A DEMOCRACIA CONSENTIDA

Ernesto Geisel quando presidente da República percebeu que o ciclo da ditadura militar estava esgotado. Nas eleições de 1970 o número de votos brancos e nulos foi maior que o de válidos, nas de 1974 o MDB (frente de partidos proscritos e de oposição) obteve estrondosa vitória, o que o credenciava a disputar a sucessão presidencial em 1978 e os mecanismos fisiológicos para manter a maioria artificial da ditadura se esgotavam.

Geisel concebeu com Petrônio Portela, seu ministro da Justiça, a idéia de “distensão lenta e gradual”. Um jeito de sair de campo sem que pareça tão depressa que sugira medo e nem tão devagar que suscite revolta. Nasce ai a anistia ampla geral e irrestrita que à primeira vista sugeria uma reconciliação nacional e hoje se percebe foi a armadilha para garantir a impunidade de torturadores. O fim do AI-5. A reforma da Lei de Segurança Nacional preservando os mecanismos de repressão no campo jurídico principalmente. A criação da figura do senador biônico (um terço do Senado eleito indiretamente) e a preservação do voto vinculado para as assembléias legislativas e Câmara dos Deputados, artifício para manter a ARENA (partido da ditadura) como majoritária.

Se o general tinha dificuldades com setores da oposição, encontrou facilidades em seu amigo pessoal Tancredo Neves. Foi possível através da ação de Tancredo implementar essas medidas, naquele esquema de que se assim não o for, o jogo voltará a ser duro e a ditadura se prolongará. Tancredo e Geisel, cada qual em seu campo, esgrimiam com as reações da chamada linha dura, materializadas, por exemplo, na tentativa de golpe branco do ministro do Exército Sílvio Frota, ou no fracassado atentado do Riocentro, esse já no governo do general Figueiredo.

Esse o erro crucial de Geisel. João Batista de Oliveira Figueiredo, chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) em seu governo, superestimado pelo presidente e seu principal mentor, o general Golbery do Couto e Silva.

A idéia inicial de Ernesto Geisel era fazer de Aureliano Chaves o primeiro presidente civil ao fim da ditadura militar. Não conseguiu e Aureliano virou vice de Figueiredo. Castelo Branco, nos primeiro momentos da ditadura militar sonhou com Bilac Pinto seu sucessor, foi atropelado pela linha dura e meses depois de deixar o governo morreu em circunstâncias até hoje no mínimo estranhas.

Otávio de Aguiar Medeiros, general de Exército, foi parte da melange que acabou se materializando no governo Figueiredo, numa tentativa de conciliar as forças militares e econômicas heterogêneas. A tentativa de juntar duros com moderados. O atentado do Riocentro resultou no afastamento de Golbery – Chefe do Gabinete Civil –. O general e considerado principal ideólogo do governo defendeu a apuração do crime e a punição dos culpados. Medeiros não. Bronco, estilo Brucutu que disfarçava com falsa erudição, optou por conciliar, colocar panos quentes e começou a arquitetar o sonho de mais um presidente militar, no caso ele.

Esbarrou na reação popular, no movimento das DIRETAS JÁ, no desmantelamento do sistema bi-partidário e na articulação ostensiva dentro das Forças Armadas desenvolvida pelo general Ernesto Geisel em torno da candidatura do então governador de Minas, Tancredo Neves. Geisel fora chefe do Gabinete Militar de Tancredo, quando o mineiro ocupou o cargo de primeiro-ministro no governo Goulart.  E, justiça seja feita, foi decisivo também no episódio da renúncia de Jânio e na posse de Jango, sempre ao lado das articulações de Tancredo (que resultaram na conciliação chamada parlamentarismo).

Otávio de Medeiros Aguiar, logo após a votação da emenda das diretas já, proposta do então deputado Dante de Oliveira, em declaração pública e anotada por vários veículos de comunicação, foi enfático ao afirmar que “eleições diretas só em 1990”. Errou por um ano, aconteceram em 1989 e resultaram na vitória de Collor de Mello.

As ditaduras militares na América Latina, a exceção da brasileira, eram tratadas a ferro, fogo e ordens explícitas de Washington e o que Washington representa, ainda num contexto de guerra fria. Com o Brasil as ordens vinham mais dissimuladas, as negociações eram às vezes complicadas e no governo Geisel chegaram a impasses que acabaram determinando a ruptura do acordo militar Brasil/EUA.

Geisel cismara de desenvolver uma indústria de armamentos brasileira através da ENGESA e da IMBEL e acabou complicando o já complicado mercado de armas mundial. Armamentos brasileiros oferecidos ao mercado internacional, sobretudo a países árabes, suplantaram a concorrência com norte-americanos e países europeus.

Sarney foi um acidente de percurso. A morte de Tancredo abriu espaços para um dos mais repulsivos coronéis da política brasileira. Misto de chefe político imperial e pseudo escritor, conduziu um dos mais desastrados governos brasileiros, um período de vácuo em que se discutiu e votou a Constituição de 1988, com todas as cercas postas pela ditadura militar, caso da anistia geral ampla e irrestrita e do poder moderador concedido às Forças Armadas. Isso a despeito do grande debate popular.

Collor de Mello foi o resultado do projeto de uma nova ordem econômica que nascia com o início do fim da União Soviética e a formulação de políticas mundiais de domínio das grandes potências, notadamente os Estados Unidos. Há um episódio pouco lembrado do governo do “caçador de marajás” que tem suma importância na percepção das políticas que virão a seguir.

O Brasil se preparava para construir sua bomba atômica e um buraco na Serra do Cachimbo estava pronto para o primeiro teste subterrâneo com um artefato nuclear. Collor tomou posse e um dos seus primeiros atos foi fechar o buraco. Um claro sinal dos compromissos com a ordem neoliberal que começava a estender suas garras por todo o mundo e assim manter o controle da América Latina.

Os militares brasileiros sempre tiveram rompantes de grande poder, mas nunca passaram dos rompantes, exceto no governo Geisel que, de fato, preparou toda a infra-estrutura para que isso acontecesse. Há histórias impressionantes durante o período, curto período, de ouro da ENGESA e da IMBEL, inclusive seqüestro de aviões e navios brasileiros pelos norte-americanos.

O governo Collor iniciou a era de democracia consentida. Samuel Pinheiro Guimarães conceitua essa ordem mundial numa análise límpida e clara sobre países periféricos, os objetivos das grandes potências e especificamente a estratégia dos EUA em relação a países latino-americanos, o Brasil à frente, por se tratar da maior economia da região e daquele com maior volume de recursos naturais até por conta de sua dimensão continental e de estar em nosso território a maior parte da Floresta Amazônica, recursos que há dez anos atrás eram calculados em um trilhão de dólares em curto prazo.

O fracasso de Collor foi produto de sua dimensão política menor, de uma aposta equivocada do capitalismo. O breve hiato Itamar Franco resultou em Fernando Henrique Cardoso, discípulo fiel e convicto da ordem política e econômica que se impunha e se impõe ao mundo. Quando eleito presidente em 1994 o projeto de reeleição já era uma realidade traçada em Washington e abraçava as duas maiores nações da América do Sul, Brasil e Argentina.

Estava transparente a frase de Golbery dita no início da ditadura militar – “o Brasil vive momentos de sístole e diástole”, referindo-se a abertura (democracia) e “fechamento” (ditadura). Não mudou, nem em relação ao Brasil e nem em relação aos países latino-americanos, vide os golpes de Honduras e agora no Paraguai, ou as ações contra os governos de Chávez, Morales, Corrêa, Ortega, a própria Cristina Kirchner na Argentina, o insistente bloqueio (furado) contra a revolução cubana e a presença ostensiva dos EUA através de bases militares e de seu principal acionista em toda a América Latina. Israel. Presença política, econômica e militar.

Essa nova ordem se instala sem maiores preocupações e o Brasil hoje é parte integrante do Plano Grande Colômbia, principal colônia dos EUA/ISRAEL na região.

Lula foi um contratempo. Ora controlado, ora intimidado, razão pela qual optou pelo que Ivan Pinheiro, secretário geral do PCB (Partido Comunista Brasileiro) chama de “capitalismo a brasileira”, que nada mais é que uma variação da teoria da interdependência a partir do ponto de vista de Fernando Henrique Cardoso.

Se Geisel promoveu a distensão lenta e gradual, Lula aceitou o jogo político da democracia consentida desde a Carta aos Brasileiros, ainda em sua campanha em 2002, às ações reais de seu governo (tratados de livre comércio numa espécie de “mini-ALCAS”, definição também de Samuel Pinheiro Guimarães) e lenta e gradualmente vamos sendo transformados em país produtor e exportador de matérias primas, sem domínio de tecnologias fundamentais. Para que se tenha uma idéia disso não temos sequer um carro nacional. Todas as montadoras que operam no Brasil são estrangeiras.

Recuamos na construção dos submarinos movidos a energia nuclear, a ENGESA e a IMBEL foram sucateadas, os anos FHC trouxeram prejuízos inestimáveis à pesquisa, ao desenvolvimento de tecnologias próprias, o setor de comunicações foi aberto ao capital estrangeiro e constitui-se em fator de dominação e alienação, enfim, nenhum avanço concreto a despeito das políticas de descompressão salarial (que hoje mostram um brasileiro endividado), mantendo a sempre crescente exploração da mais valia.

O processo de privatizações, sobretudo de companhias como a VALE e a EMBRAER, setores estratégicos (telecomunicações e energia), o fim do monopólio estatal do petróleo, nada disso revertido pelo governo de Lula e agora, as privatizações de aeroportos, tudo se transformando numa camisa de força guiada por políticas neoliberais e antevendo um desastre político e econômico que, com certeza, vai nos deixar a reboque dos avanços tecnológicos e grudados, apêndices de uma nova ordem política, econômica e militar, que agrava e aumenta os problemas sociais gerados pelo capitalismo numa fase de crise aguda, falimentar, mas seguro em milhares de ogivas nucleares.

O governo Dilma... Existe? O aspecto positivo do governo Lula, Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, deu lugar a Anthony Patriot e a Moreira Franco. De quebra, Kátia Abreu defendendo a reeleição da presidente. Pelo andar da carruagem os tucanos percebem que perdem terreno para esse petismo com plumas e bicos apenas diversos nas cores e no discurso. A prática é a mesma.

Vivemos numa democracia consentida, o golpe do Paraguai mostra isso, coloca nosso País sob o cerco militar dos EUA numa região (Tríplice Fronteira), fechando o certo total, desde o antigo SIVAM (SISTEMA DE MONITORAMENTO DA AMAZÔNIA, hoje com a presença colombiana), um grande embrulho chamado Plano Grande Colômbia. Somos parte do projeto GRANDE COLÔMBIA.

A presença de Paulo Maluf no espectro das campanhas petistas é o símbolo dessa queda.

A visão petista é estreita e disputa o jogo do clube de amigos e inimigos cordiais, que não nos leva a lugar algum. Pelo contrário, nos atrela a uma ordem boçal e bárbara, onde o que menos vale é o ser humano, a classe trabalhadora.

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