A pandemia de gripe ainda não acabou

Genebra, 06/01/2010 – A pandemia de gripe humana propagada praticamente a todo o mundo é mais um dos problemas que tiram o sono da Organização Mundial da Saúde (OMS), reconheceu sua diretora-geral, Margaret Chan, em um balanço da situação sanitária da comunidade internacional ao término de 2009. É frágil o progresso alcançado na última década em padecimentos como aids, malária, mortalidade infantil ou doenças tropicais desatendidas, disse Chan.

Muitos desses êxitos estão ameaçados, entre outros fatores, pelas crescentes desigualdades entre ricos e pobres que se nota no acesso aos serviços de saúde, na expectativa de vida e nos resultados dos diferentes sistemas sanitários. Isso também é motivo de preocupação, reafirmou Chan. Nesse aspecto, o fato de a pandemia do vírus da gripe A/H1N1 se apresentar com efeitos tão moderados “é uma das melhores notícias sobre saúde da última década”, comemorou a diretora-geral da OMS.

Apesar de admitir a leve intensidade da pandemia, Chan rebateu as afirmações de que a doença nunca teve gravidade suficiente para alcançar esse grau, que a OMS declarou em 11 de junho. Os regulamentos da OMS determinam que uma epidemia ganha o status de pandemia quando sua propagação se estende por duas regiões da divisão administrativa da instituição – nessa data eram América e Europa – e também quando o contágio ocorre dentro de uma comunidade. Carecem de fundamento as afirmações de que não é uma pandemia, reagiu Chan.

“Enfrentamos uma situação na qual o novo vírus causa uma transmissão de maneira sustentada e dentro de comunidades em mais de 205 Estados e áreas administrativas”, ressaltou. Um médico sanitarista internacional ouvido pela IPS criticou a metodologia usada pela OMS para declarar a existência de uma pandemia. Esse método não leva em conta a gravidade da doença nem a mortalidade que provoca, disse o especialista, que pediu para não ter seu nome revelado. A atual gripe apresenta mortalidade inferior à habitual na gripe estacional, afirmou o médico. Morrem 10 vezes mais pessoas pela gripe estacional do que pela A/H1N1, acrescentou.

Para quem perdeu entes queridos por causa deste vírus “não é justo dizer que esta não é uma pandemia e que carece de importância”, disse Chan. Desde que foi detectado em março, o vírus matou 11.516 pessoas. Mas, o médico sanitarista destacou que os dados sobre infectados e de casos fatais “são totalmente estimativas”, porque não são feitos mais testes pra detectar a presença do vírus. “É provável que as extrapolações obtidas correspondam à gripe estacional”, argumentou.

O médico criticou a OMS por não ter precisado que o foco originário da gripe A surgiu nos Estados Unidos, como realmente aconteceu, e não no México. O próprio representante da Organização Pan-americana de Saúde nesse país, o francês Philippe Lamy, corroborou essa informação, mas a OMS negou-se a reconhecê-la por pressão das autoridades norte-americanas, assegurou o especialista. Outro aspecto preocupante foi a presença de representantes da indústria farmacêutica nos momentos em que a OMS e os próprios países tomavam sua decisões sobre as políticas contra a gripe, destacou o médico sanitarista.

No dia 18 de maio passado, a diretora da OMS manteve uma reunião reservada com membros da indústria para avaliar qual a sua capacidade para produzir vacinas. O racional seria determinar primeiro as necessidades de imunização para atender a população mundial, afirmou a fonte. Chan negou que um grupo de cientistas tenha feito a declaração de que a epidemia se convertera em pandemia para favorecer os interesses das indústrias farmacêuticas relacionadas com o tratamento e a prevenção da gripe.

“Não há fundamentos para tais afirmações. Os boatos não são apropriados; toda denúncia deve ser apoiada por provas”, disse Chan. “Por favor, apresentem fatos, os receberei e irei assegurar que sejam completamente investigados”, ressaltou. O médico sanitarista disse que há irregularidades na aquisição de vacinas e medicamentos contra a gripe em alguns Estados. Por exemplo, a França comprou 90 milhões de doses e até agora vacinou apenas quatro milhões de pessoas. Espera-se chegar a apenas 10 milhões dentre de seis meses, acrescentou.

Além disso, a França, e também os Estados Unidos, assinaram com fabricantes de vacinas contratos para fornecimento com uma clausula que isenta os laboratórios de toda responsabilidade no caso de eventuais complicações resultantes de sua aplicação. A indústria alegou que não tinha tempo suficiente para realizar testes químicos. Assim, as mulheres grávidas, um dos setores sob risco que primeiro recebem a vacina, acabam transformadas em cobaias, acrescentou o sanitarista.

Outro aspecto obscuro nas campanhas contra a gripe se relaciona com o uso aconselhado de loções ou soluções alcoólicas para desinfetar as mãos, quando a única atitude prática e eficaz é lavar frequentemente as mãos com água e sabão, afirmou a fonte. “Em repartições públicas de países muito pobres se vê uma profusão de grandes recipientes com essas soluções alcoólicas, o que representa um desperdício de dinheiro imprescindível para atender necessidades mais graves de saúde”, ressaltou.

Algo parecido acontece com as mascaras usadas por pessoas sãs para cobrir a boca e o nariz, como se vê principalmente em países asiáticos, especialmente o Japão. “Isso não tem nenhum sentido, é uma palhaçada”, afirmou o sanitarista. “A máscara só é útil quando usada pelas pessoas com os sintomas de gripe e que não estejam isoladas. A fabricação de milhões de mascaras não era necessária. Tudo é parte da grande montagem do negocio”, insistiu o médico.

Chan disse à imprensa no final de dezembro que não se deve mostrar sinais de complacência diante da pandemia de gripe. “Os vírus da gripe são muito imprevisíveis por sua tendência à mutação”, insistiu. A diretora da OMS se mostrou ainda mais cautelosa com relação ao vírus da gripe aviaria H5N1. “Não gostaria que o mundo tivesse de enfrentar uma pandemia desatada por um vírus mais tóxico e letal, como o da gripe aviaria, que pode tirar a vida de até 60% das pessoas infectadas”, afirmou.  (IPS/Envolverde)

(Envolverde/IPS)
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