Amazônia: a saída é a floresta de alimentos!

1280 300x225 Amazônia: a saída é a floresta de alimentos! – parte 1
Biodiversidade: ervas da floresta. Foto: Instituto Peabiru
A floresta de alimentos é a grande oportunidade para a Amazônia. Valorizar a floresta em pé, seu valor cultural, ambiental e econômico, em respeito aos povos que nela vivem. O que é a floresta? O índio a vê como shopping center, tem tudo, oca-oikos; o caboclo, como provedora que complementa suas necessidades a todo momento; o madeireiro e o garimpeiro, como pilhagem, riqueza imediata; o pecuarista e o plantador de soja, como empecilho, dá boa fogueira, e depois, pasto-pra-sempre ou agricultura mecanizada, com mais fogo. O problema é que a visão destes últimos é a que prevalece, pois sucede que este modelo transformou um quinto da Amazônia em cinzas(1), com pouca serventia para o Brasil.
Na lógica do progresso a qualquer custo, a floresta é inútil e, na maioria dos casos, nem a área de proteção permanente (APP) se respeita. Pesquisas preliminares com minhocas e outros seres microscópicos em florestas de refúgio de gado no Nordeste paraense mostram que esta floresta é tão pobre quanto o próprio pasto.
E o consumidor, o que acha? Será que ao consumir o bifinho-nosso-de-cada-dia o brasileiro considera que um em cada três bifes tem gosto de floresta amazônica queimada? Que cada bifinho, básico, de 250 gramas, significa 3 quilos de CO², 3.500 litros de água, mudanças climáticas, caminhões de erosão, perda de biodiversidade e rios de lágrimas dos povos tradicionais?
Não, o consumidor não pensa, engole a Amazônia do jeito que o supermercado a embala – mas esta lógica é suicida! Resmungaria algum arguto observador, admirando-se desta história do achurrascamento da Amazônia. Sim, e qual é a saída? Se não se come carne (de boi), o que se come? Como os quatrocentos mil pecuaristas da Amazônia (pequenos, médios, grandes) viverão? Perguntam outros.
A proposta é simples: comer a Amazônia, devorar a Amazônia, a Amazônia-do-bem, com critério! E que critérios são estes? Primeiro, tem que ser bom para a saúde, alimentos com propriedades funcionais! Segundo, há que ser prazeroso, gostoso, só coisa boa! Terceiro, tem que encher a burra dos povos tradicionais que cuidam da floresta, e dos pequenos agricultores: floresta-bufunfa, ou seja, tem que ter valor, preço, respeito, prazo. Se o BNDES e Banco da Amazônia deram (do jeito que foi, doaram) R$ 2 bilhões aos pecuaristas, por que não dar o dobro às famílias que cuidam das florestas e rios? Quarto, tem que ser incorporado no bandejão do governo, no restaurante industrial das uber-empresas (que atendem 300 mil refeições por dia, só na região), empresas que apregoam a sustentabilidade em seus relatórios, mas que não praticam na hora de levar o garfo à boca (preferem trazer frango de Santa Catarina, por exemplo).
E a sustentabilidade começa na merenda escolar: meu filho merece açaí com farinha e doce de cupuaçu e suco do camu-camu, e não esta bolacha cheia de gordura trans e salsicha em lata, com suco artificial, escolhida por mentecaptos carunchados em alguma esperta barafunda.
Quinto: tem que ser ético, moral. Não basta ser legal. Sexto, e penúltimo, quase: a Amazônia tá na moda. Como propõe o senador Cristovam Buarque, vamos Amazonizar o Mundo, adaptemos o mundo à Amazônia e não o reverso, como foi nos últimos 400 anos. Façamos chique a moda de devorar a Amazônia! Chega de sushi de catupiri, kiwi com salmão!
Sétimo critério, prometo, último, tem que resolver o problema da fome. Não dá para conservar a floresta se não for para quem nela e dela vive. E também melhorar a situação de quem entope as periferias de Manaus e Belém, atraídos pelas armadilhas das zonas francas e perspectivas de boa vida. Periferias de gordos e desnutridos, em tão precária, senão pior situação do que a de quem ficou no interior.
O levantamento do IBGE sobre alimentação, o PNAD, realizado em 2004 e, cinco anos depois, em 2009, mostra que apesar de melhorias na insegurança alimentar, 40,3% dos domicílios da região Norte apresentam insegurança alimentar (nome moderno para fome, o dobro das regiões Sul e Sudeste). E destes, um quarto, ou seja, 9,2% do total, têm insegurança alimentar grave (cerca de três vezes a do Sudeste e quatro vezes a do Sul). Em 2004, era 10,9%. Ou seja, a situação não mudou. O boom econômico não chega na mesa do pobre da Amazônia. Além da piora na alimentação, há outros desafios, como o da monotonia alimentar: o consumo excessivo de farinha de mandioca, algum peixe e eventuais frutas e hortaliças resultam em distorções graves na saúde.
Perdão, esqueci-me, prometo, este é o ú-l-t-i-m-o: valorizar o que é seu! Se a gente da própria Amazônia não valoriza o que é seu, como o consumidor das outras plagas vai se interessar? Se o Brasil não valorizar o Brasil, o que será de nós? Cópia da cópia da cópia? Pesquisa científica já existe o suficiente, estão aí o Inpa, a Embrapa, o Goeldi, a UFPA, a UFAM e outros centros mostrando o caminho e, isto, há décadas. A questão é que quem define as políticas públicas acredita que o boi é a redenção, que comida regional é coisa sem futuro, que farinha e açaí é comida de pobre. Erraram redondamente, açaí é o ultrachique!
Nota:
(1) São 70 milhões de hectares de florestas e outros ambientes que viraram pasto em menos de quatro décadas. Aliás, esta visão prevalece no Brasil, dois quintos do território são de pastos para boi. No mundo se passa algo similar, 40% das terras aráveis são utilizadas para animais, principalmente bois.
* João Meirelles Filho mora em Belém, Pará, dirige o Instituto Peabiru e é autor de livros sobre a região: Livro de Ouro da Amazônia (Ediouro, 2003) e Grandes Expedições à Amazônia Brasileira (Metalivros, 2009), e está aprendendo a devorar a Amazônia.
** Publicado originalmente no site O Eco.

 

(O Eco)
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