A voz do meu avô*

Meu avô era um daqueles homens que estavam prontos para tudo. Embora conhecendo-o apenas no fim da minha adolescência, pude gozar com ele muitos momentos felizes. Vivemos pouco tempo juntos, mas foram impressas profundas marcas em minha alma. Talvez não dele para mim (pois o tempo dá aquela sabedoria em que tudo se prevê), mas de mim para ele. Meu avô era o cara: eu sabia disso, e talvez ele também, embora nunca dissesse..

Conversávamos muito por telefone e, nestas conversas, ele me contava muitas histórias: o que seria de um avô sem estes contos eternizados pela vivência? O velhinho seguia em muitas delas, como na vez em que chupava limão para fazer rir o corneteiro do quartel. Todos riam, inclusive o meu avô, estando na minha idade e utilizando um belo quepe de soldado. Ele dizia que eu aprontava, sim: mas ele aprontou muito mais para saber me corrigir.

Vovô era um daqueles caras antenados, que não gostavam de estar para trás. Embora confessasse que fumava apenas pela moda dos anos sessenta ("se eu não fumasse, não arrumava namorada", dizia ele), fazia questão de ouvir boa música. Vovô era da época em que todo mundo tinha apelidos americanos - ele assumiu para si mesmo o apelido Bob - e gostava de viajar para descansar. Vovô era um daqueles homens que eram como todo mundo: raríssimos pela sua essência e grandiosidade.

Às vezes, vovô não conseguia esconder seu grande cansaço. E ele dizia que aquilo era cansaço de velho, que um dia aquilo passava, nem que fosse com a morte. Eu não queria ouvi-lo, estava iludido com a eterna promessa da juventude, da circulação rápida e dos cabelos pretos. "Aproveite enquanto é cedo", dizia a voz pelo telefone. E eu insistia em estar ali, batendo papo com aquele homem que nasceu cinquenta anos antes de mim. Haveria alguma razão para debruçar-me ao telefone? Sim, meus motivos eram aqueles tossidos de tabaco, a voz rouca, a risada que eu sempre insistia em roubar. Meu avô era o cara: eu sabia disso, e talvez ele também, embora nunca dissesse.

Hoje fazem quase quatrocentos dias que ele se foi. Resta em mim a saudade, a vontade de ligar naquele número que, teimoso, insiste na agenda. O que mais dói é o silêncio; é saber que nunca, nunca mesmo vou poder ouvir a voz dele novamente. Pensando bem: de acordo com o jeito dele, acho que o vô não quereria falar comigo. Se eu pudesse conversar com meu avô só mais uma vez, creio que ele me perguntaria o que eu estava a fazer falando com ele. "A vida é demais para ficar aqui, vai, vai!", aquela voz rouca entrecortada de tosse me aconselharia. Ele me mandaria lançar longe o telefone e carregar no coração, para sempre, as palavras que ele me disse.

"Se você quiser ser como eu", eu imagino sua voz me dizendo, "não seja como ninguém. Seja somente você, meu querido". A saudade, como diz Chico Buarque, é avistar um barco que não atraca no cais.. Assim foi o vovô: passou e foi embora sem sequer atracar. Seu exemplo estará na minha mente e no meu coração por toda a vida. Eu sou um neto obediente...

É, talvez ele tenha razão. Embora meu avô nunca disse e nunca dirá, ele sempre foi o cara.

*Em homenagem ao Bobby, um dos meus (inúmeros) avós por estimação e adoção. O texto foi enviado para a edição no exato dia que completou quinze meses de sua morte.

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