LUAR DE IMBETIBA

Psicanálise de uma cidade / Por José Milbs

OS CARTÓRIOS, OS MÉDICOS, DENTISTAS E AS LONGAS CONVERSAS DE FIM DE TARDE NA CIDADE PURA

Nova Aurora - foto de Armando Rozário

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O Cartório do 3" Oficio de Notas e as demais repartições eram compostas por pessoas da comunidade. Havia uma constante preocupação por valores nativos. Deferentes dos dias de hoje onde, posudos tabeliães ,com pinta de coronéis de "bast fond" do saudoso "Mangue", se escondem por detrás do "que sabe com quem ta falando", numa alusão a nomeação feita por tios e padrinhos desembargadores ligados a velha e nefasta corrupção funcional. Alguns, destes, após " expedientes", saem, ainda engravatados e se assumem como bebados e presa fácil para as trabalhadoras do sexo nas noites de Imbetiba e Cavaleiros. A diferença desdes senhores para os senhores de antanho está na moral, na dignidade, no respeito ao cargo e nas raizes nativas que ocasionaram a nomeação. Quem não tem compromisso com a história da cidade, dá no que dá (sem segundas intencões)...

Em Macaé era comum ver na"Bicuda Grande" o velho seu Aguiar ser o tabelião e o juiz de Paz. Em Carapebus era o Bueno Agostinho e assim por diante.

Em Macaé não era diferente. O Cartório onde me referi no início do capitulo tinha a figura belíssima de Amélia Pinto Brasil. esta mulher, sempre a frente de seu tempo, tinha a elegância aflorada em seu andar e maneira de vestir se. Sem falar na meiguice da voz e na pureza de seu olhar. Sempre ligada aos laços de família ela fazia de Botânica do Brasil, sua irmã mais velha, a referencia do bom e do divino. As suas sobrinhas, tendo como pilar nossa contemporânea Josita, era sempre lembrada nas suas falas mansa e compassada.

Trabalhei com esta senhora neste Cartório onde o seu vulto marcava minhas manhãs de menino ainda emergente na vida de nossa comunidade. Fazia sempre questão de dizer se companheira de Magda Garcia, "Lalá e Lilinha", Conceição Ramos, Edth e Alice Pinto, Ecila Lacerda e outras de sua infância macaense. No início deste século soube que, aos 90 anos está terminando seus dias longe de Macaé onde se fez amiga e respeitada. As vezes ela ficava horas conversando com Michel e João Mendonça na porta do Cartório ou com seu "Bebé" e Rubens Marques.

Sempre que Amélia chegava ao recinto o perfume tomava conta de todo ambiente.

Amélia Brasil deixou sua elegante presença cravada na história social e no judiciário de Macaé. Assim como Alvinho, Faustino, "Doca" Barreto, Oto, Domingos, Osmar Aryan, Ruth ,Elias, Maria e outros que ainda vou lembrando no correr dos filetes de minhas memórias. Mereciam uma homenagem da cidade em algum lugar público. São pessoas que escreveram a história de Macaé de uma forma onde suas energias e saber foram sendo escritas com o próprio punho em gigantescos livros de registros e em inesquecíveis páginas das escrituras eternas.

Pode alguém esquecer o SAIBAM quantos esta virem? faz parte de uma cultura milenar e cartorial que o progresso tenta apagar com seus computadores frios e igualitários no feio em formatação fria e sem calor humano. Poucos sabem do "digo" e porque existia. "Correto" e deletação nao existiam. Quando se errava alguma palavra, para que nao inutilizasse a grande página que se escrevia, tinha que se usar o Digo. Quantos digos tinham as escrituras? Dependiam da distração de quem ministrava a maestria da letra linda e de belas existências.

Onde digo digo nao digo digo digo, digo Diogo... Este digo eu vi ser dito numa escritura de Compromisso de Compra e venda de algumas terras no então distrito de Carapebus.

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A cidadezinha onde eu era criança tinha poucos Médicos, alguns Dentistas e raros Advogados.

Advoacia quem fazia era Juventino Lemos, Juventino Pacheco, Camilo Nogueira da Gama, Abilio de Souza, Hamilton Paes e o mestre dos mestres o doutor Benedito Peixoto que também era uma espécie de substituto eterno do Juiz Titular.

Engenheiros? só os que vinham dirigir a ferrovia que moravam num morro bem acima das oficinas de Imbetiba, que a gente apelidava de 'Morro do Engenheiro'.

Moacyr e Jorge Caldas estavam para mim como Júlio Olivier e seu irmão Nelson Olivier estiveram na década de 20 para minha família.

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Ainda não existia o Bairro Miramar e o senhor Santos Moreira , seu loteador, ainda esboçava plantas e planos para futuras vendas. Contrataram uma linda menina de Cabo Frio de nome Maria Helena Pereló que iria ser o carro chefe de publicidade na venda de lotes aos melhores clientes. Antes dos Petroleiros os Ferroviários da Leopoldina eram o alvo maior das investidas comerciais locais. Santos Moreira foi as Oficinas de Imbetiba com a linda Maria Hlena Pereló oferecer lotos os Bairro Miramar as centenas ee Ferroviarios nos anos de 1950. Corria as "bancadas! Da Ferraria até as Carpintarias, sem deixar de fazer-se presente na Escola Ferroviária 8-1 Senai, onde o autor estudava e trabalhava. Não me lembro de nenhum Ferroviário que nao tenha comprado um Lote nos então Bairros Miramar e Araujo. Além da facilidade de pagamento a lonto praso, a doce presença desta linda Miss Macaé dos anos 50, abria as portas dos, então jovens Ferroviários Macaenses na compra. Os dois bairros não tinha, nesta época, quase nenhuma casa. Tinha o Castelo onde morava o simpático e amigo senhor José Domingues de Araujo com seus familiares. No início, assim que a gente atravessava a linha férrea, tinha uma casinha simples onde morava um bela senhora de nome Filinha Tolizano. Ao lado uma quitandinha onde se podia comprar bananas, balas, rapaduras cortadas dentro de grossos vidros que faziam as rapaduras ficarem maiores para atiçar os desejos infantis. Filinha sempre atenciosa ia levando a beleza de uma vida simples e feliz nesta cidadezinha ainda Pura nos anos 40/50...

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Dois Médicos nos anos 50. Moacyr Santos e Jorge Caldas. Se diferenciavam ideologicamente mais a nível profissional eram competentes e preenchiam o pequeno mundo dos pacientes locais com uma população que basicamente era composta de negociantes, estudantes, ferroviários e camponeses.

Ambos usavam os métodos do apalpamento e descobriam mais doenças e faziam curas que muitos médicos de hoje que só escutam o som de aparelhos e computadores.

Apalpando aqui, escutando ali e, pedindo: "fale 33" eles iam, psicologicamente deixando de lado as doenças do sistema nervoso e achando as vertentes do real sentimento das dores.

Lembro-me que eles punham as mãos sobre as barrigas, batiam, aqui e catucavam ali e em poucas horas, remédios feitos por seu Narciso, seu hipólito, seu Edmundo ou seu Siqueira amenizavam as dores e nos colocavam de novo prontos para a continuidade da vida.

Nos pulmões nem se fala. Doutor Jorge era o que mais estendia. Mais tarde vieram o Herval de Vasconcelos Luna e outros que formaram um corpo médico emergente e atuante na comunidade. Vieram Doutor Heleno e Manoel do Carmo.

Sobre Manoel do Carmo quero deixar uma referencia especial que prestou relevantes serviços a cidade. Ele veio suceder o humanismo que norteava Júlio Olivier, Manoel Marques Monteiro e se notabilizou pelo atendimento a pobres. Dr. Manel, como era chamado, dedicou parte de sua vida na busca de salvar vidas e praticar caridades. Quando dirigia o Dispensário de Tuberculoso serviu de cobaia numa vacina o que poderia ter sido fatal para sua existencia. Chegou a contrair o virus.

Atendendo convites de amigos Manoel aceitou, em l962, ser candidato a deputado e foi um dos mais votados. Eu votei nele a pedido de minha avó de quem ele foi como um filho. Manoel do Carmo ainda concorreu a prefeito onde fomos adversários leais. Ele pela sub legenda da ARENA e eu pelo MDB.

Perdemos mais sempre nos respeitamos. Ele se casou com minha colega de bancos escolares Maria Aparecida da Costa luuzada que por sinal era prima de Euzébio Luiz da Costa Mello e irmã de António Luiz Costa.

Noticias suas, só pelo seu filho nas minhas andanças pela praia e na Academias de Musculação de propriedade de Gualberto onde levava meu filho Zé Paulo para estudar Karate. No início da desta década soube de sua morte.

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Waldyr Siqueira, seu Monclar Guedes Djalma da Silva Almeida eram os nossos dentistas. Os temores das extrações a frio rondavam as mentes infantis que só eram aliviadas pelo cantarolar de seu Monclar que transformava o suplicio em alegres risadas. Ao seu lado Nelito aprendia a profissão e o sucedia nas brincadeiras e conhecimentos.

Nelito era pai de minha colega de Faculdade de Letras e advogada Beatriz que preferiu os bolinhos de aipim e os sanduíches na Veríssimo de Mello aos engravatamentos e poses dos fóruns da vida. Uma opção bem mais feliz e doce. Advogando para si o direito a liberdade ela vai, alegre, como seu avó e pai transferindo, para suas lindas filhas um pouco da história de uma Macaé que se vai como se esvai toda cidadezinha de interior que se deixa profanar em suas raízes.

Nelito, como tantos outros ainda em genética circulando pela cidade, foi pioneiro das espiritualidade nativa nos anos 60 e 50.

Doutor Djalma além da profissão ia criando uma trajetória de feitos sociais que o eternizou junto as entidades macaenses. Sempre de sorriso aberto e feliz , este nativo nordestino tinha o dom da liderança aflorado. Recordo que a gente,quando ia procurar dentista, era advertido que não tinha injeção. Era melhor cuidar da dentição porque se tivesse que extrair era mesmo com o simpático Celso Terra ou ter que enfrentar a carranca alegre e sorridente do doutor Djalma Era mesmo na marra. Para este Suplicio Chnês. ele fingia cara feia. falava com seu sotaque pernambucano e firme. Quando a gente ia tomar pé da situação ele já tinha nas mãos, agarrado no boticão,o dente cheio de raízes e sangue.

Sinceramente acho que nem doía. A dor da bronca penetrava e quando via já tinha passado o pior.

Waldyr Siqueira além de dentista, que freqüentava os congressos nacionais, se firmou pelo trabalho artesanal e capacidade especializada. Nos momentos de folgas era visto batendo sua bolinha na praia de imbetiba com ferroviários e estudantes quando não estava com seus galos de Briga indo para a Rinha nos domingos e quintas feiras.

Gostava de conversas longamente com Zé Clímaco e Carlos Eduardo Motta, Paulo Rodrigues Barreto, Adão, Sady Curvello, José Clauder Arenari, José Luiz Pierrot, Álvaro Paixão Júnior e Roberto Moacyr Leite e Santos. Waldyr usava uma técnica dentaria que até hoje é motivo de pesquisas.

Considerado o melhor em obturações e prótese era sobrinho de seu Monclar de quem aprimorou os primeiros passos. Waldyr participava de todos os congressos e sua competência é ate hoje uma curiosidade no meio odontológico pois seu trabalho resiste o tempo. Sou um exemplo pois ainda tenho um seu trabalho feito a mais de 30 anos. Preocupado com Ivan e Hudson ele cantarolava e, com seu nativo jeito de psicólogo ia contando as façanhas do seu tempo de futebol e rinha de galo fazendo com que o tempo passasse despercebido enquanto ia, levemente moldando as peças que ficariam eternas na boca do paciente.

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A cidadezainha não haviam ainda importado os políticos carreiristas e nem haviam as negociatas, que enriquecem prefeitos e vereadores. Luiz Belegard, um arquiteto que morava por aqui, fez o traçado da cidade que ainda serve neste inicio de milênio.

A alma pura do povo ainda era a tônica nas noites lindas de luar cândido. Belegard projetaria as ruas que serviriam de base para o progresso urbanístico do futuro.

Numa casa que ficava nos fundos da "Nova Aurora" morava Jair Santos o mais bonito dos filhos de Joaquim Santos e irmão do mais alegre Didi Santos. Jair é pai de Alzirinho e Luiz Fernando.

Macaé ainda não conhecia as maldades com a atividade Pública. Além do que, era uma grande família, uma grande comunidade ligada pelos laços da afetividade e do amor.


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