O safado inveterado

Conheci aqui no Bar do Lino um safado inveterado. Assim mesmo: em pleno choque, sem qualquer encargo de consciência. Sua safadeza, além de ser estampada na cara, exalava pelos poros. De perfume agradável e chapéu panamá, o indivíduo circulava pelas mesas como a suma autoridade do local. Embora em segredo, comprometi-me a analisá-lo completamente, dos pés à cabeça. Como verdadeiro entusiasta da humanidade, não pude deixar de contemplá-lo. Talvez ele realmente quisesse se fantasiar de vitrine aos olhos dos boêmios presentes, dada a sua audácia.
Aquele figurão provocou-me arrepio. Enquanto apreciava aquele tipo único, pensava na mediocridade da minha vida. Nunca fui de muitos arroubos amorosos. Minha timidez crônica nunca me permitiu desfilar com tanta fluência entre os variados tipos de mulheres que ele conquistava. Ele, não: encarava aquilo que oferecesse o menor sinal. Por vezes, até alguns homens corajosos também tentavam estar entre suas vítimas. Gostar muito, ele não gostava, mas ia. Eu, por minha vez, tornava viva a alcunha da juventude carioca: “nem nem”. Nem um, nem outro. Eu era eu em mim mesmo.
Aquela safadeza como outdoor pessoal me fez pensar. O que possibilitaria que um homem desses, nos seus quase um metro e noventa de atração fatal, pudesse se comportar dessa maneira? Coibi-me. Pensei que aquilo era atitude de homem frustrado, como a criança que brinca com todos os brinquedos por não saber brincar com brinquedo nenhum. E, criança que não sabe brincar com brinquedo nenhum se corta, se machuca, é capaz até de morrer com o divertimento nas mãos. Assim era ele, o inveterado.
Minha mente irreverente fez questão de me lembrar: se é criança, o cara é feliz. Logo me vieram à cabeça todos os anos da minha infância senil, quando eu me comportava como velho, falava como velho, pensava como velho, e o pior: resmungava como velho. Eu era a perfeita súmula dos desejos dos meus pais. Eu era eu em mim mesmo: patife, tonto, ludibriado, carente. E, aparece esse homem, de chapéu, barba feita e abraço quente, mostrando para mim que a vida era muito mais que uma eterna dor de ciático. Era o mundo.
Resolveram pedir uma música dos anos 70 na jukebox. Começa por aí: jukebox de verdade eram aquelas que a gente colocava uma moedinha, a tampa abria, a gente colocava o disco e girava a maçaneta – coisas que definitivamente não são da minha época, mas que insisto em recordar. Tudo o que é digital ficou chato. Mas a incongruência da vida, meus amigos, é esta: eu, entrincheirado nas velhas tecnologias pós-modernas, não reconheci a juventude que se curvava diante daquele senhor de sessenta e cinco anos. O errado era eu. Será que fiz bem em reconhecer?
O safado saiu com uma mulher nos braços e, de repente, bateu-me o ciúme. Não que eu realmente o quisesse – chi lo sà? – mas fiquei tentado. O que eu desejava nele, como Sócrates, era seu conhecimento. A sua forma de ver o mundo, embora fosse pequena, era infantil, e por isso mesmo pura. Quando vemos alguém com um tesouro, é impossível não crescer os olhos, mesmo que por um segundo. Aquele jovem senhor me provou que nem tudo é o que parece. Safado é quem engana: se ele curtia a vida como devia, eu me escondia num sarcófago de barro apenas para não me envolver com o mundo. Quem era o safado, então?

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