Telefonia, o assalto dentro da lei

Publicado originalmente no jornal A Nova Democracia

Mais um assalto — daqueles absolutamente dentro da lei — será perpetrado contra o povo brasileiro no setor da telefonia ao longo do segundo trimestre do ano (de março a julho), quando entra em vigor novo “Contrato da Telefonia Fixa”, com a cobrança das ligações por minuto, como nos celulares, acarretando aumento médio de 233% na conta da vítima, em troca da promessa de apresentar a relação de todos os números chamados.

Hoje, nas ligações locais, a cada 4 minutos é cobrado 1 pulso — R$ 0,12 em média — ou três centavos por minuto. Pelo novo “contrato”, cada minuto custará 10 centavos, ou seja, três vezes mais!

A base legal para os ataques à bolsa do povo começou a ser montada na gerência Cardoso, quando os assinantes receberam repentinamente contas de valor astronômico, sendo informados de que havia aumentado o seu tempo de utilização. Como a população achou isso muito estranho, o monopólio dos meios de comunicação disseminou a idéia de que o surgimento do tele-sexo intensificara o uso do telefone fixo por parte dos jovens, porém isso nunca foi comprovado, já que as telefônicas sempre encontraram apoio legal para não fornecerem relações das chamadas e sua duração.

 

Um esbulho antigo

As contas salgadas trouxeram a foco o esbulho da assinatura mensal, valor devido à concessionária independentemente da utilização do serviço e que, entre 1995 e 2002 sofreu reajuste superior a 4.000% (quatro mil por cento). Logo surgiram no Congresso numerosas proposituras abolindo essa prática, mas tudo em vão: para o Estado, tanto melhor se a fatura é alta, pois nada menos de 40% correspondem a imposto.

Por cerca de 75 anos e até meados da década de 60, todos os serviços de telecomunicações do país foram controlados por grupos estrangeiros. As concessões de telefonia eram outorgadas pelos governos estaduais. A Companhia Telefônica Brasileira, CTB — de propriedade da canadense Brazilian Traction — operava na maioria das principais cidades brasileiras (80% dos terminais então existentes). A Companhia Telefônica Nacional, CTN, de propriedade da IT&T ficava com o restante. As comunicações internacionais estavam nas mãos das operadoras estrangeiras Western Telegraph, Radional, Italcable e Radiobrás.

Os grupos estrangeiros praticaram todo tipo de pirataria, até que o doutor Leonel de Moura Brizola, como governador do Rio Grande do Sul, estatizou a IT&T em 1962, desencadeando o processo de higienização do qual a gerência militar se aproveitaria para implantar o sistema Telebrás a partir de julho de 1972, com a criação das empresas estaduais de telefonia, interconectadas pela Embratel.

 

A volta dos espoliadores

Monopólio estatal totalmente verticalizado, que incluía o controle e regulamentação dos serviços em uma única holding, o sistema Telebrás foi desmantelado em 1998 pela fúria privatizante da gerência Cardoso. Foram criadas 12 empresas, sendo três de telefonia fixa, oito de telefonia celular e uma de comunicação de longa distância. O processo de privatização rendeu ao país não mais do que 45 bilhões de dólares, sendo quase metade — 19,15 bilhões — no setor das comunicações.

O Ministério das Comunicações foi esvaziado de seus poderes em benefício da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) — agente da gerência nas suas relações promíscuas com os tentáculos do imperialismo. Para dar alguma satisfação ao povo consumidor, quanto à relação de ligações cobradas, mas e principalmente para atender a ganância das concessionárias alienígenas, em 2003 a gerência Cardoso expediu o decreto 4.733, estabelecendo o faturamento por minutos, a partir março de 2006.

Às vésperas da data fatal, em dezembro de 2005, a Anatel apresentou uma proposta para a conversão, de pulso para minuto, da forma de cobrança das chamada locais. Em São Paulo, uma ligação de 15 minutos ficaria 140% mais cara do que pela tarifação por pulso, mas a gritaria das entidades de defesa do consumidor foi tão grande, que a Anatel recuou, transferindo a conversão para março de 2007.

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) alerta que a opção a ser feita entre março e julho deste ano permanece nos moldes anteriores. A adoção do sistema de cobrança por minuto não elimina o faturamento por pulsos. O consumidor poderá escolher a maneira pela qual terá o seu bolso esvaziado, e as concessionárias vão lhe oferecer dados para optar pelo sistema mais adequado. Ou seja: se morre de faca ou de tiro.

No plano básico, a unidade de tarifação é o décimo de minuto (ou seja, 6 segundos) e o tempo de tarifação mínima é de 30 segundos. Nos horários reduzidos, a cobrança é por chamada atendida: o consumidor paga tarifa equivalente a dois minutos, indiferente do tempo de duração da ligação. Considerando que 1 pulso equivaleria a 1,7 minuto, chegou-se à conclusão de que só será possível ter certeza de pagar mais barato, por esse plano, se a ligação local durar 1 (um) minuto. Nas ligações de dois ou três minutos, o consumidor poderá pagar mais caro ou mais barato e, a partir de 4 minutos, a ligação fica mais cara, com toda a certeza, sendo que a diferença entre o que é gasto hoje e o que passará a ser gasto pode chegar, em uma ligação de 1 hora de duração, a mais de 160% em São Paulo e a mais de 165% em Curitiba e no Rio de Janeiro.

A balbúrdia dos celulares

No campo da telefonia celular, as mazelas são ainda maiores do que na fixa. A Anatel e suas afilhadas festejaram em dezembro o recorde de 100 milhões de usuários, sem mencionar, contudo que as reclamações avolumam-se com a mesma intensidade. Até bem pouco tempo os problemas estavam associados a sinal de rede fraco, ligações que não se completavam, dificuldades para transmitir mensagens. Agora, são pessoas que tiveram roubado o seu celular de conta, passaram semanas tentando em vão se comunicar com a operadora e vão ao desespero ao receber a fatura que inclui centenas de ligações feitas pelo ladrão, grande número delas para o exterior.

A situação assumiu tal gravidade que a Assembléia Legislativa de Pernambuco promulgou uma lei obrigando as operadoras de celulares a controlar o uso de telefones furtados, roubados ou perdidos, proibindo-as de realizar a reabilitação de aparelhos usados se não houver a comprovação da procedência. A lei também determina que as empresas identifiquem as chamadas realizadas por meio de celulares de identificação oculta para os números de emergência 190, 193 e 197, e estabelece multas de R$ 5 mil para cada infração cometida.

O juiz vence a máfia

O melhor retrato da exploração do que é vítima o brasileiro, no que diz respeito à telefonia, foi traçado porém no Foro de Conceição do Coité, Bahia, pelo Juiz Gerivaldo Alves Neiva, ao prolatar a sentença em processo movido pelo marceneiro José de Gregório Pinto contra três poderosos grupos controlados do exterior — Lojas Insinuante Ltda, Siemens Indústria Eletrônica S.A e Starcell. O texto, na íntegra, é o seguinte:

“Vou direto ao assunto. O marceneiro José de Gregório Pinto, certamente pensando em facilitar o contato com sua clientela, rendeu-se à propaganda da Loja Insinuante de Coité e comprou um telefone celular, em 19 de abril de 2005, por suados cento e setenta e quatro reais. Leigo no assunto, é certo que não fez opção por fabricante. Escolheu pelo mais barato ou, quem sabe até, pelo mais bonitinho: o tal Siemens A52. Uma beleza! Com certeza foi difícil domar os dedos grossos e calejados de marceneiro com a sensibilidade e recursos do seu Siemens A52, mas o certo é que utilizou o aparelhinho até o mês de junho do corrente ano e, possivelmente, contratou muitos serviços.

“Uma maravilha! Para sua surpresa, diferente das boas ferramentas que utiliza em seu ofício, em 21 de junho, o aparelho deixou de funcionar. Que tristeza: seu novo instrumento de trabalho só durou dois meses. E olha que foi adquirido legalmente nas Lojas Insinuante e fabricado pela poderosa Siemens..... Não é coisa de segunda-mão, não! Consertado, dias depois não prestou mais... Não se faz mais conserto como antigamente! Primeiro tentou fazer um acordo, mas não quiseram os contrários, pedindo que o caso fosse ao Juiz de Direito.

“Caixinha de papelão na mão, indicando que se tratava de um telefone celular, entrou seu Gregório na sala de audiência e apresentou o aparelho ao Juiz: novinho, novinho e não funciona. De fato, o Juiz observou o aparelho e viu que não tinha um arranhão. Seu José Gregório, marceneiro que é, fabrica e conserta de tudo que é móvel. A Starcell, assistência técnica especializada e indicada pela Insinuante, para surpresa sua, respondeu que o caso não era com ela e que se tratava de “placa oxidada na região do teclado, próximo ao conector de carga e microprocessador”.

Seu Gregório: o que é isto? Quem garante? O próprio que diz o defeito, diz que não tem conserto.... Para aumentar sua angústia, a Siemens disse que seu caso não tinha solução neste Juizado por motivo da “incompetência material absoluta do Juizado Especial Cível — Necessidade de prova técnica.”

Seu Gregório: o que é isto? Ou o telefone funciona ou não funciona! Basta apertar o botão de ligar. Não acendeu, não funciona. Prá que prova técnica melhor?

“Disse mais a Siemens: “o vício causado por oxidação decorre do mau uso do produto”. Seu Gregório: ora, o telefone é novinho e foi usado apenas para falar. Para outros usos, tenho outras ferramentas. Como pode um telefone comprado na Insinuante apresentar defeito sem solução depois de dois meses de uso? Certamente não foi usado material de primeira. Um artesão sabe bem disso.

“O que também não pode entender um marceneiro é como pode a Siemens contratar um escritório de advocacia de São Paulo, por pouco dinheiro não foi, para dizer ao Juiz do Juizado de Coité, no interior da Bahia, que não vai pagar um telefone que custou cento e setenta e quatro reais?

“É, quem pode, pode! O advogado gastou dez folhas de papel de boa qualidade para que o Juiz dissesse que o caso não era do Juizado ou que a culpa não era de seu cliente! Botando tudo na conta, com certeza gastou muito mais que cento e setenta e quatro para dizer que não pagava cento e setenta e quatro reais! Que absurdo!

“A loja Insinuante, uma das maiores e mais famosas da Bahia, também apresentou escrito de advogado, gastando sete folhas de papel, dizendo que o caso não era com ela por motivo de “legitimatio ad causam”, também por motivo do “vício redibitório e da ultrapassagem do lapso temporal de 30 dias” e que o pobre do seu Gregório não fez prova e então allegatio et non probatio quasi non allegatio.

“E agora seu Gregório?

Doutor Juiz, disse Seu Gregório, a minha prova é o telefone que passo às suas mãos! Comprei, paguei, usei poucos dias, está novinho e não funciona mais! Pode ligar o aparelho que não acende nada! Aliás, Doutor, não quero mais saber de telefone celular, quero apenas meu dinheiro de volta e pronto! Diz a Lei que no Juizado não precisa advogado para causas como esta. Não entende seu Gregório porque tanta confusão e tanto palavreado difícil por causa de um celular de cento e setenta e quatro reais, se às vezes a própria Insinuante faz propaganda do tipo: “leve dois e pague um!”

“Não se importou muito seu Gregório com a situação: um marceneiro não dá valor ao que não entende! Se não teve solução na amizade, Justiça é para isso mesmo!

Está certo Seu Gregório: O Juizado Especial Cível serve exatamente para resolver problemas como o seu. Não é o caso de prova técnica: o telefone foi apresentado ainda na caixa, sem um pequeno arranhão e não funciona. Isto é o bastante! Também não pode dizer que Seu Gregório não tomou a providência correta, pois procurou a loja e encaminhou o telefone à assistência técnica. Alegou e provou! Além de tudo, não fizeram prova de que o telefone funciona ou de que Seu Gregório tivesse usado o aparelho como ferramenta de sua marcena ria.. Se é feito para falar, tem que falar!

“Pois é Seu Gregório, o senhor tem razão e a Justiça vai mandar, como de fato está mandando, a Loja Insinuante lhe devolver o dinheiro com juros legais e correção monetária, pois não cumpriu com sua obrigação de bom vendedor. Também, Seu Gregório, para que o Senhor não se desanime com as facilidades dos tempos modernos, continue falando com seus clientes e porque sofreu tantos dissabores com seu celular, a Justiça vai mandar, como de fato está mandando, que a fábrica Siemens lhe entregue, no prazo de 10 dias, outro aparelho igualzinho ao seu. Novo e funcionando! Se não cumprirem com a ordem do Juiz, vão pagar uma multa de cem reais por dia! Por fim, Seu Gregório, a Justiça vai dizer à assistência técnica, como de fato está dizendo, que seu papel é consertar com competência os aparelhos que apresentarem defeito e que, por enquanto, não lhe deve nada. À Justiça ninguém vai pagar nada. Sua obrigação é fazer Justiça! A Secretaria vai mandar uma cópia para todos. Como não temos Jornal próprio para publicar, mande pelo correio ou por Oficial de Justiça. Se alguém não ficou satisfeito e quiser recorrer, fique ciente que agora a Justiça vai cobrar. Depois de tudo cumprido, pode a Secretaria guardar bem guardado o processo!

“Por último, Seu Gregório, os Doutores advogados vão dizer que o Juiz decidiu extra petita, quer dizer, mais do que o Senhor pediu e também que a decisão não preenche os requisitos legais. Não se incomode. Na verdade, para ser mais justa, deveria também condenar na indenização pelo dano moral, quer dizer, a vergonha que o senhor sentiu, e no lucro cessante, quer dizer, pagar o que o Senhor deixou de ganhar. No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro.

“Conceição do Coité, 21 de setembro de 2005

a) Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito.

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