christiane garante que esse mecanismo não é regra para todas as filhas de mães que viveram situações de restrição alimentar. “De alguma forma, aquela filha têm um psiquismo que absorve isso. E fica tentando resolver o problema que foi adquirido”, explica. No próprio cuidado materno, a mãe transmite conteúdos para essa filha, influenciados por aspectos inconscientes. “A gente não sabe como essa mãe lidou com o seu trauma; ele deve ter ficado lá e, como um ‘fantasma’, pode ressurgir a qualquer momento”, diz.
Quando as filhas adoecem, essas mães reavivam suas experiências alimentares. “Muitas adoecem juntamente com as filhas, não sentem mais prazer em se alimentar, perdem peso, perdem confiança na alimentação e no ato de alimentar os outros, passam a não mais fazer refeições juntamente com a família, nem mesmo em datas comemorativas”. A psicóloga afirma que essa situação não é algo que surgiu agora, já aconteceu antes, especialmente na infância delas.

Vivências
A professora orientadora da pesquisa, Rosane Pilot Ribeiro, chama a atenção para o caráter afetivo da alimentação e também para o simbolismo que o alimento confere às relações sociais e emocionais, tendo na família importante instrumento de transmissão de rituais e regras dietéticas. “O alimento não serve apenas para suprir necessidades fisiológicas, mas vem carregado de vivências afetivas, significados”, lembra Rosane, alertando para o fato de que, se esses transtornos são transmitidos pelas gerações, não adianta apontar ou achar um culpado. “Não é culpa da mãe”, defende a professora.
A psicóloga Christiane completa: “Na questão geracional, não há culpados. Há um conteúdo transmitido que atravessa gerações”, garante. “Mas devido à complexidade dos fatores que envolvem a doença, uma série de aspectos necessita de análise para entender o transtorno alimentar. O foco está na doença da filha, mas trata-se de uma rede: constituição da mente da paciente, questões sociais, culturais, biológicas, genéticas, padrões de vínculo e a transmissão transgeracional. A abordagem da vida materna, sua história e os significados que atribuiu à sua alimentação conferem o aspecto inédito ao trabalho, aponta Rosane. “É um estudo importante e inovador em termos de transmissão psíquica envolvendo transtorno alimentar”, conclui.

Fonte: Agência USP de Notícias
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