Há cerca de dois anos um grupo de jornalistas do Rio escolheu a seleção fluminense de todos os tempos. Zizinho não entrou. Em 1957 o técnico Bela Gutman, húngaro e integrante da comissão técnica da célebre seleção de 1954, foi contratado pelo São Paulo e aceitou com a seguinte condição – “dêem-me Zizinho e serei campeão”. Foi.

Há uma surpreendente permanência de Zico em todas as seleções que são feitas Brasil afora, numa importância maior, bem maior, que a condição de craque do ex-jogador. Claro que craque, mas nunca no nível que se lhe atribuem.

Como compará-lo a Rivelino, Gérson, Didi, já nem falo de Pelé e Garrincha, ou vários outros que foram imediatamente anteriores a ele? Romário, pela forma como a imprensa trata Zico – ou como Zico trata a imprensa – não fica atrás daquele que chamam de “Galinho”.

João Saldanha custou a reconhecer seu futebol de craque, exatamente pela força da mídia empenhada em transformá-lo em novo Pelé.

Longe, muito longe disso, como longe, muito longe de Sócrates e talvez até de Falcão.

O jornalista e teatrólogo Nélson Rodrigues costumava citar o jornalista Armando Nogueira e seu encanto pela seleção húngara na copa de 1954. Numa das fases preliminares venceu a Alemanha por 8 a 3 e na final perdeu para a mesma Alemanha por 3 a 2 depois de estar vencendo por 2 a zero.

Ferenc Puskas, um major do exército húngaro era o maestro da equipe. Jogava no Honved e com a crise que resultou na intervenção soviética em 1956, acabou exilado e naturalizando-se espanhol. Jogou até o final de sua carreira pelo Real Madrid e pela Espanha disputou a copa de 1962.

O jogador alemão que bagunçou o coreto húngaro e deu o tom do jogo final da copa de 1954 foi Fritz Walter. Nunca o vi em nenhuma seleção do mundo e foi notável.

Não há como imaginar uma seleção de todos os tempos se levarmos em conta os fatores tempo e espaço no futebol, aliás, comuns a tudo.

A exceção de jogadores excepcionalmente acima da média, como Pelé, Garrincha, Maradona, Rivelino, o próprio Puskas, Di Stéfano, Leônidas da Silva, Zizinho, Backenbauer, é quase impossível montar esse tipo de seleção.

Jornalistas norte-americanos decidiram consultar colegas de outros países e chegaram à conclusão que Messi é o maior jogador de todos os tempos. Pelé ficou em terceiro lugar. Os caras, lógico, não viram nada de futebol, devem ter montado um programa de computador e dali, a partir de estatísticas, dados disso e daquilo decidido com infalibilidade papal que Messi é o maior de todos os tempos.

Certa feita, assim que Muhamad Ali (ainda Cassius Marcelus Clay) derrotou Sonny Liston, um programa de computador simulou uma luta entre Ali e Rock Marciano (o único campeão peso pesado invicto) e decretou que Marciano venceria Ali. Por que não? Mas por que sim?

Marciano, em sua carreira, chegou a cair várias vezes. Levou de vencida todas as lutas e numa delas, contra o extraordinário meio-pesado Archie Moore, em várias oportunidades, tangenciou, digamos assim, o nocaute, melhor dizendo, quase foi nocauteado.

Ali foi um gênio do boxe. Como Sugar Robinson, ou Sugar Leonard, ou o próprio Moore, mesmo o brasileiro Éder Jofre, um pugilista notável. Marciano era um descendente de italianos – Rocco Enrico Marcheggiano – aplicado, de rara coragem, determinação incrível e uma força que sabia colocar em seus golpes. Quando Burt Lancaster chamou Joe Frazier de “um tanque Sherman”, estava situando o ex-campeão num determinado momento. Nada além disso. Frazier após vencer a célebre luta com Ali no Madison Square Garden foi derrotado sucessivas vezes por Ali, por Foreman e outros.

Buster Douglas era um touro. Jogou Tyson no chão em Tóquio na semana em que sua mãe morrera e sua mulher fora embora. Perdeu as outras todas e sumiu do mapa. Mas é parte da história. Foi campeão mundial dos pesos pesados.

Como comparar o fantástico Joe Louis, lutava uma vez por mês, com lutadores que lutam uma vez a cada ano? Como imaginar que o excelente Lennox Lewis, o melhor peso pesado depois de Ali pudesse vencer ou perder para o próprio Ali?

Não tem como.

Montar uma seleção de todos tempos também não é possível. Citar jogadores que em suas épocas fizeram diferença sim. Ter a certeza que Pelé, Garrincha, Maradona, Rivelino, Zizinho, Leônidas, Didi, Gérson, Puskas, Di Stéfano, Platini e mais alguns foram acima da média em todos os tempos é o racional, o lógico.

Campeão mundial em 1970 a seleção brasileira se deu ao luxo de “inventar” o meio campista Wilson Piazza como quarto zagueiro e deixar de fora um mágico do futebol, Dirceu Lopes.

Como julgar Pagão um centro-avante do Santos cuja carreira foi encerrada de forma precoce – contusão – e era considerado um dos mais promissores jogadores de todos os tempos? Ou Clodoaldo, da seleção de 1970 e seu célebre drible em quatro jogadores da Itália na partida final da mesma copa?

Dino Sani era considerado por muitos cronistas como uma espécie de globe trotter do futebol. Começou a copa de 1958 como titular e acabou barrado por Zito, um jogador de características incríveis como meio campista e decisivo na copa de 1958, como na de 1962, quando marcou um gol incrível contra a Tchecoslováquia na final.

Quando Vicente Feola e os integrantes da comissão técnica de 1958 decidiram que os pontas direita seriam Garrincha e Joel, deixavam de convocar Maurinho e Julinho Botelho, tranquilamente superiores a Joel. E Canhoteiro, ponta esquerda, de recursos técnicos e criatividade superiores a Pepe e Zagalo.

Gino, centro-avante do São Paulo era, segundo boa parte da crônica esportiva, superior a Mazola e Vavá. Não foi entre os vinte e dois de 1958.

O goleiro Castilho – Fluminense – sem dúvida alguma era em tudo e por tudo superior a Gilmar. Tinha sido reserva de Barbosa em 1950, titular na copa de 1954 e reserva nas copas de 1958 e 1962. Gilmar foi o titular.

Arranjos de equilíbrio entre paulistas e cariocas que dominavam a cena futebolística do Brasil à época.

Um jornalista perguntou ao argentino Nestor Rossi como ele conseguia jogar com tanta leveza e precisão nos passes e Rossi responde apenas assim – “toco e me voy” –.  Foi um meio campista fantástico. Dezenas de jogadores uruguaios e argentinos poderiam ser citados aqui e que ao longo dos anos foram os melhores.

Seleção de todos os tempos me lembra uma historia antiga que ouvi várias vezes quando criança no colégio onde estudava interno. A do anjo enviado por Deus à Terra para dirimir as dúvidas de um bispo sobre o mistério católico da Santíssima Trindade. O anjo/menino numa praia ia enchendo um dedal com água do mar e colocando num buraco mínimo. O bispo que por lá andava meditando sobre o mistério irritou-se a certa altura e perguntou ao menino. – “o que você pretende com isso? O mar é imenso, acha que vai colocar com um dedal e nesse buraco toda a água dos oceanos?” –

E o anjo/menino – “é mais fácil que compreender o mistério que o senhor está tentando entender”.

E olha que nem falei de Newton Santos, ou Djalma Santos, do inglês Stanley Mathews, do francês Raymond Kopa, ou do brasileiro Evaristo Macedo, ídolo do Barcelona e um jogador de raras qualidades.

Seleção de todos os tempos é tentar entender o fantástico mistério do futebol, como o gol perdido pelo jogador Deivid contra o Vasco, ou os gols perdidos pela seleção brasileira de 1974 contra a célebre seleção holandesa, com a certeza que só um deles, se tivesse sido feito, teria desmontado a máquina.

É por isso que “se” é uma partícula de nada. Futebol já foi a “pátria de chuteiras”, na célebre convocação cívica de João Lyra Filho, ex-presidente da antiga CBD e chefe da delegação brasileira na copa de 1954, no intervalo do jogo Brasil e Hungria, convocando os jogadores à reação. Perdemos de 4 a 2 e tivemos três expulsos.

Dentre os jogadores daquela seleção, quatro anos mais tarde Didi e Newton Santos foram campeões do mundo. Castilho o reserva de Gilmar e Djalma Santos numa só partida, a final, entrou para a seleção da copa.

E os norte-americanos acham que Messi é o maior de todos os tempos. É sim um extraordinário jogador de futebol. O melhor de todos os tempos é meio complicado. Em sua época Ronaldo – chamado de Fenômeno – decidiu vários jogos e a última copa que o Brasil venceu.

Estão querendo colocar a água dos oceanos num buraco do tamanho do dedo mindinho e com um dedal.

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