Involução das conquistas no movimento feminista

A legitimidade das conquistas femininas foi extremamente notável. Elas começaram a reivindicar não somente direitos, mas também, baseadas em suas capacidades intelectuais, buscar o espaço necessário para se consolidar. Sair de casa era importante para o momento, afinal, essa geração do pós-guerra pôde presenciar grandes conflitos, perdas e dores. Constituíram suas teses fundamentadas na necessidade de realizarem-se como mulheres, pois, como filhas, assistiram, inúmeras vezes, suas mães sendo massacradas em suas emoções, sendo desmerecidas em sua sexualidade, pois, renunciavam o prazer que lhes era de direito pelo "prazer" do outro: daquele que a oprimia e, em muitos momentos, transformava o ato sexual em um ritual de violência e desrespeito aos direitos da mulher.
Essas mulheres não tinham para onde ir, afinal, a muitas delas, faltava aprimoramento profissional e formação intelectual. Eram totalmente dependentes. Economicamente, mantinham os casamentos pelo mito da "segurança matrimonial".
A dor da geração pós-guerra, que, em grande parte, não desejava passar pelas mesmas agruras, talvez nem desejasse ter mais filhos, afinal, bastava-lhes a experiência que tiveram com o ser humano, principalmente, em relação aos que mais dizem estar comprometidos com o "amor": os pais.
Relatos impressionantes demonstram que pais que lutaram na Segunda Guerra e ao retornar para suas casas, apresentavam-se altamente agressivos, dependentes de substâncias psicoativas. Os mesmos, diversas vezes, cometeram violência doméstica e estupros. Tais indivíduos abandonaram os campos de combate, porém, os campos de combate não os abandonaram. Trouxeram para casa seus inimigos, projetando-os em seus filhos, esposas e sociedade.
As filhas da geração pós Segunda Guerra Mundial mobilizaram-se em uma única linguagem, repudiando a exclusão em nome de suas mães oprimidas em seus direitos e adoecidas pela sexualidade que não puderam viver.
Reivindicaram o acesso ao prazer, ao orgasmo, ao mercado de trabalho, usando de todos os recursos possíveis para manifestarem a nova visão de mulher que almejavam conquistar.
Deveria ter sido a morte da mulher como "objeto", na tentativa de estabelecer buscas tão importantes para as tais: A liberdade da expressão de seus sentimentos, de sua intelectualidade, de sua espiritualidade, de sua autonomia.
Naquele tempo, as mulheres não mais desejariam ser apenas esposas provedoras do prazer de seus maridos, mas, requereriam o direito pleno à sexualidade, a orgasmos, às escolhas, aproximando-as das experiências em que passariam a ter em uma nova postura frente à sexualidade.
A invenção da pílula anticoncepcional foi de uma importância social imensurável. Foi o resultado de uma luta sem trégua, travada por uma enfermeira e feminista norte americana, Margareth Sanger, e uma ativista milionária, Katharine McCormick Dexter, que financiou todas as pesquisas. Cada centavo de dólar saía de suas economias.
Procuraram um cientista judeu de origem russa, que imigrou em 1903 para os Estados Unidos da América, Dr. Gregory Goodwin Pincus. O mesmo incorporou aos seus trabalhos outros cientistas estudiosos em reprodução humana.
No ano de 1960, a companhia farmacêutica G. D. Searle, coloca no mercado uma droga liberada para "disfunções ginecológicas". Foi então que, mulheres, filhas da geração pós-guerra, traumatizadas, fragilizadas e coisificadas, intensificaram o uso da brilhante descoberta (ENOVID).
A história de Sanger deu-se da dor e do trauma em ver sua mãe morta em virtude das conseqüências de seus 11 partos, e da relação de opressão machista imperante na época, onde à esposa era negada a possibilidade de exercer sua sexualidade como forma de busca de prazer por intermédio do orgasmo. As manifestações de gozo eram identificadas como "promiscuidades", diga-se de passagem, "promiscuidade" repudiada em casa, mas buscada em relações paralelas. Em casa, sobre as esposas, era transferida a figura da pureza das mães, onde eles, os maridos, projetavam para si a fantasia da figura de seus pais.
Margarete Sanger expulsou seu pai do velório de sua mãe ao vê-lo, acusando-o publicamente de abusar de sua mãe impondo-lhe sucessivas concepções e negando o direito do uso dos primeiros métodos contraceptivos existentes na época, entre eles, "codons de borracha" e diafragmas, para uso intrauterino.
Ela desenvolveu o termo "Controle de Nascimento", em 1914, e começou divulgar informações a respeito de métodos contraceptivos. Foi processada em 1915 e presa em 1916. No ano de 1921, fundou a Liga Americana de Controle de Nascimento.
A descoberta da pílula anticoncepcional liberou centenas de milhares de mulheres da gravidez indesejada. A maternidade, a partir daquele momento, não mais seria a referência da feminilidade, mas uma escolha, afinal, muitas mulheres jamais gostariam que seus filhos passassem por suas experiências traumáticas. Em segundo lugar, não seria mais necessária a submissão ao homem, muito menos se venderem, trocando o direito à liberdade pela segurança matrimonial.
A mulher deixou de ser a dona de casa transformando-se em dona do mundo e, principalmente, de seu próprio corpo.
Foi absorvida pelo mercado de trabalho e, gradativamente, conquistou espaços outrora apenas ocupados por homens.
Mulheres que desejavam não mais parir o indesejável, mas sim, estabelecer a gestação cultural e profissional.
Tornarem-se profissionais com poder de especialização, exercendo as habilidades intelectuais, é extremamente motivador.
Galgar espaço cada vez maior tornara-se não apenas conquista, mas, a possibilidade de insigths frente a "virilidade" perdida durante a fase fálica por intermédio do poder, do controle de encaminhar o fluxo de suas vidas em caminhos delineados e conquistados com alto empenho. Penso que isso está muito ligado à reconquista do falo, mas agora, o mesmo, torna-se cultural, econômico e social. É a experiência do prazer de conquistar e, ao mesmo tempo, o delineamento de seus territórios, apresentando suas conquistas e conciliando-as ao direito do prazer sexual, da escolha de seus parceiros, da quantidade de filhos que desejariam, e se realmente necessitariam dos mesmos para perpetuarem uma espécie vitimada por sua própria intolerância. Intolerância essa, desencadeada por impulsos sadomasoquistas.
Em 1960, feministas queimaram sutiãns nos protestos em prol da liberalização da valorização da mulher, da conquista de seu espaço e do exercício de sua sexualidade em busca de orgasmos e prazer.
Tais manifestações foram de uma magnitude tão acentuada, que atingiram os próprios movimentos contrários à época. Os movimentos conservadores de diversas correntes doutrinárias opuseram-se às mudanças propostas. No entanto, não havia como conter necessidades tão nobres à saúde feminina. O contingente feminino aumentou significantemente no mercado de trabalho, então, elas passaram a organizar redes sociais, discutindo assim, em diversos grupos, o papel da mulher contemporânea. Isso propiciou oportunidades em terem contato com a diversidade cultural. Passaram a conhecer a mulher que era sublimada pelos preceitos estigmatizantes que desmereciam a própria feminilidade.
Aprenderam o caminho das pedras, não somente das pedras, mas, principalmente, dos tribunais, onde puderam por fim a casamentos sufocantes, desses em que o homem, na dolorosa resolução do complexo de Édipo, aprisiona a esposa, à qual projeta a figura materna, como forma de punição e domínio.
Nos anos de 1970, a mulher começa uma caminhada em busca de si mesma.
Trava lutas importantíssimas para a consolidação de suas conquistas, afinal, retroceder consistia no retorno à escuridão, à anulação do direito de não gemer somente nas dores dos trabalhos de parto, mas, contorcer-se prazerosamente em seus orgasmos, deliciando-se em ser mulher, sentir seu corpo convulsionar no pleno direito de perder, por instantes, a noção de tempo, espaço, identidade, pátria, responsabilidades, etiqueta. O universo é o seu corpo nesse momento de incontáveis histórias, pois, prazer não se conta, vive-se.
Na década de 1980, tivemos o período riquíssimo das especializações. A mulher passou a buscar conhecimento como forma de estabelecer um poder que não fosse o de referência, mas sim, de especialização.
Seu curriculum individual tornara-se garantia para suas conquistas, bem como, assegurava resguardar a conquista da liberdade, e isso consiste na resignificação do aspecto compensatório e reparatório frente ao complexo de castração.
A mulher começou então a compreender a grandiosidade de seu papel e, em meio às pulsões de vida e morte, desbancou o homem da onipotência e virilidade ligada ao papel do "macho", provedor de condições básicas para sobrevivência da mulher.
Pouco mais de 50 anos atrás, tínhamos um mercado de trabalho completamente delineado, voltado a corresponder às expectativas do homem. De repente, uma revolução se instaura, promovendo com uma velocidade impressionante as maiores transformações já vistas em todas as fases da história.
Para observarmos tais afirmações torna-se interessante que possamos fazer uma observação: onde estava o homem 50 anos atrás e onde encontra-se hoje ?
A partir da metade da década de 1990, observamos um retrocesso nas conquistas consolidadas pelas mulheres. Por um período elas passaram a serem estimuladas ao ingresso do mercado de trabalho. Claro, nada mais interessante aos "donos dos meios de produção" que pagamento de menores salários a uma categoria. Então, o decréscimo e estagnação dos empregos para homens em relação às mulheres, torna-se considerável.
Segundo a pesquisadora Cláudia Mazei Nogueira, em seu livro "A Feminização no Mundo do Trabalho", nos anos 80/90, a mundialização do capital emitiu efeitos complexos, além de contraditórios, afetando desigualmente o emprego feminino e o masculino.
Em relação ao emprego masculino, houve uma estagnação e/ou até mesmo uma regressão; já o emprego e o trabalho feminino remunerado cresceram.
Paradoxalmente, apesar de ocorrer um aumento da inserção da mulher trabalhadora tanto nos espaços formal quanto informal do mercado de trabalho, ele se traduz majoritariamente nas áreas onde predominam os empregos precários e vulneráveis.
Durante o ano de 1960, as mulheres representavam 30% da população ativa européia; em 1996, essa cifra se elevou a 42,5%. Mas, apesar do crescimento da inserção da mulher trabalhadora no mercado do trabalho, essa tendência vem ocorrerendo nos espaços onde a precarização é mais acentuada, como por exemplo, no trabalho em tempo parcial, ou ainda, com grande diferenciação salarial.
A respeito da diferenciação salarial, pesquisas referentes ao ano 1995, publicadas em 1999, indicam a Dinamarca 11,9% e a Suécia 13% entre os países com pequena diferença salarial. Já a Espanha, 26%, Reino Unido 26,3%, Portugal 28,3%, Países Baixos 29,4% e Grécia 32%, encontram-se entre aqueles com níveis de diferenciação bem mais acentuados.
Aliás, isso configura uma situação aparentemente contraditória: no mesmo período histórico em que a Europa caminha no sentido da unificação da sua legislação, a igualdade de salários entre homens e mulheres não existe em nenhuma parte. Em toda a Europa, as mulheres têm salários significativamente menores que os homens.
Os últimos dados relativos à Europa mostram que os desníveis de salários se escalonam entre 11,9% e 32%.
Ao contrário, portanto, de uma pretensa equalização salarial nos países de capitalismo avançado da União Européia, a configuração atual da divisão sexual do trabalho carrega consigo a persistência da segmentação e da remuneração diferenciada entre homens e mulheres.
Outro exemplo é o trabalho em tempo parcial, que muitas vezes, implica em salários menores e poucos direitos trabalhistas.
Na Europa do Norte, encontram-se os níveis mais altos de feminização do trabalho em tempo parcial. Por exemplo, nos Países-Baixos, 68,5%, Reino Unido 44,8%, Suécia 41,8%, Dinamarca 34,5% e Alemanha 31,6%. No extremo oposto, na Europa do Sul, encontramos os menores índices de feminização do emprego em tempo parcial, como por exemplo, a Grécia 9%, Itália 12,7% e Portugal 13%.
Cabe lembrar que, os Países-Baixos são os únicos onde a proporção de homens em tempo parcial de trabalho aumentou significativamente, quase triplicando, pois em 1983 totalizavam 6,9% de homens em tempo parcial, chegando em 1996 a 17%. Mas, se compararmos a quantidade de mulheres em tempo parcial (que se encontra na faixa de 68,5% em 1996), mantém-se a "regra" da feminização do trabalho em jornada parcial.
A tendência da feminização do trabalho (e sua acentuada precarização) também está presente quando se analisa o Brasil. No período de 1981 a 1998, ocorreu um constante crescimento da população economicamente ativa feminina, chegando a alcançar 111,5% de aumento. Aumento esse, muito mais acentuado que o masculino. A proporção do aumento de mulheres em relação aos trabalhadores é nítida, salta de 31,3%, em 1981, para 40,6%, em 1998. Nesta mesma época, o contrário ocorreu com os homens, que recuam de 68,7%, em 1981, para 59,3%, em 1998.
No que diz respeito aos menores salários, a mulher também se encontra predominante, quando comparada aos homens. Ambos, homens e mulheres, nos mesmos setores de atividades, concentram-se em faixas distintas de salários, apontando uma acentuada desigualdade em relação aos valores médios pagos para os trabalhos realizados conforme o sexo.
Agora, são incentivadas ao trabalho, motivadas por índices parciais que incitam cada dia mais à entrada das mulheres no mercado.
Lembremos-nos de diversas instituições que outrora eram abertamente contrárias à presença feminina em seus espaços. Hoje, apresentam-se com uma "cara nova e limpa" em propagandas muito bem elaboradas, onde, as mulheres trabalhadoras apresentam-se satisfeitas, sorridentes, correndo de braços abertos em direção aos seus filhos. Mas a realidade que podemos constatar é outra: Elas encontram-se massacradas pelos baixos salários e, se quiserem garantir um pouco mais, devem adequar-se as regras da economia neo- liberal.
Devemos sempre nos lembrar que essas "castas econômicas" mobilizam-se sempre em virtude das possibilidades de maiores lucros e, para tal, se necessário for, faz o jogo da ambigüidade, afinal , torna-se muito atraente jornadas reduzidas de trabalho, dois ou mais turnos, menores salários em relação aos trabalhadores do sexo masculino e aumento da produção.
Nele, agora, a mulher vem sendo tratada como "objeto", exposta a coisificação, onde, a erotização de seus corpos, torna novamente a tomar lugar das conquistas de cunho intelectual e político.
A mulher está totalmente exposta. Não precisa mais negar sua sensualidade, esconder seu corpo; afinal, o corpo feminino plastificado, siliconizado, alterado em todas as suas formas, tornou-se o padrão de sucesso, bem-estar, poder e conquistas. É compreensível que as pessoas busquem cada vez mais soluções para sentirem-se bem, entretanto, estamos frente a total falta de limite quanto ás intervenções da plástica.
São desconsiderados aspectos da personalidade, onde indivíduos, diante da impossibilidade da perda, da frustração, promovem, com a intenção de evitar um abandono real ou imaginário, profundas alterações da auto-imagem, afeto, cognição e comportamento, como tentativa de sublimar separações, rejeições e perdas.
Atualmente, em nossa cultura, estamos diante dos mitos da boa-forma, da beleza e da juventude. A busca desmedida por padrões, estabelecidos pela ditadura da estética, fomentada pelas indústrias de cosmetologia, atropela toda a subjetividade do ser humano, desmerece as etapas pelas quais todos passam.
Estamos no período onde a biotecnologia "modifica" todas as formas do indivíduo, no entanto, não consegue assegurar-lhe a resignificação de seus conteúdos, onde estão presentes os traumas, as perdas, amores e desamores.
Sabemos que as mudanças efetuadas não produzem os resultados aguardados. Muitas, emocionalmente, continuam fragilizadas, apresentando diversos sintomas inerentes de transtornos dismórficos e outros mais.
As propagandas veiculam a imagem do sucesso, do poder, da alegria, ligados ao corpo feminino. Padroniza-se, em seus tantos centímetros glúteos e seios, tonalidade e forma de seus cabelos. Entramos silenciosamente em uma das piores e mais pernicosas ditaduras já implantadas: a da estética. Os corpos "femininos perfeitos" tornaram - se uma exigência para que sintam-se aceitas, desejadas, bem sucedidas.
Teriam as lutas travadas sido atiradas ao vazio, pois, a autonomia feminina fora substituída por incontáveis crises? Estão entre o desespero da competência profissional e a necessidade de afeto? Não sabem a quem servir, se aos seus desejos ou as obrigatoriedades castradoras das novas formas de relações sociais.

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