Generais de hoje são (cúmplices dos) torturadores de ontem ...

Os comandantes, oficiais-generais, das Forças Armadas são contrários à abertura dos arquivos da ditadura militar (1964-1985). Não querem que a verdade se esclareça, nem que a história desse período do Brasil se recomponha. Mesmo que não tenham se envolvido nos casos bárbaros de torturas e assassinatos de militantes políticos, jovens em sua maioria, acabam, com essa atitude, se portando como cúmplices dos torturadores, tanto militares quanto civis (polícias civis, polícias militares e Polícia Federal) e também daqueles que se envolveram em negociatas, assaltos aos cofres públicos etc. 

Para o caso dos assaltos e da corrupção, as penas devem estar além do período de prescrição. Mas tortura, é crime que não prescreve. Os que disso não participaram, se ajudam a esconder o passado, podem ser acusados, todos, como torturadores ou seus auxiliares. Quando um filho olha para o pai, oficial das Forças Armadas, tem dúvida se ele foi torturador, quando um militante social participa de uma cerimônia oficial e vê um oficial-general, olha para ele e vê um potencial torturador, um assassino, alguém que não deveria estar ali. Será que esses oficiais não sentem nenhum constrangimento? Não se sentem constrangidos por serem confundidos com torturadores e assassinos? Parece que não, pois continuam a defender que os arquivos e a história permaneçam sepultados nas mesmas valas comuns onde deixaram os corpos dos que lutaram por um Brasil mais democrático.
 
O Diário de Notícias, jornal de Lisboa, noticiou que “o marroquino Munir el-Motassadeq, condenado na Alemanha a sete anos de prisão por pertencer à "célula de Hamburgo" da Al-Qaeda, foi ontem considerado culpado de cumplicidade nos atentados do 11 de Setembro de 2001, nos EUA”. Ele foi preso e condenado por ser cúmplice. A legislação brasileira também trata o cúmplice com rigor. Pode ser tão culpado quanto quem cometeu o crime, ou ter alguns atenuantes que reduzam sua pena. Parece alguém que dá o aval. O avalista. Se a pessoa que tem informações sobre um crime, não o denuncia, é cúmplice. Se uma pessoa que sabe onde está o assassino, e não informa, também é cúmplice.
 
Entre 1964 e 1985 o Brasil viveu um período de ditadura militar. As Forças Armadas assumiram o poder por meio de um golpe de estado arquitetado e financiado pelo governo dos Estados Unidos. Aparentemente seria uma ação passageira, divulgavam os generais chamados “constitucionalistas”, mas esses acabaram sendo substituídos por outros e outros, cada vez mais comprometidos com a abolição da democracia e com os negócios que o regime militar gerava.
 
O modelo de desenvolvimento adotado, associado aos interesses norte-americanos, também criava modos próprios de execução no país, quer por meio da associação de poderosos (militares e civis) em empreendimentos industriais e comerciais, quer com o uso do aparelho do estado para criar e sustentar fortunas pessoais se se ergueram no período (como o caso da área de comunicação, com as concessões de rádio e TV, empréstimos etc.), ou mesmo na formação de esquemas de corrupção e apadrinhamentos que continuam até hoje no crime organizado (“Não há organização criminosa que sobreviva sem a participação direta ou indireta de um agente público ou de um agente político”, diz o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça).
 
Entre os anos de 1964 e 1968 os militares foram os mais torturados, especialmente os quadros de praça (cabos, sargentos) que haviam se envolvido em rebeliões ou em movimentos de apoio ao governo João Goulart (ver História Militar do Brasil, de Nelson Werneck Sodré, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, pp. 372-410) ou o caso do ex-sargente e líder comunista Gregório Bezerra, preso, em 1964, foi barbaramente torturado em praça pública e arrastado pelas ruas do Recife. Isso não significa que somente eles eram torturados. Várias lideranças civis já começaram a sofrer naqueles primeiros dias da ditadura.
 
Depois do AI-5 (13 de dezembro de 1968), porém, as prisões, torturas e assassinatos se avolumaram. Os aparelhos de repressão das Forças Armadas ficavam mais cruéis e mais sofisticados. Ao mesmo tempo, o pessoal da área de “inteligência” se tornava mais poderoso na estrutura administrativa e política do governo ditatorial. Todos os ministérios e empresas estatais tinham uma Assessoria de Segurança e Informação (ASI), ou congênere, ligada diretamente ao dirigente do órgão, que cuidava para que subversivos não fossem contratados e para que as informações e ações solicitadas pelos órgãos de segurança (inclusive o DOI-CODI) fossem atendidas.
 
Legado da escravidão - Há quem diga que a tortura no Brasil em origem na tortura que se praticou contra os escravos africanos durante quase quatro séculos. Realmente nunca povos foram tão torturados e violentados. Escravos eram mutilados por qualquer motivo, castrados quando os senhores brancos lhe tinham ciúmes, as escravas eram violentadas seguidamente, arrancavam-lhe os seios ou abriam suas barrigas para não deixar que nascessem o fruto de relações, algumas vezes, mantidas encondidas.
 
É verdade, a história do Brasil tem muita tortura. As elites têm-na arraigada em sua genética política, prova de poder, mostra de força. As polícias, antes capitães de mato, passaram a torturam por qualquer motivo, presos pobres e negros, quando se queria ter deles alguma informação. Também foram torturados trabalhadores que teimavam em fazer greves nos anos de 1920. Muitos anarquistas toram torturados só para dar o exemplo, para que outros não os seguissem.
 
Hoje, a tortura ainda permanece, nas delegacias, como método de investigação e de castigo, nas prisões, como método de castigo e de manutenção de domínio de poder (crime organizado e quadrilhas com participações de policiais).
 
Mas não é porque a tortura é prática generalizada, que não se deve condená-la em todos os ambientes e em todos os momentos. Não é porque os civis praticam tortura, que os militares devem ser perdoados por essa falta durante 20 anos. Tanto civis, quanto militares, não podem cometer atos de tortura. Se o fizerem ou fizeram, têm que ser punidos com rigor. A qualquer tempo.
 
Porém, sobre os militares paira um tacão ainda mais forte. Se não abrirem os arquivos e colaborarem nas investigações, para se saber quem torturou, por qual motivo, quais métodos utilizados, o que isso implicou etc, estarão atuando como cúmplices de uma coisa que já saber ter existido. Durante anos negaram que houvesse tortura no Brasil. Até mesmo um conselho criado por lei no final do governo João Goulart, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH, foi reanimado pela ditadura militar só para poder ser a voz oficial de que não havia tortura no Brasil. Mas, até mesmo o Superior Tribunal Militar reconhece que houve a prática sistemática da tortura. Não se podia mais dizes que os ferimentos mostrados por alguns dos presos eram conseqüência de “queda da escada”.
 
Houve tortura, muita tortura. Isso sabemos hoje. Reconhecem as autoridades do Estado. Não ajudar, então, nas investigações, na identificação de autores e na punição dos mesmos, é formar e consolidar uma rede de cumplicidade.
 
Se os militares que têm posição de mando e comando hoje não têm nenhuma responsabilidade e nenhuma relação com as ações de tortura do passado, eles devem ser os primeiros a lutar e até mesmo reivindicar que os arquivos sejam abertos e que uma comissão especial de investigação seja formada para identificar quem torturou, quem matou e quem foi partícipe desses atos (incluindo médicos, legistas, policiais, funcionários públicos etc).
 
Não fazer isso é dizer para todo mundo: somos cúmplices ou somos torturadores.
 
* Ivônio Barros ( Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ) é coordenador nacional do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos

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